Eremita
Durante seus mais de 100 anos de pobreza absoluta, contraiu muitos vincos na cara, pés de galinha ao redor dos olhos e um chumaço de cabelos brancos na cabeça; no entanto, não teve um cão sarnento, sequer, para chamar de amigo.
No dia que lhe procuraram, não estava mais lá. Encontrando sua casa com as portas e janelas escancaradas para o vale, o céu azulado zombava da noite. À noite, quebrando com o silêncio, lobos uivaram ironizando a claridade do dia.
Ao adentrarem à casa, encontraram o sangue esculpindo a inscrição na tabuleta: "Os mares secaram; a vegetação morreu afogada; o capim foi incendiado; a boiada estourou e as divisas das terras sumiram. Quem são esses Filhos da Puta que vem aqui somente agora em busca dos bens que não tenho; que nunca possuí. Aliás, saiam pela mesma porta que entraram, porque nunca tive nem um gato rabugento para chamar de amigo, e não será agora que terei. Saiam já!"
"Aaaaaaaaaaai...; socorro!" - o berro saiu acompanhado por um forte trovão que deitou por terra o pináculo; e o mais inusitado: a tabuleta rodopiou feito um bumerangue, salpicando o ocaso de sangue e lágrimas.
"Tarde demais; fui alvejado nas costas!" - foi o que troou nos ares.