DESCONHECIDOS - 17
DESCONHECIDOS – 17
Rangel Alves da Costa*
Diante das informações preciosas do molecote, a jornalista triplicou o pagamento e até deu um beijo no rostinho agreste. Nem observou direito as qualidades do hotel e em três minutos já estava novamente na praça, caminhando mais adiante, se aproximando um pouco mais da mansão dos Apogeu.
Sem conhecer ninguém, observava tudo com um interesse jornalístico incomum. Desde que ouviu os relatos do garotinho, não sabe bem porque, mas sentiu uma vontade imensa de conhecer melhor aquele caso, principalmente procurar conhecer um pouco mais da vida daquela prostituta causadora de tamanha tragédia.
Procuraria se inteirar melhor sobre isso depois, vez que no momento tentava romper aquela multidão e obter passagem até a casa do defunto. Isso mesmo, tinha se informado que o corpo já estava lá para as despedidas e queria a todo custo dar uma olhada no caixão e avistar nem que fosse ao longe o triste semblante do pai e dos demais familiares.
Diante das dificuldades para vencer a multidão resolveu de vez se entregar ao seu ofício profissional e começou a pedir licença para passar porque estava ali a trabalho, havia chegado da capital exatamente para fazer a cobertura do ocorrido e contar para o povo como se deu e o que motivou o lamentável suicídio.
Já estava com crachá de identificação e tudo o mais, além de filmadora, blocos de anotações e gravador. “Deixe a moça entrar, não tá vendo que ela é de jornal?”, ouviu alguém dizer no portão principal. E num instante estava numa grande sala repleta de pessoas cabisbaixas, tristes e na maioria silenciosas. Ouviam-se lamentos doloridos, soluços e quase todos contradizendo a morte como destino no olhar ou na palavra cochichada.
Não precisou que ninguém informasse ou apresentasse, mas sentado ao lado do caixão, com a imponência dos vencidos, estava o patriarca, o velho Demundo Apogeu, um coronel dos sertões sem patente e sem lágrimas. O semblante fechado, entristecido nos olhos caídos, naquele momento ainda assim conservava na cabeça um chapelão descomunal que nunca tirava.
Cristina se aproximou um pouco mais, fez uma rápida apresentação, falou algumas palavras de conforto no ouvido do coronel e após isso, com voz trêmula, ele ordenou: “Mas seja rápida, por favor. E que seja a última vez que olho para o meu filho nesse estado, nesse momento triste de despedida”. E começou a chorar aquelas lágrimas de rio ressurgido da sequidão. As pessoas ao redor não suportaram a cena e algumas desabaram no chão.
Quando a tampa do caixão foi levantada Cristina tomou um susto. Gegeu parecia sorrir, parecia feliz, parecia apenas dormindo, parecia estar vivo. E não somente isso, pois lhe veio à mente a certeza de que já tinha visto aquele rapaz em algum lugar, já havia conversado com ele, já o conhecia. Mas de onde, meu Deus? Será por isso que ele agora parece estar sorrindo? Perguntava-se a agora totalmente confusa jornalista.
E como ele era novo e bonito. E como ele parecia feliz naquele momento. Dormindo, simplesmente dormindo e talvez sonhando. E como seria bom se tudo isso fosse verdade. Será que realmente o amor faria aquilo, causaria tamanha destruição? As pessoas poderiam falar o que quisessem, mas somente ele conhecia os seus motivos. Mas ele estava dormindo, estava sonhando, estava morto.
Diante das consequencias com a abertura do caixão, e pelo fato de já ter feito os registros que precisava, Cristina achou mais conveniente pedir que colocassem a tampa novamente. Contudo, de repente, se formou um grande tumulto e uma voz sobressaiu diante da multidão, vinda de alguém que já estava entrando na grande sala do velório.
“Esperem um pouco. Esperem um pouco. Preciso ver Gegeu pela última vez”. Era Madame Sofie, a dona do cabaré mais famoso do lugar, a chefe das prostitutas, alguém que todos afirmavam também ter sido a causadora daquela desgraça toda.
O coronel Demundo Apogeu levantou os olhos e perdeu de vez a cor. O seu grande amor do passado estava ali. A velha prostituta de tantos beijos e abraços, de tantos encontros e promessas, estava ali.
A verdadeira mãe de Gegeu estava ali para se despedir do filho. Ninguém sabia, ninguém jamais soube dessa história, a não ser três pessoas, mas a mãe do falecido estava ali para se despedir do filho.
continua...
Poeta e cronista
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