Está sem sorte? - Parte 3 - Delegacia

Pegamos um táxi e chegamos no hotel. Peter parecia estar acordando de um transe. Ele nem lembrava de como foi parar na mesa dados.

“É sério, eu não sei... eu estava falando com uma das garotas que estavam servindo a mesa, e aquela mulher apareceu do meu lado. Daí comecei a conversar com ela e quando me dei conta, você estava me puxando.”

“Claro. Com uma gata daquelas, soltando grana até pelo nariz, até eu não diria pra você como aconteceu.”

“Pode pegar pra você, cara. Dinheiro eu tenho, e muito, uma herança de família.” “E a garota?”

Ele cobriu a cabeça com o lençol. Estava me preparando para dormir. Ele havia tombado na cama dele, sem nem se preocupar com nada. Sinceramente, me impressionei quando ele respondeu “Ela também.”

Minha cara de ponto de interrogação fez ele continuar.

“Pra trabalhos assim, que envolvem plenos riscos, a agência federal contrata pessoas que não possuem familiares próximos, e não pretendem construir famílias. Solteirões como você é um exemplo.”

“Tá querendo dizer que você não curte mulheres, é?”

“Não tenho opção sexual, Richard. Não pretendo criar uma família. Mas sei muito bem seduzir, seja quem for.”

Na hora fiquei com medo do cara tentar me agarrar no meio da noite. Mas ao ponto que ele estava caído de sono, preferi esquecer qualquer tipo de coisa da minha cabeça e seguir seu exemplo. Não demorou nem meia hora para que eu pegasse no sono.

Dia seguinte, hora de trabalhar. Ainda estava meio estranho quanto ao que aconteceu com Peter. Odeio admitir, mas não era só inveja da minha parte. Era muito estranha aquela fixação que ele tinha. E aquela onda de sorte. Exatamente as mesmas circunstâncias em que todas, TODAS as vítimas morreram. Estava preocupado com meu parceiro de trabalho.

Mais um defeito pra minha lista. Crio laços afetivos muito fácil. Parece que realmente incorporei meu papel a mim mesmo e tornei Peter meu amigo de infância.

Relatório entregue, tudo perfeitamente correto. Mas algo ainda estava na minha cabeça. Queria saber mais sobre isso que estava acontecendo. Pela primeira vez, me interessei em ler de verdade o dossiê do caso. Fui acompanhando todo o caminho até a delegacia.

“Acordou inspirado, Carl?”

A princípio, nem dei muita atenção, mas me lembrei que estávamos em público, mesmo que em local restrito – dentro de um táxi. Logo, meu nome não era mais Richard, era Carl Parker.

“Interesse repentino pela leitura, meu amigo. Tenho certas bipolaridades de vez em quando.”

“Está falando até difícil...” E se virou para ver a paisagem urbana. “Elementar, meu caro Sammy.”

Pra falar a verdade, nem eu mesmo estava me conhecendo. O fato é que eu nunca vi um caso como esse, parecia cada vez mais... fora do natural. Como se não fosse possível de acontecer. Mas estava acontecendo, e eu estava começando a ficar com medo de que Peter Raimi era a próxima vítima. E que por muito pouco o nome dele não seria acrescentado aquele dossiê.

Eu precisava falar com Tomas. Por mais que eu acabasse perdendo o foco e começasse a pensar em todas as caricaturas possíveis para aquele cara.

Relatório entregue, uma enrolada imensa da parte do meu parceiro. Parecia que eu e ele tínhamos até trocado de personalidade por alguns instantes. Enfim, decido ficar mais um pouco pela delegacia, depois que Peter voltou para o hotel.

“Senhor Tomas, me acompanha num café?”

Era um relato extraoficial, não podia nem ao menos fazê-lo como parte de uma ocorrência, dentro de um ambiente como a delegacia ou até mesmo agente para seu superior, mesmo que o delegado seja meu superior por requisição de outra área. Eu não queria que ninguém soubesse de nenhum envolvimento, nem nada que não fosse minha própria preocupação.

Tudo que ele me disse foi o quanto eu era humano. Ele, que era responsável pelo trabalho de investigação de vários homens, e por essa função, como me explicou, estava com o peso das mortes de cada funcionário por cima de sua cabeça. Comecei a ver o tal mestre dos magos de farda um tanto diferente. Ele se parecia um pouco comigo, em personalidade. Pelo menos nesse ponto de vaidade e preocupação.

Uma hora depois, estava no hotel. E meu parceiro não estava lá. A primeira coisa que eu pensei, foi que aquele desgraçado havia se encontrado com a gata do dia anterior. Aquela coisa nem ao menos gostava disso, podia dividir com os mais necessitados... Bom, eu não era bem um necessitado, mas eu acho que ele entendeu quando eu o repreendi, depois que ele apareceu, umas três horas depois de eu chegar e ler todos os detalhes do dossiê novamente. “Qual é, cara, pare um pouco pra pensar... O que Jesus faria?”

Ele riu. Sim, eu era cara de pau a esse ponto. Mas estava pouco me ferrando pra qualquer coisa que fosse politicamente correto. Era do tipo de cara que se eu precisar te mandar tomar no cu eu ia mandar. Fosse você o Obama, o papa ou um Zé qualquer. Eu estava quase mandando ele, ainda mais quando ele disse que havia estado no Golden Soul, nem ao menos apareceu no hotel quando saiu da delegacia. Filho da mãe. O que você foi fazer lá?

“Precisava falar com os funcionários. Na boa, nem lembrava o que havia acontecido comigo ontem, precisava pelo menos entender o que aconteceu, falar com alguém. Pelo menos você conseguiu um diálogo com o tal amigo do Thompson, não foi?”

“Sim. O cara estava mal, mas mesmo. Estava bêbado, completamente bêbado, quase me agrediu. Mas ele não seria capaz de tentar algo comigo, da mesma forma que nunca faria isso com um amigo de infância.”

Um minuto de silêncio. “Como tem tanta certeza?”

“Eu posso seu um filho da puta quando eu quero. Mas eu sei reconhecer quando alguém realmente sente falta de alguém. Ainda mais quando essa pessoa morre na sua frente e não se pode fazer nada pra salvá-la.”

Eu acho que falei demais. Tudo bem. Devia ter ficado calado, agora ele queria saber de todo o meu passado. Inventei uma desculpa qualquer e tentei mudar de assunto.

“Pelo menos descobriu alguma coisa?”

“Nada além do que se encontra no dossiê de cada morte. Sinceramente, não encontro nenhuma relação. Passei nos outros cassinos e subornei alguns funcionários para me contar tudo o que sabia.”

“Peraí, você revelou quem você é, pros funcionários?”

“Não achei nenhuma forma de me aproximar deles. Mas relaxa, foi algo muito, mas muito bem reservado mesmo.”

Ótimo, mais uma preocupação, que descobrissem que nós somos da polícia e nos cacem como caçaram os outros que morreram. Só espero que ele saiba o que está fazendo, eu já não tenho muitas informações para seguir, já que são todas as mesmas, segundo Peter.

“Tem algo mais que eu descobri. Falei com alguns funcionários do Golden Soul, como Samuel. E eles me disseram sobre aquela suposta garota que você disse estar comigo.”

“E o que tem ela?”

O celular começa a tocar. É o do Peter, quer dizer, ele deveria atender como Samuel, pelo jeito. O nome Fortuna Herz brilhava na tela. “É ela.”

Pronto. O cara parecia um colegial nerd quando a garota mais popular da escola dá mole pra ele. Da última vez que eu ajudei um cara assim, por muito pouco aquele vídeo que eu fiz não foi para no YouPorn. Comecei a rir quando me lembrei do moleque depois que eu mostrei o vídeo.

“Sabe seduzir quando precisa, não é?” Disse, rindo.

“Só estou fazendo uma média. Pra não deixar você constrangido.”

“Então vai lá, Bond. Vai que é tua. Depois que ela te der o fora, apresenta ela pra mim.”

E com essa frase, mais colegial ainda do que o “É ela” de Peter e sua cara de quem nunca trepou antes, que ele se levantou e atendeu o telefone. Fiz sinal de quem iria esperar lá fora antes de sairmos para o serviço e o esperei na recepção.

Alguns minutos depois ele desce.

“Irei me encontrar com ela amanhã de noite. Hotel e Cassino Lothur, às sete, na recepção. Sinta-se convidado, mas é bom você nos deixar a sós por um tempo. Vou ver quais tipos de informação eu consigo retirar dela e você procura alguma coisa com os hóspedes.”

“Boa. Deixa o trabalho duro pra mim e vai sair com a gata. E olha que você nem curte.”

Não houve timidez na risada de Peter, quer dizer, a partir de agora, de volta a ser Samuel. “Pelo que eu me lembre, você estava a fim daquela garota do bar do Golden Soul...”

“Eu achei que você não se lembrava... Como soube disso? Você nem estava por perto!”

“Tenho minhas fontes hahaha. Esqueceu que eu fiz meu tour por Vegas hoje? A propósito, ela está te esperando, como você a disse ontem. Vou deixar vocês de boa e vou continuar meu trabalho de mais cedo, ok?”

Luke Tantini
Enviado por Luke Tantini em 29/07/2013
Código do texto: T4410240
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