DESCONHECIDOS - 9

DESCONHECIDOS – 9

Rangel Alves da Costa*

Como observado, as pessoas envolvidas nessa história nada tinham a ver umas com as outras. Cada um vivia o seu mundo, ao seu modo, em lugares totalmente diferentes. Aristeu, profetizando na sua distância; Soniele fazendo vida no cabaré de Madame Sofie e desejando mudar de vida todas as vezes que abria as pernas; a viúva e milionária Doranice na grande metrópole pensando em fazer o bem para o próximo; João Pescador jogando sua rede, esperando a sereia e subindo na pedra para cantar e chorar ao entardecer; Carlinhos sentindo fome e sede, dando vontade de levar um pão da padaria, mas recuando por uma força instintiva; a jornalista Cristina pensando em novas denúncias e se preparando para viajar sem destino; e a patricinha Carol, esbanjando da riqueza da família, continuava pensando apenas em se divertir sem pensar em nada mais sério na vida.

Naquela manhã, Aristeu, o profeta, sentiu algo diferente no ar. Vivendo numa caverna no alto da montanha, sabia muito bem que ali o ar era praticamente constante, com o vento soprando do lado de fora numa normalidade das horas.

Contudo, surgiu mais forte, começou a soprar com mais voracidade, chegando mesmo a agitar o interior da caverna. E sem compreender como poderia tal fato acontecer, verdade é que o profeta viu surgir uma folha amassada de papel sendo trazida pela ventania, zanzando pelo ar como se estivesse à procura de um lugar para cair.

Temeroso que era das coisas estranhas e inesperadas, Aristeu largou imediatamente seu já envelhecido Livro das Horas e dos Tempos e foi em direção ao papel que já havia caído em cima de uma mesinha de pedras. Como a luz do lugar era pouca, segurou o papel e correu para a entrada da caverna, percebendo nesse instante que a surpreendente ventania já havia se dissipado.

Com a claridade do tempo, o profeta levantou o papel até a altura dos olhos e começou a ler, sentindo o corpo inteiro estremecer pelo que estava escrito:

“Somente o menino Carlinhos sabe o segredo que tanto procura. Os livros estão cegos e mudos, seus pensamentos também, mas o menino não. O segredo que tanto procura está num lugar bem distante, numa rua de uma cidade grande, num menino de rua de uma cidade grande. Desça da montanha e vá procurar. Qualquer caminho será estrada, então desça a montanha e vá procurar. Se queres encontrar o segredo, lá o segredo estará”.

Perplexo, totalmente tomado de espantado pelo acontecido, ao levantar novamente o papel para ler mais uma vez, eis que repentinamente sopra a ventania e leva pra longe o escrito. Não poderia tentar ir atrás sob pena de despencar montanha abaixo, tendo que se contentar com a lembrança do que havia lido e cada palavra contida ali.

Ainda diante da entrada da caverna, se ajoelhou, colocou as mãos na cabeça e começou a murmurar palavras desconexas, dando muros no chão em seguida, para depois chorar copiosamente, batendo no peito nu e puxando com força os cabelos bastante crescidos, como se quisesse arrancá-los de vez.

Cinco minutos após e estava adormecido no mesmo lugar, jogado na terra, com o corpo tocado pelo sol que brilhava mais forte ali no alto da montanha. As horas passavam e o profeta ainda estendido ao relento, num adormecimento que mais parecia de morte. Somente quanto o por do sol iniciou seu processo de arrumação dos restos do dia para dar lugar a novos astros, é que o homem se mexeu. Cinco minutos depois começou a levantar assustado, querendo correr, querendo voar, querendo sumir, porém sem sair do lugar.

Nesse mesmo dia, antes que a luz do sol desaparecesse totalmente, Aristeu já havia, depois de muitos anos, deixado sua caverna entregue à sorte dos mistérios e descido a montanha rumo ao desconhecido, a qualquer lugar, aonde o bilhete mandava que fosse. Mas por onde seguir e para onde ir?

continua...

Poeta e cronista

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