DESCONHECIDOS - 21
DESCONHECIDOS – 21
Rangel Alves da Costa*
Deus sabe o que faz. Nenhum dos inúmeros caminhos que Ele coloca à frente do homem deixa de ter sua razão de ser. Por mais que a pessoa ache que seguiu pelo caminho errado, era por aquela estrada que teria de seguir. Principalmente porque ao lado do jardim escondem-se as armadilhas.
Cristina, jornalista acostumada às grandes coberturas na cidade grande, no cotidiano pintado de sangue e forjado com fogo, ninguém poderia supor que agora estivesse numa região muito distante do país, a mais pobre, mais intrigante e também a mais cativante.
E o destino deu-lhe de presente de viagem uma bela história a desvendar. Aquela mão divina certamente lhe incumbiu de escrever letra por letra a história da mocinha prostituta, a bela Soniele e o seu rastro de paixão e morte. Se agora estivesse na cidade grande as motivações para a escrita seriam outras. E não há que se negar que havia um bom motivo para fazer valer sua profissão.
Contudo, caberia a outros jornalistas, principalmente repórteres policiais, trilhar os caminhos investigativos do mais novo fato surgido: “O Caso da Riquinha”, como estava sendo conhecido no meio policial e nas redações dos jornais. A imprensa televisiva não. Não se sabe ao certo qual o tamanho do dedo e do dono do anel, mas a verdade é que os noticiários televisivos estavam terminantemente proibidos de tocar no assunto.
Os jornais mais conservadores, mais tradicionais, também tratavam o caso com parcimônia. Na verdade, os editores só permitiam tratar sobre o assunto porque seria um absurdo não levar ao conhecimento da população uma aberração daquelas envolvendo uma mocinha da alta sociedade.
“O Caso da Riquinha”, pois, não envolvia outra pessoa senão a mimada Carolina, ou Carol para os amigos, a patricinha que um dia fingiu que estava estudando para curtir a vida adoidada e agora pegar no pesado de vez. Eis que a mocinha de família rica resolveu ganhar ainda mais dinheiro do que tinha por conta própria, só que através de meios ilícitos e criminosos.
Numa noite dessas, no momento em que os pais estavam recebendo amigos em casa para uma festinha rotineira, sempre regada a champanhe e uísque importados, petiscos os mais afamados e outras iguarias famosas pelo preço, eis que o telefone toca e do outro lado da linha a única e verdadeiramente amiga de Carol, que realmente se preocupava com sua vida, perguntava se ela estava em casa.
O problema é que os pais não sabiam. Na verdade, os pais não sabiam nada com relação à filha, se ela estava em casa ou não, com qual amigo tinha chegado ou saído, se ela estava com o cabelo pintado ou normal. Muitas vezes passavam semanas sem avistar a menina. Diálogo, sentar para conversar, colocar os assuntos familiares em pauta, nem pensar. Eram praticamente estranhos, senão desconhecidos, que moravam numa mesma mansão e de vez em quando se encontravam.
Ora, os pais tinham certeza que tudo estava sempre bem com a filha, em perfeita ordem e harmonia para sua idade. E estava sempre tudo bem porque não faltava dinheiro para que ela gastasse como quisesse, possuía todas as facilidades da riqueza à sua disposição. E se a menina vivia nessa vida de luxo e fartura então não precisavam se preocupar com nada.
Mas naquele instante a amiga deu uma notícia que se confirmada não seria nada agradável. Disse a mãe que procurasse saber onde estava a filha, pois se não estivesse em casa ou na companhia de alguém confiável, certamente era ela que havia sido presa, que estava detida numa delegacia juntamente com outras pessoas. E havia tomado conhecimento desse fato através de um policial amigo.
Na euforia do momento, naquele instante em que a festa era o que mais interessava, os pais, após conversarem um segundo sobre o possível ocorrido, decidiram que aquilo não teria nenhum fundamento nem chance de ter acontecido. Era só uma conversinha e pronto. Até que o telefone tocou novamente e dessa vez era o próprio delegado de polícia:
“Acho melhor vim até aqui imediatamente acompanhado de um advogado, pois sua filha Carolina encontra-se presa. Ela caiu junto com uma gangue de adolescentes, acusada pela prática de diversos crimes. Não sei se poderei fazer alguma coisa não, pois nem cabe fiança, mas é melhor que venha até aqui imediatamente. E não esqueça o cheque”.
O problema é que a festa não pode parar, tem sempre que continuar. Então ele resolveu, sem que a esposa soubesse desse último telefonema, entrar em contato com o advogado para que o mesmo fosse até lá e resolvesse tudo.
Contudo, talvez nem mamata, nem fiança, nem relaxamento de flagrante, pedido de liberdade provisória ou habeas corpus desse jeito diante daquela situação. A patricinha já estava afundada até o último fio dos cabelos no mundo do crime.
continua...
Poeta e cronista
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