O Crime do Professor de Português





Na escola, eu fazia as redações, e entregava para a professora os olhos de jabuticaba focavam na reação dela era inevitável observar ela lendo com aqueles óculos sendo ajeitado aqui e ali, e na esperança daquela caneta vermelha não permear o meu texto.

Era uma criança, mudavam as professoras, todavia as expressões sempre eram as mesmas. Aquela correção que ninguém quer passar e todos passam, os olhares dela para o tecer do texto e a minha ligeira esperança de ser brilhante naquilo que mais amo fazer: Escrever.

Poderia te contar que o destaque era fenomenal e os alunos aplaudiam de pé meus textos, amava as histórias tipo: Era uma vez, entretanto precisava, as vezes , argumentar. E era eu argumentando!

Precisava aprender a Norma Culta e era eu cultuando o nosso jiló de cada dia. Era eu sonhando em ser um professor de Português. E este sonho chegou depois de vários anos de: Ensaios, Resenhas, Palestras e Seminários estou eu aqui iniciando o Estágio para ser o que eu tanto sonhava ser: Um professor de Português, tipo o Pascoale sabe? Ou um educador tal qual Paulo Freire.

A gente sonha, corre atrás e a gente realiza.

Realizei outro sonho que era comprar a minha motinha, a vida é aquela correria e as aulas fracionadas fazem a gente querer aproveitar o momento da melhor forma possível. Após o termino do Estágio tive que marcar aula em diversos lugares diferentes desta cidadezinha do interior.

As piores eram sem dúvida as da noite. Não que eu não ame trabalhar de noite. Mas era por conta daquele cachorro. Cachorro maldito, Cachorro perseguidor de motos vermelhas. Por qual razão fui eu escolher a moto vermelha? Logo esta cor que atrai estes animaizinhos que precisam provar a sua coragem e determinação correndo para devorar a perna de um desavisado?

A casa que aluguei para morar nesta cidadezinha, cujo a qual, consegui as minhas tão almejadas aulas é assim: Dois cômodos um banheiro, terreiro bom cheio de terra vermelha e alguns vizinhos mexeriqueiros que adoram cuidar da vida dos outros.

A propósito é um destes vizinhos o dono do cão que chupa manga todos os dias correndo nas noites de correria de um novato da peleja.

Minha rotina de chegada na casa sempre foi esta. Desviar do cachorro. Deixar a bolsa na mesa (cheias de provas para corrigir, depois corrijo, vou ser feliz) E ligar o computador e sonhar em ser um escritor! 

De professor de Português para escritor parece-me um divisor de águas intransponível todavia serei eu o escritor da minha história, logo, praticar, praticar e quando cansado praticar.

Pense amigos que até mesmo as luzes acesas incomodam os incomodados do muro ao lado. Quando desligo a luz para enfim ir dormir, sempre olho para a janela e vejo o velho dono daquele cachorro. Parece que não tem nada o que fazer do que ficar a observar a vida alheia?

— Vai cuidar do teu cachorro infeliz!

Nas escolas aquela velha rotina, entro na sala dos professores, tomo o café frio, dou aquela revisada básica no plano de aula (chato isto preciso apresentar todo o santo dia o meu plano de aula para o pedagogo chefe afim da aprovação) e vou para a sala de aula. Observo olhares, contenho algazarras e sou eu agora o professor de Português.

Quando passo a atividade para aquela manada de adolescentes desenfreados se entreterem é o momento que eu sonho. O Sonho é simples, que os ponteiros do relógio corram não sigam o modo natural, quero chegar em casa deixar a bolsa na mesa e escrever, sim, amo escrever.

Terminado a sessão educa os ineducáveis, ligo a minha motinha (que cor mesmo?) e acelero nas estradas desertas das vinte duas horas, passo alguns sinais vermelhos, afim de chegar rápido para o meu céu na terra. Hoje foi aqueles dias tudo parecia dar errado, aos mortos e feridos estou chegando ao lar, aí sim o professor aqui fica feliz.

Tristeza, o cachorro veio de modo voraz, tentei desviar, fui com um chute, precisava defender-me da queda (prestações para pagar sabe?) e o que mais temia, ou queria sei lá, aconteceu.

Parei a moto e fui ver, um vira lata morto era aquele cachorro com os olhos esbugalhados no chão. Fiquei a observar os últimos contorceres da vítima, até passou o sentimento de dó daquele animal.

Estaria eu tirando a vida de um ser vivo. Pareceu-me desta maneira, a você leitor pense que foi um acidente de trânsito, porém a mim, foi o mais cruel dos assassinatos.

Pensei agora ser eu o protagonista das piores histórias de assassinos que eu prontamente criava nas noites geladas e felizes do muquifo que chamo de lar.

Olhei para os lados, parecia também ter a necessidade de não ter cumprisse o meu devaneio da calada da noite.
Não tinha.

A evidência do meu crime estava estirado no chão. Era o assassino e a vítima, era a morte e a vida, era eu e o cão.

Pensei naqueles seriados de televisão, pegaria eu um giz da minha caixinha e desenharia o corpo no chão para a evidência?

Pensei rápido, precisava era sumir com aquele animal do meio da estrada, antes que aparecesse alguém para apontar de dedo.

— Olhe o assassino do cão!

Foi o que fiz, abri a caçambinha da moto e coloquei a criaturinha dentro dela, espremi, olhava para os lados, escutei um crécri, e fechei o assento.

Estava eu perfeitamente escondendo o cadáver daquele animal dentro da minha moto que ainda estava pagando em suaves prestações.

Ao parar para abrir o portão quem eu vejo? O vizinho. Nunca faço isto, porém devido as circunstancias fiz. Cumprimentei-o. Parecia apreensivo? O que acontecera com o seu animal de estimação já era evidente?

Escutei calado o velho a chamar o cão, provavelmente era a hora da ração. Eu imaginava o que fazer com o corpo que estava esfriando dentro da caçambinha.

Eu de professor a assassino. 

Olhei pelo vão da janela disfarçado, precisava deixar o velho pensar que era algo natural ao meu dia, afinal, ele observara o meu cotidiano, que era ligar o pc e ir dormir altas horas, todavia a curiosidade de saber o que o velho assuntava era maior.

O velho com uma lanterna esquadrinhava cada centímetro daquela rua que adentrava a nossa casa. 
Eu pensei: Amanhã sumo com o corpo.
Fui deitar, tentava dormir e nada, a judiação era tamanha. O velho começava a chamar pelo nome do cão, e o animalzinho. Sei bem, não iria responder.

Pensei agora o quão monstro fui, tirei do velho coitado a companhia, naquela noite ele não iria ficar observando a minha janela, pois teria algo para se preocupar.

Três horas da madrugada, ligo a luz e vou corrigir algumas atividades, estava por motivos obveis sem sono.

Na quietude da madrugada, alguém bate na porta. Olho para o visor e era o velho. Tal qual o desespero dele de ir me importunar. Fiquei gelado e frio. o velho bateu mais uma vez, sabia que estava acordado, a luz me denunciava.

Fui no banheiro lavei o rosto e precisava treinar a expressão de dissimulação. peguei a toalha e fui abrir a porta.

— Boa noite vizinho, vi que o moço esta acordado. Será que tú não vistes o meu  Totózinho. Os olhos dele estavam lacrimejados.
— Não, não vi. enxugando o cabelo para fingir um álibi.
— Mas moço, todas as noites o Totózinho corre atrás da tua moto quando esta chegando em casa. Olhei para o velho, para ele era comum o meu sofrimento diário de desvencilhar daquele animal.
— Pois é, engraçado hoje não o vi, agora preciso ir dormir, não sei se o Senhor sabe, sou um professor de Português, passar bem.

Fui fechando a porta com o velho falando um: Mas...

No dia seguinte acordei cedo e fui na loja da esquina, um agro e comprei uma pá, e algumas mudas de flor.
O velho me observava.

Nunca fui de jardinagem e precisei, faltar um dia de trabalho para dar um trato no meu terreiro.
O velho me observava.

Confesso a você leitor, o animal estava pingando a sangue e precisava me livrar do animal urgentemente e seria uma cova rasa o fim daquela indigesta situação.
Todavia o velho não parava de observar o que eu fazia.

Carpi fiz as plantações e disfarçadamente abri uma cova rasa. Suava, era homem das letras e não de calejar as mãos.

— Olá vizinho, nada do Totó né? De folga? Não vai dar aula? Disse que daria aula? Sempre deixa a moto pra fora agora deixou-a para dentro da tua casa?
O Senhor estava desconfiado era evidente e o meu segredo parecia ser revelado se eu abrisse a boca.
— Sim, hoje terei hora atividade e nada mais, por isto pensei em deixar este quintal mais bonito. Boa sorte com o seu cão.
— Obrigado. Ele respondeu e fui entrando para casa, pensava que a ideia de enterrar o defunto já era, afinal o velho não saia da minha cola.

Precisava ser prático e sumir com o animal que provavelmente começaria a cheirar mal. Abri a caçambinha e estava lá o dito, todo quebrado, e jazia babas pela boca. Duro, parecia uma pedra.

Peguei um lençol e  enrolei o animalzinho. Era eu e o cão e um vizinho desconfiado.

Limpei tudo coloquei o embrulho na caçambinha. Liguei a moto e sai. Na subida daquela pequena cidade era possível ver um panorama de tudo um pouco. A igrejinha, as ruas e as escolas. Arrumei meu óculos, e abri a caçamba. Estava lá o embrulho.

Pensei a minha burrice de deixar a pá em casa. Porém não poderia sair com uma pá sem levantar suspeitas.
Escondi o animal no pé de uma árvore, sentei um pouco e pensei o que fazer.
Sentei na moto e fui buscar a minha pá, agora iria sem a moto, somente terminar o serviço.

Ao entrar em casa vi que a terra estava fofa, não tinha lidado naqueles lugares. Pensei na hora que o velho desconfiado foi dar um confere dele no meu lote. Era tarde e precisava resolver o meu crime.

— Boa tarde vizinho nada do Totózinho não é?
— Nada, com licença, vou levar a pá para um amigo que emprestei, terminei por aqui, engraçado a terra parece que esta mais fofa? Agora era eu questionando o velho para ver a sua reação.
— Impressão tua deve de ser que tu não sabe de lidar com jardinagem somente.

Olhei para o velho intrometido, deixei a moto dentro da casa. Peguei a pá e fui fazer o meu caminho.
Sempre olhava para trás e para os lados, a desconfiança tomava conta de mim.

Cheguei no local de destino e comecei a cavar. Fiz a cova rasa, não sou bom para estas coisas. Resolvi o problema, joguei a pá no meio do mato e comecei a fazer o meu trajeto de volta.

Pensava naquele velho chorando a morte do cão. Pensava na minha cara olhando para as crianças na escola. Eu dando aula ensinando a eles serem cidadãos de bem, e eu estava sendo o criminoso, ocultando o crime.

Voltei na mata, achei a pá e fui desenterrar o defunto. Que o velho faça o velório conveniente, afinal era o seu companheiro o Totózinho.

Ao chegar em casa enrolado ao lençol cheio de terra, bati eu na porta do velho. Tinha que encará-lo e ser homem.

Eu disse:
— Tenho uma coisa para você, com o embrulho na mão.
Ele disse:
— Tenho uma coisa para você, professor, com um pisca da moto na mão.


► Nota 01: Este conto é a minha singela homenagem ao conto:
O crime do Professor de Matemática de Clarice Lispector.

► Nota 02: Dedico este conto ao meu amigo aqui do Recanto das Letras:
Leandro Severo.

Nota 03: Os meus textos encontram-se em constante revisão e reescrita, se observar algum erro releve-os, se for elegante envie mensagem para corrigi-lo. Coloco-me na condição de eterno aprendiz.
Conquista: O Conto foi o mais lido na categoria Contos, na semana que foi criado.
Waldryano
Enviado por Waldryano em 28/10/2019
Reeditado em 29/11/2019
Código do texto: T6781214
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