A BENZEDEIRA


 
          A seca no sertão é duradoura, famílias muito pobres fazem mudanças constantes neste período para fugir da seca e da fome que persegue o nordestino sem trégua. O sol do final da tarde encardia o horizonte na estrada estreita que passava pela grande braúna. José e Maria seguiam com seus cinco filhos a estrada estreita carregando o pouco que tinha e que restava em cima de um jumento que ainda apoiava a todos como se fosse à única base de sustentação daquela família de pobres coitados. A viagem do dia tinha trazido alguns lamentos de seus filhos que reclamavam pelo caminho de dores e agonias, talvez algum quebranto, espinhela caída, mau olhado, falta de comida, água ou algo pior que sempre acontece quando se carrega pensamentos ruins e falta de sorte, causos comuns na crença nordestina.
         Após a curva da baixada José avistou a braúna ainda muito verde para aquele período da seca que devastava o sertão. Ao se aproximar José viu que havia mais viajantes debaixo da braúna, isto lhe trouxe um pouco de alivio, talvez ali alguém pudesse lhe arrumar alguma comida e água para tentar melhorar o ânimo de seus filhos e conter um pouco a fúria da fome.
        Seu Antônio que liderava o grupo lhe recebeu com um sorriso enquanto ajeitava os filhos de José e Maria em volta do tronco da grande braúna. Os poucos objetos que carregava foi tirado do lombo do jumento para também lhe dar descanso. José sem muita cerimônia foi logo procurando uma solução para os problemas de seus filhos.
     - Seu Antônio meus filhos estão doentes, agora já no final da tarde começaram a reclamar muito, pobres coitados, não aguentava mais seus lamentos durante o caminho. – Disse José explicando o que ocorreu.
     - Eu não posso lhe ajudar Seu José, mas acho que alguém pode tentar. – Diz Seu Antônio com um sorriso tímido.
     - Então me leve a esta pessoa, não quero perder um filho aqui nesta seca medonha. – Diz José com ar de alívio.
     - Vamos procurar Seu Luiz na casa grande, ali o povo é bom e será difícil a gente não conseguir ajuda. – Diz Seu Antônio confiante.
         José e seu Antônio chegam à porteira que dar acesso a casa grande, confiantes batem palmas, um dos cachorros veio latindo andando em zigue-zague e abanando o rabo como se já conhecesse os viajantes. Demorou um pouco até que Seu Luiz apareceu.
     - Pois não Seu Antônio, o que estar acontecendo? – Perguntou Seu Luiz.
     - Desculpe lhe incomodar Seu Luiz, mas é que os filhos do Seu José estão passando mal e ele precisa de ajuda, será que o Senhor não pode ajudar. – Diz Seu Antônio esperançoso.
     - Se for comida e água vou pedir a minha esposa que lhe sirva, mas se for doença aqui nesta região não temos médicos, a medicina aqui é igual água, aparece poucas vezes, mais frequente na época da política. – Diz Se Luiz com um tom de desagravo em razão da assistência dada ao povo nordestino.
     - Pois é justamente isso Seu Luiz, acho que ficaram doentes durante nossa viajem, fui mandado embora da fazenda que trabalhava, sem pagamento, sem comida, só restava um pouco de farinha, peixe e carne seca e foi com isso que viemos para a estrada tentar sobreviver. – Explica José sua labuta por sobrevivência.
     - Olha eu não seu os que seus filhos tem, mas a única forma de cura que temos nesta região é a nossa benzedeira, Dona Ana que pode  lhe atender e tentar curar seus filhos. – Disse Seu Luiz.
     - Sei não Seu Luiz, minha mulher é dessas religiosas de outra religião e eles não acreditam nessas coisas, acho que ela não vai me deixar levar os meninos para esta benzedeira. – Diz José meio desolado.
     - É a única solução, minha esposa vai servir comidas para vocês e depois que descansarem me diga se vai levar que vou preparar o carro de boi para levar seus filhos até a benzedeira. – Diz Seu Luiz oferecendo ajuda.
         José e seu Antônio voltaram até a braúna com olhares e jeitos desconfiados. Maria em pé diante de seus filhos foi logo perguntando:
     - José você arrumou ajuda, alguém vai vê o que estar acontecendo com nossos filhos. – Diz Maria com esperança.
     - Não Maria, Seu Luiz disse que aqui nesta região não tem médico, a única solução que ele me disse é procurar Dona Ana, a benzedeira. – Disse José já prevendo o discurso de sua mulher em protesto ao que foi falado.
     - Você ficou louco, onde já viu uma curandeira curar nossos filhos, isto é coisa do diabo, o pastor disse para não acreditar nessas coisas, essas pessoas carregam coisa ruim e fazem rituais macabros. – Disse Maria irritada com a conversa do marido.
     - Maria fique calma, Seu Luiz falou que não é nada disso, esta benzedeira pode ajudar nossos filhos. – Diz José tentando convencer sua mulher.
     - Isto mesmo Maria, eu mesmo já fui lá e ela curou uma dor no peito que tive. – Disse Seu Antônio ajudando a convencer Maria.
     - Se você quiser levar é responsabilidade sua, mas eu não vou a casa dessa bruxa, isso é coisa ruim o pastor me falou. – Diz Maria jogando a responsabilidade para José.
     - Pois eu vou levar, não vou deixar meus filhos morrerem a míngua. – Diz José convicto de sua decisão.
     - Eu vou lhe ajudar José, vá ajeitando os meninos que vou avisar a Seu Luiz para encangar os bois. – Diz Seu Antônio caminhando em direção à cancela que dar a casa grande.
         Passou-se pouco tempo quando chegaram seu Luiz e Seu Antônio no carro de boi. Os meninos foram colocados deitados um ao lado do outro no carro de boi. Coitados pareciam tão debilitados que nem falavam. Maria com cara de reprovação apenas olhou os filhos sendo levados no carro de boi, parecia reprovar aquela atitude e permanecia fria, sem qualquer atitude.
         O crepúsculo já se adiantava o céu já revela a estrela d’alva. O barulho das rodas do carro de boi chamou atenção de Dona Ana que foi logo falando para sua filha mais nova:
     - Filha vai lá ao terreiro e pega uns galhos de peão-roxo e vassourinha que vem encomenda das grandes por ai, olha o som estridente das rodas do carro de boi invadindo a caatinga cheio de lamentos. – Diz Dona Ana prevendo o que estava acontecendo.
     - Estou indo mãe, já volto. – Disse a filha indo depressa em direção ao terreiro.
         O carro de boi chega ao terreiro de Dona Ana, como se já esperasse aguarda na varanda perto do fogão de lenha que cozinha um xerém lentamente. Seu Antônio e José vão logo pegando os meninos e levando para a varanda onde Dona Ana se encontra. Seu Luiz grande amigo de Dona Ana a cumprimenta e vai explicando o que ocorre.
     - Dona Ana estes viajantes pararam lá na grande braúna e seus filhos estão muitos doentes, a única solução era trazer para a senhora. – Diz Seu Luiz com calma e pensativo.
     - Quando ouvi o grito do carro de boi já esperava não se preocupe seu Luiz vou fazer o que puder. – Diz Dona Ana com olhar tensa e preocupada.
         Os meninos foram colocados um a um diante de Dona Ana que foi escolhendo de acordo com a enfermidade.
     - Traga aquele ali. – Diz Dona Ana apontando para o mais novo.
         Com um galho de peão-roxo na mão esquerda, um teço na outra, fazendo um sinal da cruz na testa da criança Dona Ana fala “Deus é pai de Jesus / Jesus é pai do divino Espírito Santo/ com o poder de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito/ afasta todos os males dessa criança/ Amém”. A reza continua enquanto o galho de peão-roxo vai passeando em todo corpo da criança. Diante dos olhares dos presentes expurga as enfermidades a criança que se reanima e abraça Dona Ana como se tivesse agradecendo.
     - Este estava com quebranto. – Diz Dona Ana fazendo gesto para que trouxesse outro.
         Assim usando de sua sabedoria Dona Ana faz sua reza e com o galho de peão-roxa e o sinal da cruz realiza suas curas diante do olhar de José que fica espantado com o resultado.
         As três crianças mais novas se reabilitam como num toque de mágica, mas a filha mais velha e seu irmão que veio logo depois permanecem deitados, Dona Ana demora a começar a reza preocupando José que logo pergunta:
     - O que foi Dona Ana? O que aconteceu com meus filhos mais velhos, tem alguma enfermidade que não tem cura. – Fala José preocupado.
     - Seu filho vai se recuperar hoje, mas sua filha vai ter que ficar aqui, ela carrega um mau ruim que toma sua alma e tenho que benzer a noite inteira. – Diz Dona Ana preocupada.
     - Ela tem cura, minha filha vai ficar bem? – Diz José preocupado.
     - Vai, agora traga seu filho e coloque seus pés nesta cinza morna, vou curar suas ínguas, enfermidades e dores do corpo. – Diz Dona Ana com uma faca na mão.
         José e Seu Antônio seguram o jovem colocando seus pés na cinza. Dona Ana com a ponta da faca risca e circula em volta de seus pés e em seguida joga um punhado de cinza em seu corpo o fazendo voltar a respirar sadio e a andar sem reclamar das dores que sentiu o dia todo. José ainda preocupado com a filha pergunta:
     - E minha filha o que vai acontecer? – Diz dessolado.
     - O caso dela não é quebranto, mau-olhado, espinhela caída, é coisa mais séria tenho que me concentrar e benzer toda noite, se o senhor concordar ela vai ficar aqui até amanhã. – Diz Dona Ana com propriedade no assunto.
         José voltou para debaixo da braúna apenas com seus quatro filhos, ficando para trás sua filha mais velha em confiança de Dona Ana. Sua preocupação era grande, mas Seu Luiz e Seu Antônio tentavam lhe consolar para que confiasse em Dona Ana, que ela sabia o que fazia.
          O Carro de boi ao chegar a grande braúna em frente à casa grande apenas com os quatro filhos, Maria ao observar que faltava sua filha mais velha caiu em desespero indo de imediato saber o que aconteceu.
     - José cadê nossa filha? O que aconteceu? Porque ela não veio? – Pergunta Maria com jeito desesperada.
     - Não se preocupe Maria, nossa filha ficou com a benzedeira, ela garantiu que amanhã vai está melhor, por que o problema dela é mais grave, mas tem cura, garantiu Dona Ana. – Diz José tentando consolar sua esposa.
     - José eu não acredito que você deixou nossa filha com aquela bruxa, eu vou lá agora tirar ela das mãos daquela endiabrada. – Diz Maria com raiva.
     - Dona Maira fique calma, Dona Ana é muito respeitada aqui em nossa região, suas curas são reconhecidas por todos e ela não vai fazer mau a sua filha, pode ficar tranquila. – Diz Seu Luiz tentando convencer Maria a não ir buscar sua filha.
     - Não quero nem saber, esta bruxa não vai fazer mau a minha filha, vou busca-la agora. – Diz Maria seguindo o caminho para a casa da benzedeira, falando palavras chulas e reclamando da vida.
         Após andar por algum tempo Maria chega à frente da casa de Dona Ana. Para sua surpresa a benzedeira lhe espera no terreiro como se soubesse de sua vinda. Maria se recompõe de sua caminhada rápida e começa a observar Dona Ana que parece lhe chamar ao vê-la. Dona Ana percebe sua aflição e lhe acalma explicando o que ocorre com sua filha.
     - Dona Maira sua filha carrega algum malfazejo que lhe foi colocado por alguém que a quer muito, mas por não ter conseguido o que queria lhe colocou um mau espírito. Você sabe quando elas vão ficando moçoilas vão chamando atenção e alguém com intenções de possuí-la talvez não tenha conseguido e por isto lhe colocou um espírito mau para que ninguém mais a tenha. – Começa a explicar o ocorrido Dona Ana.
     - Isto não possível, minha filha só anda comigo desde criancinha, o único lugar que ela vai sozinha e para nossa igreja, lá é recebida pelo nosso pastor que é solteiro, mas ela nunca reclamou de nada. – Diz Maria explicando sua história.
     - Não estou acusando ninguém, apenas alguma pessoa que a deseja muito não quer que ela se envolva só isso. – Disse Dona Ana. - Dona Maria sabe que também existem além de religiões sérias muitas seitas que se aproveitam da falta de conhecimento e abusa do sofrimento alheio, cabe à senhora dizer o que ocorria lá em sua igreja, pois para tirar esta coisa ruim de sua filha eu preciso de informações que possa lutar contra este malfazejo que lhe foi colocado. – Completa a informação Dona Ana com seriedade.
     - Se é para salvar minha filha vou fazer o que a senhora me pedir, eu já desconfiava daquele pastor, pois sua igreja era frequentada por poucas pessoas, a maioria eram seus familiares e aqueles rituais que fazia nas seções noturnas não pareciam com nenhuma reza ou oração e ainda colocava a seu lado minha filha, eu nunca desconfiei de nada, parecia que estávamos enfeitiçadas. – Conta Dona Maria o que ocorria em sua igreja.
     - É isto que eu previa, com a saída de vocês da região o plano dele não deu certo e para isto invocou um espírito ruim em sua filha para que ela não fosse de mais ninguém.
- Diz Dona Ana.
     - Por esta razão assim que saímos de lá minha filha foi a primeira a ficar doente, começou a andar com se tivesse demente e acabou por contaminar as outras crianças, até eu já estava confusa, sentia mal estar, mas não sabia por quê. – Diz Dona Maria já convencida do ocorrido.
     - A senhora tem que ser forte, pois vai ter que me ajudar na reza por toda noite para que possa tirar este espírito ruim que foi colocado em sua filha. – Diz Dona Ana chamando Dona Maira para a missão.
         Por toda noite Dona Ana e Maria rezaram para combater o mau espírito da jovem que se estremecia, falava em voz alta tentando se levantar querendo fugir, sendo contida em seu lugar a força para poder receber as rezas e espantar de seu corpo a coisa ruim que lhe tinham colocado. A noite foi longa mais as duas não arredaram o pé até expulsar o mau que tomava o corpo da jovem, suas energias acabaram e sono tomou conta, quando acordaram foram recebida pela jovem que já tinha aprontado o café e lhe serviam com um sorriso no rosto como se nada tivesse acontecido. Pela manhã Maria e sua filha já curada chegaram a grande braúna prontas para uma nova caminhada pelo sertão desajeitado pelo tempo e abandonado por políticos e coronéis.
 
Léo Pajeú Bargom Leonires
Enviado por Léo Pajeú Bargom Leonires em 03/10/2012
Código do texto: T3913642
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