DESCONHECIDOS - 15
DESCONHECIDOS – 15
Rangel Alves da Costa*
Se bem distante Soniele seguia pela estrada sem rumo e desafiando o destino, parece que a jornalista Cristina estava prestes a fazer o mesmo. Não que desconhecesse aonde queria, mas os caminhos desconhecidos que teria de percorrer.
Cansada e entristecida que estava com tanto trabalho e falta de reconhecimento, bastando ver quantas despedidas sem justa causa já havia recebido nos últimos anos, a lutadora que fazia do jornalismo uma bandeira de luta contra as injustiças sociais, agora precisava descansar. Ao menos por alguns dias, mas precisava descansar. Sentia.
Com as economias que havia guardado sabia que poderia ficar uns dois meses viajando pelo país afora, conhecendo povos e lugares desconhecidos, costumes, usos e tradições diferentes, se reconfortando do cotidiano estafante que estava acostumada na cidade grande.
Para viver tais experiências escolheu seguir sertão adentro, pelas bandas do interior nordestino, lugar que os dos grandes centros urbanos sempre conhecem como moradia da miséria, da fome, da precisão de tudo, da falta de tudo. Sabia que era assim mesmo, mas também sabia que era muito diferente.
E sabia que era diferente porque via a região nordestina no contexto de sua realidade e não das fantasias que costumeiramente se criam em torno do lugar. E sabia também que o povo nordestino não vivia muito diferente daqueles que estão na cidade grande.
Considerando-se a falta de comida na mesa, as doenças, a falta de saneamento, os índices de desenvolvimento humano, muitos lugares nas metrópoles estariam nordestinizados. Do mesmo modo a riqueza, o poder e o dinheiro que também são característicos em muitas famílias espalhadas pelas regiões agrestes.
Enquanto jornalista conhecia muito bem essa realidade. Daí que não esperava ter muitas surpresas ao pisar na terra rica, mas esturricada, da maior parte dessa região. Queria, isto sim, conviver de perto com famílias carentes, com pessoas que ainda nem conheciam a cidade grande e os seus costumes, com sertanejos na sua máxima pureza do canto, do aboio, da vaquejada, do cordel, da buchada, da carne de preá assada, do prato sem comida, do sorriso sem dentes, da alegria contagiante de um povo sofrido, porém infinitamente lutador e esperançoso.
Assim, tendo na cabeça tais pensamentos, Cristina arrumou as malas e tomou o avião rumo a uma dessas capitais nordestinas. Na sua bagagem muito mais material de trabalho do que propriamente roupas, pois sua intenção era também aproveitar o passeio e fazer anotações sobre os lugares por onde passasse, descrevendo as características e os modos de vida do seu povo, como num longo diário sem título nem objetivos predeterminados.
Enfim, colheria o material que fosse possível, através de fotografias, gravações e filmagens, para dar validade ao que fosse sendo escrito. Jornalista tem dessas coisas, vai escrevendo e escrevendo e depois junta tudo num contexto que muitas vezes se torna em verdadeira obra-prima, não só do jornalismo, mas também do romance histórico. Beberia, quem sabe, desse vinho sagrado de Euclides da Cunha e tantos outros.
Assim que desceu no aeroporto foi logo pedindo informações sobre como poderia chegar na região tida como a mais carente e empobrecida daquele estado, pois tinha interesse em se dirigir até lá. E recebeu todas as informações que tanto necessitava, sendo-lhe indicado onde ficava a rodoviária e quais os ônibus que poderia tomar para chegar até lá.
Não demorou muito e já estava com suas bagagens no guichê comprando uma passagem rumo a Mormaço. Esta cidade, segundo lhe informaram, era tida como a capital da região mais pobre do estado.
E para quem já estava esquecido, era lá que ficava o cabaré da Madame Sofie. Aquele mesmo onde a bela Soniele fazia vida antes de partir.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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