DESCONHECIDOS - 28
DESCONHECIDOS – 28
Rangel Alves da Costa*
Carol deu sinal e o ônibus parou no mesmo instante. Agradeceu as informações passadas pelo senhor e depois desembarcou em meio ao desconhecido. Dali em diante passaria a viver uma vida totalmente diferente do que aquela experimentada como riquinha, drogada e até bandida.
No seu caminho cruzariam acontecimentos que fariam chorar e sorrir, acreditar e desacreditar em muitas coisas que acontecem nesse mundão. Não somente perante ela, mas também com todos aqueles desconhecidos que se espalhavam pelas distâncias ou estavam mais próximos do que cada um cada poderia imaginar.
E não se sabe se muito longe ou muito perto, mas Aristeu, o profeta que saiu apressado de sua caverna na montanha assim que recebeu um misterioso aviso, chegado num bilhete trazido em dia de também misteriosa ventania, continuava cortando caminho e andando apavorado, assustado e parecendo cada vez mais enlouquecido.
Quanto mais enlouquecidamente andava mais relia na sua memória as palavras contidas naquele bilhetinho que o vento levou:
“Somente o menino Carlinhos sabe o segredo que tanto procura. Os livros estão cegos e mudos, seus pensamentos também, mas o menino não. O segredo que tanto procura está num lugar bem distante, numa rua de uma cidade grande, num menino de rua de uma cidade grande. Desça da montanha e vá procurar. Qualquer caminho será estrada, então desça a montanha e vá procurar. Se queres encontrar o segredo, lá o segredo estará”.
Assim, quando desceu da montanha passou a viver praticamente pelos caminhos dos sacrifícios. Sabia que não seria tarefa fácil encontrar aquilo que há muito havia sido anunciado, mas jamais encontrado. O bilhetinho foi o sinal de que a procura deveria continuar, que não havia sido em vão ter esperado tanto tempo naquela caverna.
Somente com a roupa do corpo, acostumado a viver praticamente nu na sua morada de rocha, parecia não se importar muito com as durezas que ia encontrando pela frente. Contudo, quando começou a sentir fome, frio e calor, sono e vontade de descansar, olhava para os lados e tinha de se contentar em colher qualquer fruta que encontrasse, qualquer raiz novinha que avistasse, beber da água de qualquer poço ou ribeira.
Amigo das serpentes rastejantes, por isso caminhava descalço e sem a menor preocupação com elas. Sentava nas pedras e se sentia que por baixo havia alguma cascavel ou jibóia, era só meter a mão pelas frestas e trazer a bicha enrolada no braço, colocando-a no colo e depois conversando assuntos incompreensíveis, como sempre fazia.
Uma das coisas que mais gostava no mundo era conversar sozinho, dialogar consigo mesmo, com os bichos, as pedras, o tempo e o vento. Na maioria das vezes não falava coisa com coisa, num linguajar que somente ele mesmo entendia, e nesse sentido andava e revirava e dizia “andê marandê quiuruba boiá”, “burui koká marubi birá” ou “keró kiró me karú kará”.
Outras vezes começava a dizer que a culpa era deles que entregaram o mundo, que a água azul vermelhou e depois azulou para chorar e ficar novamente sangrando, que o maior rei do mundo havia sido o rei das baratas, que viveu pouco mas fez estragos demais.
Gostava de falar numa tal de menina da lua e menino do sol. E dizia que quando tivesse tempo e descesse dali ia fazer o casamento deles dois, da menina da lua com o menino do sol. E depois começava a cantar, com voz bonita e distante: “levaram minha flor de pedra, quero minha flor de água, quero qualquer flor, cadê minha flor, minha flor...”.
E depois de repetir esse canto uma dezena de vezes, quase sempre na entrada da caverna, diante da natureza abaixo e adiante, ficava de cócoras, colocava as mãos na cabeça e chorava feito criança, chegando a soluçar em meio aquele silêncio sepulcral.
Agora caminhando pelo meio do mundo, cortando vereda, passando pelos labirintos, subindo e descendo serra, parecia não querer encontrar e enxergar nada além daquilo que somente ele sabia. Talvez por isso mesmo não dava nenhuma importância quando avistava moradia, se pessoas assustadas mudavam de direção para fugir de sua figura andante, que a vida ao redor parecesse normal.
Como já dito, só tinha olhos para adiante, só pensava em chegar logo, e se algum cansaço lhe abatia, fosse cedo ou noite fechada, deitava ao relento mesmo, colocando a cabeça em cima de uma pedra e adormecendo com seus devaneios.
E sonhava com o bilhete, sonhava com as palavras contidas nele. Só sonhava com isso e com outra coisa que não havia entendido ainda, que era a visão de um rio que corria bonito, com toda largueza, mas às vezes trazendo água no seu leito e outras vezes fazendo correr líquidos escurecidos ou vermelho sangue, vermelho bem sangue, como se o rio fosse uma veia aberta.
E pessoas nos dois lados, nas duas margens do rio, cada uma gritando pela outra do outro lado. E ali estavam mulheres, homens, uma velhinha e um garotinho. Mas era somente sonho, pensava ele.
continua...
Poeta e cronista
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