VULTOS NOTURNOS

 
         O fim da tarde era bem agradável naquele dia, tinha chovido e o calor intenso do sertão tinha dado lugar a uma leve brisa e provavelmente iria aparecer uma ligeira neblina ao anoitecer.
         Eu estava brincando com Sara e Miguel, meus colegas de escola e vizinho de nossa pequena fazenda, nem percebi que a noite já dava seus sinais no cume da serra. Sua sombra gigantesca começava a cobrir todo vale ainda meio seco do sertão.
         Minha mãe que deixava sua conversa em dia com Dona Josefa mãe de Sara e Miguel, fato que era corriqueiro quando se encontravam, não percebia que a noite se aproximava com ligeireza. Eu aproveitava da situação e continuava a brincar, pois não era todo dia que podíamos brincar pela dureza dos afazeres com estudos e cuidar de cabras e ovelhas no nosso dia a dia de crianças amadurecidas com carbureto das ocasiões.
          A noite chegou rápido, mas Dona Josefa convenceu minha mãe a tomar um cafezinho antes de ir embora. Aproveitei e continuei brincando só não sabia que o cafezinho iria demorar, pois as fofocas pareciam que não acabava.
         Ainda brincando alumiado por a luz de um velho candeeiro meio amassado que ficava na área perto do terreiro, pressenti que aquela noite não seria normal como às outras naquele sertão. Logo sai de perto de meus amigos e fui procurar minha mãe para alertá-la da hora que era e que passava rápido sem que ela percebesse.
          Minha mãe deu um pulo assustada quando percebeu a hora que era, passava de oito horas da noite e naquela região em uma noite nublada a escuridão era muito mais intensa e o caminho ficava mais carregado.
     - Amiga Josefa como não percebeu a hora? Como já é tarde. – Diz minha mãe assustada.
     - Não fique preocupada Maria, eu e os meninos vamos te acompanhar até a metade do caminho. – Diz Dona Josefa tentando tranquilizar minha mãe.
     - Amiga, é que eu tenho muito medo lá da baixada, todo mundo diz que aparece alma, vê coisas, e ainda tem aquele pé de juazeiro que nunca seca e sua sombra é de assustar. – Diz minha mãe com medo em seus olhos.
     - É amiga, também já ouvi muitas estórias sobre a baixada e o pé de juazeiro. Muitos já viram a sombra de um homem todo de preto bem debaixo do pé de juazeiro, dizem que é uma alma penada que fica assombrando todo mundo. – Diz Dona Josefa concordando com os ditos populares da região.
     - Será que hoje vai aparecer alguma coisa, estou com muito medo. - Diz minha mãe já toda assustada.
          Nesse instante estávamos todos dentro de casa quando ouvimos um barulho estranho vinda da pequena estrada que passava em frente. Já estávamos com medo e ainda ouvindo um grande barulho estranho que vinha do caminho que tínhamos que andar a noite, isto realmente deixou todo mundo em pânico.
          Dona Josefa pegou o candeeiro e foi até a janela para observar através de uma fresta de onde vinha e o que era aquele barulho assustador. Após olhar com precisão aliviou a aflição de todo mundo.
     - É apenas um carro velho vindo bem devagar, parece que tá quebrado, acho que vai parar em frente de casa. – Diz Dona Josefa já esboçando um sorriso para nos animar.
     - Então vamos vê quem é, pode ser alguém que precisa de ajuda. – Diz minha mãe indo abrir a porta.
          Saímos e fomos para a área enquanto um carro velho vinha na escuridão tentando chegar ao terreiro de Dona Josefa. Minha mãe segura um candeeiro e Dona Josefa outro que dava para alumiar quase todo terreiro. O carro chegava devagar dentro da escuridão sem levantar poeira no sertão, pois tinha chovido de dia.
        O carro fazendo barulho de quebrado se arrastando devagarinho por fim chega ao terreiro e Dona Josefa logo reconhece.
     - É o jipe do João, ele anda por todo canto aqui no sertão, deve ter acontecido alguma coisa com o carro. - Diz Dona Josefa indo em direção do velho jipe que acabava de parar em seu terreiro.
     - Boa noite Dona Josefa, meu velho jipe acabou de dar no prego, poço ficar um pouco aqui no seu terreiro enquanto tento arrumar. – Diz João do jipe meio ofegante.
     - Claro seu João fique a vontade. – Diz Dona Josefa.
          Enquanto João do jipe abria à porta do lado do motorista a outra porta também se abria aparecendo um homem com roupas pretas e um chapéu também escuro. A noite escura não deixava que o homem ficasse nítido e suas roupas ainda ajudava. João do jipe percebendo os olhares de espanto foi logo explicando:
     - Não se assustem este é Pedro Beato para quem agora trabalho percorrendo o sertão com meu jipe. – Diz João do jipe explicando enquanto Pedro Beato se conduzia para a varanda onde estávamos.
     - É um Padre, que bom, esta região precisa muito, pois aqui os comentários de assombrações nesta época é muito grande, quem sabe ele pode levar um pouco de sossego para nosso povo. – Diz minha mãe fazendo o sinal da cruz.
     - É mesmo Maria, estamos precisando de muita oração. – Diz Dona Josefa também fazendo o sinal da cruz.
         Eu observo aquele homem todo de preto com um chapéu na mão vindo em nossa direção enquanto outra pessoa começa a sair do jipe pela a mesmo porta que o Padre saiu. Agora uma mulher de cabelos longos e negros como a escuridão também aparece e João do jipe também apresenta.
     - Esta é Senhorita Ana Gomes, repórter, também trabalho para ela. – Diz João do Jipe apresentando a repórter.
     - Boa noite a todos e aproveito para convidá-los para tomar um café, acabei de passar, ainda tá fresquinho. – Diz Dona Josefa convidando a entrarem em casa.
          Pronto agora minha mãe ia demorar muito mais, com a chegada do Padre e da repórter o papo ia durar a noite toda. E mais incrível é que as duas tinham se esquecido do caminho que tinham que percorrer e o medo que tinham me metido com as estórias de assombração na baixada.
         Depois de muito papo e muitas xícaras de café minha mãe lembrou que tinha que ir embora e agora que a coisa ia ficar feia, pois estava perto da meia noite. Quando minha mãe falou que iria embora e tinha que enfrentar o caminho escuro Pedro Beato logo se prontificou em acompanhar até nossa casa. Dona Josefa fez comentários sobre os acontecimentos que o povo andava falando sobre as visões na baixada em noite muita escura como esta de hoje. A repórter Ana Gomes também se voluntariou a ir também com insistência.
         Então ficou decidido, enquanto João tentava consertar o jipe, Dona Josefa lhe fazia companhia, Pedro Beato e a repórter Ana Gomes nos escoltavam até nossa casa. No inicio de nossa caminhada comecei a observar Pedro Beato e percebi que ele não era um Padre de verdade. Com um olhar meio sério ele logo me correspondeu, mas também percebeu algo mais em mim que nunca alguém tinha percebido. Logo veio para perto de mim e pegou em minha mão, senti uma força estranha, mas não era perigosa, então continuei a caminhar ao seu lado como se fôssemos velhos conhecidos.
     - Dona Maria a senhora já percebeu alguma coisa estranha com seu filho? – Diz Pedro Beato cortando um momento de silêncio na noite escura.
     - Não seu Padre!  Nunca percebi, mas com tanto afazeres nesse sertão pobre a gente nem percebe o que acontece com nossos filhos, só quanto estão doentes. – Responde minha mãe.
     - O que você descobriu Pedro, será o mesmo que eu estou pensando. – Diz Ana Gomes deixando minha mãe preocupada.
     - Acho que seu filho é Índigo Dona Maria, percebi logo que olhei para ele. – Diz Pedro Beato deixando minha mãe perplexa de medo.
     - O que é isso seu Padre, isto é uma doença, é grave. – Diz ainda mais nervosa minha mãe.
     - Não é uma doença Dona Maria, é apenas um dom, seu filho tem alguma dádiva de vê coisas que nós não podemos ver. – Diz Pedro Beato olhando para mim enquanto esboço um sorriso.
     - Você acha que é possível Pedro, como podemos ter certeza. – Diz Ana Gomes com insistência.
     - Tenho certeza, logo que peguei em sua mão percebi que sua energia é muito forte e ele sabe que eu percebi isso. – Diz Pedro Beato convicto de sua descoberta.
     - Vocês estão me assustando, o que estão dizendo, podem me explicar? – Diz minha mãe aflita.
     - Não é nada de mais Dona Maria, seu filho é uma criança especial, ela consegue ver espectros e consegue conversar com eles, eu estou tentando estudar estes fenômenos paranormais que ocorrem aqui no sertão, desde então larguei a Igreja para vagar por estas regiões a procura de saber onde ocorrem estes fenômenos. – Tenta explicar Pedro Beato sua história.
     - Então Pedro você acha que lá na baixada escura ele vai entrar em contato com algum espectro. – Diz Ana Gomes tentando entender o que Pedro Beato pretende.
     - Com certeza Ana, isto vai acontecer esta noite e podemos observar com precisão. – Diz Pedro Beato bem sério.
     - Não vai acontecer nada com meu filho Padre, agora estou com muito medo, isto é coisa do demónio, cruz credo. – Diz minha mãe fazendo o sinal da cruz.
     - Fique tranquila Dona Maria, lá é o lugar que ele deve se sentir bem e rodeado de amigos, será que a senhora nunca percebeu se ele já fugiu a noite para estas bandas? – Diz Pedro Beato com um jeito meio irônico.
     - Já desconfiei, mas nunca certifiquei, pois acho que ele não teria esta coragem. – Diz Dona Maria com ressalva.
     - A senhora já perguntou para ele, quer fazer isto agora? – Diz Pedro Beato querendo tirar um prova do que estava falando.
     - Quero, e vou fazer agora! – Diz minha mãe me olhando com seriedade, aquele olhar que vai gerar uma surra se eu não falar o que ela que ouvir.
     - A senhora pode deixar para outra hora, por que estamos chegando à baixada e ela além de escura a neblina estar encobrindo tudo. – Alerta Ana Gomes apontando para a baixada já bem próxima.
     - E agora o que vamos fazer? – Diz minha mãe com olhar arregalado e aflita.
     - Não vamos fazer nada Dona Maria, vamos deixar que ele vá quando for chamado e ficamos aqui apenas observando. – Diz Pedro Beato atento aos acontecimentos a partir daquele momento.
          Quando chegamos bem perto da baixada Pedro Beato sente quando vou largando de sua mão bem sorrateiramente e começo a correr para debaixo do juazeiro bem encorpado e escuro. De debaixo do juazeiro vejo que os três ficaram para trás.
          Percebi que a intenção do Padre era que pudesse brincar com meus amigos ali naquela noite como em tantas outras que vinha sem minha mãe saber. Meus amigos foram chegando e eu fui deixando a conversa em dia, fui falando do meu novo amigo que observava de longe junto com minha mãe e uma repórter.
          Após um olhar feliz percebi que os três estavam me observando com precisão como alguém que olha crianças brincando em um parque ou escola e que ficam com cuidado para que elas não se machuquem.
         Pedro Beato conseguia identificar aspectos de alguns dos meus amigos, mas não tinha precisão. Ana Gomes se esforçava, mas nada via. Minha mãe só chorava bem baixinho como se eu estivesse em um lugar terrível. A sombra humana negra mais nítida que sempre aparecia, que alguns já tinham visto outras vezes debaixo do pé de juazeiro apareceu e me falou de coisas que iria mudar o mundo e que aquele Padre poderia provar faturamento coisas sobrenaturais que ia deixar muita gente em dúvida sobre a vida e a morte.
         Esta noite realmente foi diferente de outras quando estive ali na baixada. Ouvi que a repórter Ana Gomes começou a falar que estava vendo vultos, enquanto minha mãe tentava saber onde e em que direção deveria olhar. Pedro Beato se aproximou e de frente ao espectro mais denso ficou parado trocando olhares como se compartilhassem o mesmo pensamento. Os vultos noturnos começaram a voar e dançarem no ar ante a escuridão e a neblina que encobria toda baixada deixando-nos sós após desaparecem um a um.
         Pedro Beato presenciou com Ana Gomes mais um fenômeno sobrenatural, mas não tinha como provar, apenas suas palavras não bastava, minha mãe alegou que nada viu e eu era apenas uma criança, não acreditavam por mais que tentasse explicar naquele sertão de aparições e mentiras.
Léo Pajeú Léo Bargom Leonires
Enviado por Léo Pajeú Léo Bargom Leonires em 23/01/2013
Reeditado em 01/06/2013
Código do texto: T4099535
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