Scarlet

Em uma noite atípica, clima de calor intenso, agitação na mansão. Andamos como dois lunáticos, procurando o criminoso que nos angustia. Sabemos que está no mesmo local que nós, mas a pergunta é onde, ou seja, em que cômodo? Cada porta pode conter atrás de si a imagem daquele inimigo desconhecido e ao mesmo tempo familiar por habitar o mesmo espaço.

Por um momento, nos separamos no longo corredor. Escuto um grito, correndo para me proteger um dos quartos, apenas vejo Stan apontando a figura feminina enlouquecida, que diante de uma escolha, resolveu investir contra meu fiel amigo. Pela fresta da porta, pude ver a luta que travaram, o disparo da arma de fogo que feriu o peito de meu camarada. Meu grito a fez voltar-se com olhos de fúria. Apesar de paralisado diante do terror da cena, pude mover os membros a ponto de trancar a porta que me separava da assassina.

Dentro eu maquinava uma maneira de fugir, sabendo que ela me perseguiria. Precisava dar um fim aquela criatura maligna. Abraçado ao peito, um revólver. Claro. Ele seria minha forma de proteção, aguardando calmamente a oportunidade para atingir o alvo. Ela era perita em mortes, assassinara Stan a sangue frio, a probabilidade de eu sucumbir era muito maior, mas não havia outra saída.

Agora o silêncio imperava. Colo o ouvido junto a porta, tendo captar o mínimo ruído. De repente, uma onda de sons invade o ambiente, não se ela pretende uma forma de invadir esse quarto. Vou até a janela com vidraças imensas, observando o lado de fora. O quarto era voltado para uma imensa varanda, observo que posso tentar escapar por aquele caminho, até ela arrombar a porta, já estarei longe.

Eis que surge enfurecida na varanda, agora com um longo vestido dourado, indo em direção a vidraça, portando uma cadeira que provavelmente fará estilhaçar os vidros. Fecho as cortinas espessas, as duas camadas de tecido. O vulto surge em direção a janela. Miro o revólver e atiro, uma, duas vezes, três, o tambor gira e nem uma cápsula deflagrada. Uma arma descarregada que eu não havia percebido em meio ao desespero. Sou uma vítima que estando acuada, mal consegue raciocinar diante do perigo.

O barulho do vidro espatifado me faz recuar, mas antes de alcançar a porta, surge Scarlet. Vestida de forma divina, o decote ressaltando seu busto esbelto, o tecido dourado iluminava diante do lustre, os cabelos loiros aumentavam o impacto estético, praticamente uma filha de Apolo. Aproximando-se feito uma leoa cercando sua presa. Em meio ao confronto direto, soltei a arma, aproximando-me com os olhos cravados naquele olhar doentio, que agora parecia tão doce.

Antes que pudéssemos dizer uma palavra, a beijei. O toque dos lábios foi macio, ao mesmo tempo intenso, pois fez com que o ar fugisse dos pulmões. Odiava e agora pareço amar essa criatura que me seduz. Olhos fechados e um abraço apertado, fazendo com que nossos corpos se unissem em um ballet romântico. O perfume adocicado me invadia o olfato, tornando meu cérebro inebriado.

Outra voz surge do outro lado da porta.

— Já liquidou a última vítima?

— De quem é essa voz? — Pergunto com ar austero.

— Não importa! Agora, não desejo me envolver mais com mulheres. Descobri o

quanto pode ser maravilhoso, este prazer de estar nos braços de um homem.

A segunda voz, excluindo-me como terceira pessoa, parece ir se apagando, até desaparecer por completo. Não sei mais se foi essa outra quem assassinou Stan. Mas se foi essa que beijei, talvez amanhã me mate ou eu a liquide. Ainda assim, existe essa outra figura misteriosa a espreita, que pode acabar com nós dois. A dúvida pra mim é o pior dos tormentos, o crime mutila, mas a dúvida corrói o espírito.