Abate

Aquele corredor imundo fedia bosta. Uma fila imensa de companheiras, angustiadas pelo que viria.

Os homens costumam dizer que somos seres irracionais. Mas eu estava consciente do que acontecia. Sabia onde ia dar o fim daquela agonia: No carrasco e seu facão. Ali naquele matadouro ainda usavam os métodos antigos, uma tortura. Eu era tão jovem, só cruzara uma vez. Ele era o Touro mais belo da fazenda, o mais viril. Lembro que foi a foda mais esperada, eu sempre o comia com os olhos. Seu pau esteve dentro de mim por horas. Tivemos dois bezerros, algum tempo depois, arrancados de meus braços.

Agora ali, com meu pelo ouriçado pelos bernes, medrosa, pois havia chegado minha hora.

Empaquei, não ia desistir, iriam ter trabalho comigo. Um dos ajudantes, percebendo minha manha, enfiou um cabo elétrico no meu cu. Quase morri de dor. Não tinha mais nada a fazer, era enfrentar meu destino.

Quando finalmente minha companheira de frente chegou ao nosso algoz, uma facada fulminante atravessou seu pescoço e de seus olhos sairam duas lágrimas, sem mugido, como se estivesse entregue, morta em vida. O sangue jorrava e era aparado por um balde de metal. Nem o sangue nos pertencia.

Assisti a carnificina como se dopada estivesse. Chegara a minha vez. Teria voz para mugir? Meus músculos contorcidos tremiam, choravam...

-Não! Acordei molhada de suor e em prantos. Maldito! Maldito! Sabia que eu levava sempre tudo ao pé da letra. Desde a infância fui uma pessoa sugestionável. Se me jogavam praga pegava, se me diziam que pedra era mole eu acreditava. Sempre tonta. E o bilhete continuava lá, colado ao espelho, como uma vingança fria. Paulo, meu noivo, descobrira que eu o traia e terminou o namoro de dois anos, idiota. E para me castigar colou uma pequena placa de alumínio escrita em vermelho no espelho do toucador:

- SUA VACA, ESTÁ SE PREPARANDO PARA O ABATE?