DESCONHECIDOS - 29

DESCONHECIDOS – 29

Rangel Alves da Costa*

Aristeu vivia praticamente do que profetizava sobre si mesmo. Estava agora em peregrinação, por exemplo, porque o bilhete chegado à sua caverna foi visto como sinal de profecia.

E como já estava esperando aquele sinal há muito tempo, e também por causa de outras profecias, só lhe restava caminhar para que outros sinais fossem surgindo até encontrar o seu grande momento, a sua grande realização na face da terra. Mas qual seria e o que realmente desejava alcançar?

Porque era profeta havia lido as entrelinhas do bilhete e ido muito além do que estava escrito ali. Assim, leu que o menino tanto poderia significar realmente uma criança como alguma coisa pura e inocente; que os livros poderiam ser as pessoas presentes na terra, inclusive ele; e estar numa cidade grande poderia significar algo imenso e desconhecido, como a própria natureza ali circundante e sua imensidão.

Desse modo, segundo os seus prognósticos, estava no caminho certo, não precisando necessariamente ter que se deslocar até uma metrópole para encontrar um menino e com este o grande segredo. Não precisava fazer nada disso, sabia. Ainda mais depois do sonho trazendo novos sinais.

E os sinais do sonho, se interpretados, também estavam claros: o rio significando um caminho que deveria percorrer perigosamente naquela imensidão, cujo leito era a escuridão da tristeza e o vermelho do sofrimento; e pessoas fazendo o seu percurso e se colocando às suas margens, como se ali fossem viver as durezas e as alegrias dos seus destinos. E naquele mundo havia ainda o que mais procurava, que era a pureza representada num menino e o segredo ou segredos a serem revelados.

Por isso que o profeta não enlouquecia de vez, não desistia desse caminhar tão sofrido, desse padecer que nem ele mesmo sabia se merecia. Ia se virando como podia, embaixo do sol e da lua, muitas vezes pensando que areia era farinha de comer e o céu azulado era uma fonte de água doce e saborosa. Muitas vezes queria subir e subir para matar sua sede.

Certa manhã acordou decidido a perguntar a primeira pessoa que encontrasse pra qual lado deveria seguir até encontrar um rio. Então resolveu sair do meio do mato e seguir por uma estradinha de chão, cheia de curvas e paisagens com casinhas distantes e animais pastando soltos ali e acolá.

Seguindo pela estrada avistou duas pessoas que vinham em sua direção, sendo uma mais na frente da outra. Quando a primeira já estava quase à sua frente, um moço de meia idade, também descalço, roupa rasgada, olhar perdido e rosto engraçado, foi se preparando para dar bom dia e perguntar, quando ouviu o outro homem que estava mais atrás gritar e gesticular.

Pelo que imediatamente percebeu, o outro dizia e mostrava com um dedo apontando a cabeça, que não falasse nada com este não porque não era bom do juízo, tinha problemas mentais, era doido, como se dizia por lá. Mesmo assim não deixou de ficar olhando para o maluquinho e com uma vontade danada de puxar conversa.

Contudo, esperou o outro que se aproximava rapidamente e então começou a ouvir antes mesmo de fazer qualquer pergunta: “Não adianta perguntar nada não. Ele tem um probleminha na cabeça e não fala coisa com coisa, mas é mansinho demais, a não ser que esteja com pedras nas mãos. Por falar nisso, mostre aí o que tem nos bolsos Toinho...”.

E o maluquinho puxou umas pedras e jogou pra bem longe, porém demonstrando no rosto que não tinha gostado nem um pouquinho daquilo não. Tanto é assim que ficou enraivecido batendo o pé no chão. Mas o senhor continuou a falar:

“Mas o senhor é diferente pra essas bandas. Nunca foi avistado antes por aqui não, tenho certeza, pois conheço quem vive e quem passa por esses caminhos. É o tempo de vida, né, é o tempo de vida. Já tô velho e conheço isso tudo como a palma da minha mão...”.

“Então o senhor pode me informar pra qual lado fica um rio...”. Falou o profeta, sendo imediatamente interrompido pelo homem: “Aí depende qual rio, pois mais de três corta serra e corta a terra como cobra grande por aqui. Dependendo do rio...”.

E o profeta procurou, ou ao menos tentou explicar, onde queria chegar, dizendo: “É um rio normal e um rio diferente, é grande e pequeno, por ele corre muita água e também muitas outras coisas, é um rio da solidão e da tristeza, mas também da vida e da alegria, é...”.

“Num precisa dizer mais nada, pois há mesmo um rio que dizem que é mesmo misterioso desse jeito, contam sobre ele histórias de arrepiar. O nome dele é Rio São Pedrito, mas fica longe, mas muito longe mesmo daqui. Tá vendo aquela serra ali? Você vai ter que cortar num sei quantas serras maior do que essa pra que chegue até lá. E se eu fosse você montava num carro ou num avião...”.

“Mas tenho que ir andando. Não posso desfazer do destino. Cada passo dado será em busca de um novo sinal...”.

continua...

Poeta e cronista

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