DESCONHECIDOS - 93
DESCONHECIDOS – 93
Rangel Alves da Costa*
Quando Carlinhos e Yula chegaram pelos fundos correndo e entraram pela porta da choupana sem qualquer anúncio, assustados, cansados, vermelhos de nervosismo e de aflição, as duas mocinhas se espantaram de tal modo no local onde estavam que Carol derrubou uma xícara que levava à boca.
Com o dedo nos lábios indicando que permanecessem em silêncio, em seguida o menino foi dizendo baixinho que ficassem calmas, com muita calma. E gesticulou chamando-as para o lado de fora, numa espécie de quintal sem cercado algum.
Explicou quem havia desembarcado defronte e estavam lá fora prestes a colocar algum plano diabólico em ação. Ora, disse que se estavam ali àquela hora da manhã certamente não seria para fazer uma visita de cortesia. Coisa boa não seria, com certeza. Então perguntou a Soniele o que pensava em fazer.
Esta disse que simplesmente iria abrir a porta e saber se eles estavam realmente ali à sua procura. Se isso se confirmasse teria que saber do que se tratava, pois havia evitado o máximo reencontrá-los novamente e eles sabiam muito bem os motivos. Não tinha nada a ver com a morte de Gegeu, mas pela injustiça que fizeram com ele, que tanto sofreu e morreu sem conhecer a verdade. Se conhecesse a verdade não faria a besteira que fez e talvez hoje estivesse vivo e fosse um homem muito feliz ao lado da mulher que amava.
E nesse momento, ainda que com muita pressa, Carlinhos disse: “Mas a mulher que ele amava era você e pelo jeito ainda ama, ao menos pelo que sei. Então, tem outras coisas por trás dessa história Soniele?”. E esta respondeu: “Tem, tem muita coisa por trás dessa história, mas era sobre isso e outras coisas que eu ia contar pra você hoje. Ainda vou contar sim, vou contar tudo, mas antes me deixe ir até lá saber se eles ainda estão aí em frente e querem alguma coisa comigo...”.
“Mas isso é muito perigoso, Soniele, eles vieram acompanhados de outra pessoa que deve ser o executor de suas ordens. Você não pode sair porta afora assim, desprotegida e para enfrentar pessoas que não sabe quais são suas intenções. Boas intenções você sabe que jamais seriam...”, disse o menino, segurando no braço da amiga.
“Mas eles não podem fazer nada comigo. Ao menos ele, o coronel não pode fazer nada comigo...”. Carlinhos se danava todo com essas palavras que sempre puxavam outras. “Mas por que ele, principalmente, ele, esse velho maldito, não pode fazer nada contra você?...”.
“Porque esse coronel maldito...”. E as palavras foram cortadas por um chamado estrondoso na porta, um baque medonho e violento. Imediatamente Carlinhos disse que corressem pelos fundos, subindo uns montes mais adiante e se escondendo por lá.
Soniele quis rejeitar a ideia, porém não teve nem tempo de dizer qualquer coisa, pois Yula puxou com força nos braças das duas e saiu correndo, cortando o mato rasteiro adiante, subindo em montes de areia, buscando refúgio. As mocinhas não tiveram opção, seguiram tropeçando assustadas.
Outro baque na porta e ainda mais violento. E uma voz medonha se fez ouvir: “Ou abre essa porta ou vou botá-la abaixo agora mesmo”. Carlinhos já estava na salinha da frente do casebre, porém já seguro de que não abriria a porta de jeito nenhum, deixando que arrombassem, se quisessem.
Abrir a porta seria muito perigoso, pois se fossem fazer qualquer mal repentino a Soniele isto seria feito no momento que ela mostrasse seu rosto. Deixando que derrubassem, seja lá o que pensassem em fazer, não seria praticado assim tão repentinamente, exigindo primeiro entrar para depois cometer a maldade ou qualquer outro ato insano.
E um tremendo baque derrubou a porta pra dentro e quase arruína o casebre inteiro. Tudo balançou, quase tudo desmorona. E o agressor, raivoso e mal-encarado, tomou todo o espaço da porta com o seu tamanho. Encaminhou-se pra dentro chutando restos e deu um grito para ser ouvido pelos que estavam do lado de fora: “Chegue aqui coronel!”.
E de onde estava, já se encaminhando para entrada, o coronel deu outro grito: “Faça logo o que Sofie mandou fazer”. E o homem retrucou: “Mas coronel, é pra pegar qualquer um?”. Nervoso, já colocando o pé na porta, respondeu: “Como qualquer um? Pegue quem tiver aí dentro que Sofie precisa tirar uma dúvida e depois você faz o resto...”.
“Mas é só um menino, coronel”, disse o homem, um tanto contrariado. “Como um menino? Aí não pode ter menino nenhum, mas duas meninas, duas mocinhas e uma que me interessa...”. E lançou, totalmente surpreso, o olhar raivoso bem em cima de Carlinhos, que estava ali em pé, resoluto, firme, ao lado da banquinha do porta-retrato, esperando apenas o desenrolar dos acontecimentos.
O coronel não podia acreditar no que via, no que estava acontecendo. A fúria em pessoa, disse enquanto se dirigia para o menino: “Onde ela está, onde está a maldita da Soniele? Ela não pode estar em outro lugar senão aqui. Onde ela está? Diga...”. O silêncio de Carlinhos o deixava ainda mais raivoso, mais enfurecido, mais colérico. E em seguida ordenou ao capanga que fosse procurar pela casa inteira e no quintal.
Diante do menino, com os olhos crispados de raiva, foi despejando sua ira: “Você não deveria estar lá com aquela velha coroca imprestável? O que faz aqui onde não é chamado, conhece ela por acaso, são amigos, já fizeram amizade, ou veio roubar, diga? Roubar o que aqui, essa esteira, essa moringa, esse retrato?...”.
Falou no retrato e procurou enxergá-lo melhor, pois reconhecia ali algo muito estranho. Na última vez que esteve ali, lembrava muito bem, tinha visto o retrato de uma velha senhora, uma fotografia já amarelada pelo tempo. Mas agora via outro retrato e de um jovem que outro não era senão o seu filho Gegeu.
Segurou o retrato e levantou até os olhos. Aproveitando o momento Carlinhos perguntou: “Conhece o grande amor de Soniele?”. O coronel estava como emudecido e paralisado, e ficou mais perplexo ainda quando ouviu da boca do menino: “Por que mentiu o tempo todo pra ele e Soniele?”.
Foi a gota d’água. O temido homem estava completamente desarmado. Se Carlinhos quisesse sopraria no grandioso e indestrutível coronel e este despencaria no chão feito folha morta.
Lá fora, esperando aflita o desenrolar dos acontecimentos, de cabeça baixa, nervosa demais, Sofie deu um pulo ao sentir alguém tocando no seu ombro. Era Soniele.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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