O Espelho de Clarice

A canastra deu um gemido estranho, parecido repulsa e resistência, ao ser aberta. Dentro, tafuiado em suas entranhas,

1 batom vermelho, 1 par de saltos 15, 1 espelhinho de bolso quebrado, 1 escova, 1 soutien Du Loren e 1 fio dental retalhados, 1 celular primeira versão da Motorola, 1 absorvente com algumas pintas descoradas, 1 preservativo usado e outro inalterado, apresentam-se:

"Se procuram por ela, somos nós, as testemunhas".

- E as baratas e os saquinhos de naftalina?

- Não vieram com nós. Apareceram depois.

- E quem os trouxe?

- Não sabemos.

- Não sabem, ou nãoquerem se comprometer? Não suporto omissão e covardia.

- Ao contrário.

- Recolham tudo. Quanto tempo estão aprisionados, aqui?

- Não fazemos ideia. Trouxeram-nos com olhos vendados.

- Eu faz 5 dias. - disse uma das baratas.

- Cale a boca e aguarde ser chamada, sua matraca; antes que eu arranque-lhe as antenas, deixando-a perdida. Desorientada. Sua espécie está sempre cruzando nosso caminho, mas por falta de sangue, vocês não representam nada para nós. Caia fora, já! Quem é o responsável por ela.

- Nossa, que Comandante bravo. Parece fora de si. O outro é mais leve, saudável; mas esse...! Vai falar assim com a mãe dele. - soprou no ouvido da outra.

- Chiiiu! Pare de resmungar. Vai se meter onde não é chamada, esse é o resultado. - meio trôpega pelo desgaste nas juntas e arrastando uma das asas, interveio a barata matriarca.

- Será que temos cabo de energia para carregar o celular. Ele sim, poderá conter informações sérias e fidedígnas.

- Bem pensado; de qualquer maneira, recolhamos tudo.

- E as baratas e os saquinhos de naftalina?

- Os saquinhos, sim; as baratas pisoteie-as. Não valem uma bala.

- Ah que nojo, aquela gosminha!

- O que você disse, não ouvi?

- Nada, nada. Pensei alto. Homem compra pela beleza da cara e paga em suaves prestações no decorrer da vida; enquanto a mulher compra pela coroa e paga, imediatamente com a vida.

- Quem disse que trabalhar caçando esquife, não faz do caçador, filósofo conceitual a lá Sócrates grego!?

- Sim, Comandante. Esse nosso trabalho é a maiuêtica nobre; e a irônia, a entrada. A sobremesa fica por conta dos fatos.

- Sigamos, temos muito trabalho pela frente. O quê? Encontrou uma munheca decapitada com os dedos intactos e unhas esmaltadas? Ótimo. Mantenha-a como está; agora vamos.

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 04/09/2019
Reeditado em 04/09/2019
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