"A MENINA DA ESTRELA"

A menina da estrela- Conto

( IMRG)

Entre a meninada do colégio tipicamente paulistano de classe média alta havia uma garota arredia, de feições maltratadas e envelhecidas, cuja voz explodia em um estranho sotaque.

Estava sempre sozinha. Ora por vontade própria, ora pelo descaso de suas colegas que se impressionavam com seu quase mutismo, mau humor e queimaduras espalhadas pelo corpo.

Certa feita, conheceu um garoto bem mais novo , aluno do então primeiro ano ginasial. Ele na tentativa de entendê

-la ensaiou balbucios em espanhol e francês....

Ao falar o idioma da distante terra dos grandiosos pensadores o rosto da criança pareceu ganhar foros de alegria... Aos poucos a convivência foi se amiudando e o garoto perplexo, se deu conta da infinita tragédia que se abatera sobre aquela menina transformada em sobrevivente pela capitulação de uma nação tomada pelo obscurantismo, tirania e hediondez.

Seu nome fora substituído por um número gravado a ferro quente juntamente com uma estrela...

Seu pecado.. Ter nascido judia na distante Polônia... Sua sina ter sido supliciada, castigada, levada ao banho que limparia a sujidade de seu corpo para posteriormente transmuda- lo em fumaça.

Mostrou ao seu amigo a estrela, e o seu número arreganhando os dentes com ódio e pedindo a Deus o castigo a todos os assassinos de seu povo.

No dia marcado para sua morte fugira escondendo- se sob uma a improvisada montanha de gélidos e já rígidos inocentes.

Aguentara firme a tudo, mesmo tendo perdido pais e irmãos, nos tenebrosos campos de concentração e extermínio de Auschiwitz, onde foram mortas mais de um milhão de pessoas entre judeus, ciganos, homossexuais, doentes físicos e mentais de diversas nacionalidades e etnias.

Na companhia de uma tia materna, após o fim da Segunda Guerra Mundial aportou em Santos para depois dirigir- se a São Paulo onde acabou por estudar nesta tradicional escola.

Após a formatura sua vida tomou um destino ignorado. Melhor assim.

Ao menos em nossas terras a menina , de sobrenome Blumenthal soube que ser judia não equivalia à uma sentença de morte irrecorrível e que o brasileiro, mescla de tantos povos e cultura sempre esteve aberto a receber os literalmente marcados a ferro e a fogo.

Nota: A garota retratada possuía o sobrenome Blumenthal e o garoto que com ela conversava era meu falecido pai Ramon Aureo Garcia. Meu pai sempre dizia que éramos cristãos novos, que os nomes de nossas famílias foram mudados a fim de que os nossos antepassados fugissem da Inquisição...

Ivone Maria Rocha Garcia
Enviado por Ivone Maria Rocha Garcia em 25/01/2022
Reeditado em 25/01/2022
Código do texto: T7436679
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