DESCONHECIDOS - 34
DESCONHECIDOS – 34
Rangel Alves da Costa*
As duas viúvas se entreolharam realmente espantadas. Diante da estranha e inusitada observação do menino Carlinhos talvez não tivessem encontrado palavras adequadas para indagar ou comentar. Coube ao próprio Yula falar: “Não entendi direito Carlinhos, se aproxime mais e veja se pode explicar melhor, por favor”.
Então o menino colocou o álbum com as figurinhas num canto e se aproximou mais para tentar explicar a seu novo amigo e, logicamente, às duas senhoras que continuavam sem saber o que dizer.
“Pois então tá certo. Yula, o seu nome é esse mesmo não é? E se o sou nome não fosse Yula, mas sim João, Pedro ou José, o que você ia fazer? E se os seus pais não fossem aqueles que estão na sua confortável casa e sim pessoas pobres e humildes que morassem em barraco de taipa, em tapera caindo aos pedaços? E se você não tivesse nascido com essa pele clara, esse corpo bem nutrido, como costumam dizer, e esse cabelo louro e escorrido, que quase chega nos ombros, como você ia ser? E se você não tivesse nascido no meio de uma família tão rica, sempre tendo ao alcance, e no mesmo instante, aquilo que sonha e deseja, tendo oportunidade de estudar nas melhores escolas, ter bons amigos, freqüentar os melhores ambientes, como você seria? E se você não nascesse nesse meio poderoso e que pôde e pode pagar os melhores médicos, comprar os mais caros remédios, colocar à sua disposição tudo o que a medicina faça aparecer de novidade no seu tratamento, o que seria de você? E se você não fosse neto de Dona Condessa que é rica e é amiga de Dona Doranice que é rica e as duas não se encontrassem no encontro de ricas de ontem à tarde, como você iria aparecer nessa história e como iria fazer essa viagem com a gente para cuidar de sua saúde?...”.
“Mas meu amiguinho, ainda não estou entendendo nada...”, falou o rapazinho, com semblante realmente de quem ainda não sabia o que Carlinhos dizia nem onde queria chegar. Mas o menino continuou:
“Você entenderá logo, todos entenderão logo. Tudo o que eu disser aqui é coisa que vem na minha cabeça, no meu pensamento, pois falo como se alguma coisa tivesse vindo e soprado no meu ouvido. E essa coisa soprando que me faz ficar imaginando as coisas só me diz que Yula foi plantado aqui, mas tem raiz em outro lugar. Ele brotou aqui nesse chão, mas sua semente é de lá. É como se ele já tivesse existido, nessa mesma pessoa que ele é hoje, noutro lugar bem distante, bem lá nas terras pra onde ele vai voltar agora. Assim, esse lugar pra onde a gente vai pode ser estranho pra mim e Dona Doranice e pra os outros, menos pra ele, pois de certa forma Yula não será um estranho no lugar nem estranhará nada que encontrar. Não se pode estranhar a própria casa onde se nasceu um dia. É como se alguém tenha sumido de sua casa por um tempão, até seus familiares fiquem um pouco esquecido, mas que um dia retorna para reviver tudo o que deixou e continuar sobrevivendo naquilo que encontrou...”.
“Você entende e acredita nessas coisas de reencarnação é?”. Perguntou o agora avermelhado e eufórico Yula, porém querendo mantendo a maior calma do mundo.
“Não sei nem o que é isso. Já ouvi uma vez um homem na rua falar sobre isso, mas nem lembro mais o que ele disse, também era doido o coitado. Sim, mas voltando ao assunto, não sei o que é isso, mas sei que seja o que for o Yula que vai pra lá é o mesmo Yula que é de lá, por causa disso que eu disse que o nome dele poderia ser João, Pedro ou José, pois tem muita gente com esses nomes por lá. É por isso rapaz que você vai se dar muito bem naquela região, pois não será mais estranho chegando e sim um filho voltando. Você não vai perceber isso, mas toda casa vai se sentir feliz quando você entrar, toda porta vai querer logo se abrir quando você bater, toda moringa e todo pote vai querer ter água pra matar sua sede. As pessoas do lugar não olharão você como um forasteiro, como um branquelo estranho que chegou por ali, mas sim como um igual, como um conterrâneo, mesmo que você tenha aparência e modos de ser totalmente diferentes dos de lá. E digo mais, se for por causa de bem estar, de se dar bem e gostar da terra que, como eu disse, é a sua terra, sua cura estará garantida, e para sempre, a não ser que...”.
“A não ser o que meu filho? Diga, pelo amor de Deus diga meu filho!”. Implorou quase ajoelhada a velha Condessa, que diante do relato e das últimas palavras do menino já estava totalmente tomada pelas lágrimas.
continua...
Poeta e cronista
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