A Noite Sem Fim
Os ventos rangiam as vidraças espelhadas das grandes lojas, situadas por todo o quarteirão. Cães famintos derrubavam os latões de lixo, e rosnavam feito loucos para aquelas pessoas que se arriscavam
em pôr os pés para fora de suas confortáveis casas. Eu dormia feito
uma criança em meu quarto aquecido, sob a luz de um pequeno abajur. O sono era de pedra, devido ao cansaço exarcebado que habitava o meu corpo. Mas, em poucos instantes, me encontrei assustado bem atrás da porta, em uma dúvida tremenda em abri-la ou não. Sons de copos lançados ao chão e panelas contra a parede quebrava o silêncio nesse exato momento. Minha mente pedia para que eu atravessasse a barreira que me separava das tormentas, mas o meu trêmulo corpo, implorava para que ficasse estático, e não tomasse nenhuma decisão precipitada. Por debaixo da porta, observava luzes em tons cinza escuro e alaranjadas, piscando em uma velocidade fora do comum.
Na televisão em volume altíssimo, ouvia claramente crianças com suas vozes subversivas em tons diabólicos. Em círculos, eu andava desesperado preso a uma ânsia devastadora.
As duas janelas com grades grossas, impediam-me de escapar dessa repulsiva tormenta. Estava encurralado em meu próprio abrigo. Por uma das janelas entre aberta, eu via com um desespero mortal,
corvos negros como as trevas, com seus olhos amarelados. Esses
malditos pássaros, gargalhavam entre si em cima do muro de minha casa, sobre a longa calçada, e alguns enfileirados nos fios de alta tensão. Mas eles não eram os únicos lá embaixo. Diversas crianças com expressões de sofrimento, com seus enormes olhos vermelhos, sobrevoavam bem próximo às janelas, e cuspiam feito loucas em minha direção. Os cachorros já não queriam fuçar as velhas lixeiras. Estavam adentrando o meu quintal com latidos ensurdecedores, e em teus expressivos olhos, eu avistava estarrecido a implacável face da morte.
Fechei as janelas com os trincos, e também as cortinas. Nesse instante, ouvi as batidas violentas nos vidros. As paredes chacoalha-
vam, como se estivessem em meio a furiosos terremotos. Eu gritava por socorro freneticamente, ao mesmo tempo que as luzes se findaram por completo. A porta continuava no mesmo local, esperando que
alguém a abrisse. Não poderia permanecer nesse quarto, esperando algo catastrófico acontecer. Pus a mão na maçaneta, e a outra na chave. Quando comecei a girar, os sons estridentes voltaram de forma colossal, e por isso, hesitei em destranca-la mais uma vez. Dei um largo passo para trás, e corri em direção à cama. Peguei o cobertor, e me cobri dos pés à cabeça. Tremia tanto, que parecia estar em uma crise epilética. Minutos depois, todos os sons extinguiram-se, e uma paz interior tomou conta de minha carente alma. Fiquei surpreso
somente pelas luzes não terem retornado. Mas não importava, pois estava seguro aqui embaixo, e o sono já começava a dar as caras.
Novamente feito uma criança, eu adormeci bem rápido. Acordei bem relaxado, mesmo com o alarme do despertador berrando em meus ouvidos. Com muita disposição, dei um salto da cama, e me desesperei com os ponteiros que já marcavam nove da manhã. Estava a uma hora atrasado para a entrevista de emprego. Lavei o rosto com muita pressa na pia do pequeno banheiro situado no canto do quarto. Vesti a calça de linho, pus qualquer camisa, e comecei a calçar o par de tênis. Quando estava pondo as meias, parei por um instante, e estranhei o silêncio que se fazia. Afinal de contas, já era nove e quinze. Nesse horário, o barulho do trânsito costuma ser enlouquecedor. As buzinas não param um segundo. Por que diabos não se ouvia nada?
Caminhei até à porta, mas a chave não queria rodar. Tentei muitas vezes, até que por fim partiu-se em duas. Pensei em gritar por alguém, para que chamassem algum chaveiro urgentemente. Fui até uma das janelas, puxei a cortina e destranquei-a. Tamanho foi o meu espanto, quando olhei para o céu escuro com suas nuvens dispersas ao redor
dos imensos pinheiros. A noite amaldiçoada continuava a me perseguir.
Olhei para baixo, e vi as mesmas criaturas, imersas agora a um fraco nevoeiro. Desesperado, tentei arrombar a maldita porta,
mas não era forte o suficiente para tal proeza. Depois de muitas tentativas, caí exausto ao chão gelado. Logo depois a porta milagrosamente se abriu, e eu me levantei de imediato em direção à minha única esperança. Ao passar entusiasmado por ela, percebi a ausência do assoalho, e comecei a cair em uma desoladora
escuridão. Ouvi novamente os sons diabólicos vindos de todas as partes. Gritei com todas as minhas forças. Mas a minha voz foi calada eternamente por forças desconhecidas pelo homem.
http://alexmenegueli.blogspot.com.br/ 13/02/2013