DESCONHECIDOS - 16

DESCONHECIDOS – 16

Rangel Alves da Costa*

Assim que desembarcou na rodoviária de Mormaço, constituída de uma tímida construção contendo bancos de cimento, dois banheiros que pela aparência da entrada pareciam imundos, e uma vendinha de bolos de macaxeira e tapioca, tendo uma plaqueta indicando ser uma lanchonete, Cristina para lá se dirigiu. Queria saber se na cidade havia algum hotel ou pousada.

Foi informada que na praça principal do lugar, entrando ali e virando acolá, havia um hotel. Pousada não existia, mas quase todo mundo que chegava à cidade tinha que se acomodar no “Acauã’s”, vez que os outros locais eram de quinta categoria, como bem disseram. Ao menos este deve ser confortável, pensou. Mas apenas como ponto de passagem não faria mal algum.

Ao seguir pelas ruas sendo guiada por um molecote que se ofereceu para levar sua bagagem no carrinho em troca de dois contos, a jornalista logo percebeu uma movimentação diferente, muito estranha mesmo, com muitas pessoas conversando pelas esquinas, embaixo dos pés de pau e pelas calçadas, além de intensa movimentação de veículos. O que achava mais estranho é que não via um único sorriso no rosto daquela gente, estando todos com aspectos fechados e entristecidos.

Achou melhor perguntar ao menino se ela sabia o que estava ocorrendo por ali. E logo obteve resposta: “Foi o Gegeu, o filho único do coronel Demundo Apogeu que se matou. Dizem que ele deu um tiro na própria cabeça. E dizem também que morreu por causa de uma rapariga de cabaré. O povo todo tá abestado só em saber que ele era apaixonado por uma quenga”.

“Mas quem é essa prostituta, ela mora aqui?”. Perguntou Cristina, fazendo prevalecer seu interesse de jornalista. “Morava e fazia vida ali no cabaré da Madame Sofie. O nome dela é Soniele, mas todo mundo só conhecia ou como a rapariga gostosinha ou com Jasmim de Fogo. Agora porque chamavam ela assim não sei não. Ela era novinha e muito bonita mesmo, parecia uma princesa, mas foi embora acho que antes de ontem, se não tô esquecido”.

“E sobre essa paixão do rapaz que morreu por ela, você sabe alguma coisa?”, indagou Cristina com os olhos brilhando de interesse.

“Isso eu não sei. Mas aqui, dona, quando o povo não sabe inventa. Sabe como é? O povo daqui é fofoqueiro de lascar. É por isso que uns estão dizendo que a intenção dele era matar ela antes de se matar. Já outros dizem que ele ofereceu uma fazenda e uma casa bonita pra ela deixar a vida de cabaré e ir morar com ele, mas ela nunca aceitou, preferindo continuar fazendo outras coisas. Ainda tem outros dizendo que ele abestou depois que ela foi embora. Assim que ela pegou o ônibus o rapaz nunca mais parou de beber e fez essa besteira depois. Mas é tanta conversa que se a senhora ouvir vai ficar doidinha. E tem muito mais coisa. Dizem até que ela é na verdade uma moça muito rica, de família muito rica de outro lugar, e só virou quenga pra se vingar dele, que tirou a virgindade dela jurando que ia casar e depois acabou com tudo. E pra não deixar ele em paz veio fazer vida num cabaré logo na cara dele. Quando o homem viu ela dando a um e a outro se empestiou, se virava numa fera e queria porque queria que ela deixasse essa vida para morar com ele. Só que parece que ela gostou do negócio, e daí...”.

Cristina já estava gravando a conversa do menino. Que costume mais triste, dizia a si mesma, contudo continuava gravando. E ainda perguntou: “E quem é esse rapaz que morreu?”. “Era simplesmente o herdeiro mais rico da região. Era ainda novinho, cheio de boa vida, mas gostava de uma bagunça e de beber que não acabava mais. Mas o pai nunca reclamou, até achava bonito, e deu no que deu. Agora perdeu o único filho que tinha. E tanto dinheiro sem poder afastar essa tristeza toda que deve tá sentindo agora. Mas a praça é aqui. O hotel fica logo ali e o casarão do pai do defunto é aquele ali”. Apontava e apontava.

Então Cristina olhou mais adiante e viu uma estupenda mansão para as características do lugar. Era com se fosse uma flor num deserto. Os arredores estavam entupidos de gente. Pessoas passavam a todo instante. O rapazinho era muito querido, pensou.

E não sabe por que mais sentiu uma profunda tristeza cair sobre si. E quanto mais olhava para a aglomeração de pessoas, para a fachada da mansão e para tudo ao redor, ficava ainda mais entristecida.

Por que a história se repete tanto? Ficou indagando enquanto apertava os olhos. Tristeza, tristeza, em todo lugar essa maldita tristeza sempre...

continua...

Poeta e cronista

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