DESCONHECIDOS - 6
DESCONHECIDOS – 6
Rangel Alves da Costa*
Quem dera o mundo de Carlinhos tivesse por paisagem aquele que João, o pescador, cotidianamente vivia. Ao redor do pescador havia um rio caudaloso e maravilhoso molhando as margens e a vida daquele povo ribeirinho, havia boniteza em todo lugar, no barco de pesca, na montanha adiante, na aldeia abandonada, até na solidão da vida por ali.
Mas o mundo de Carlinhos era outro, bem outro, e assustadoramente diferente. Era o mundo da lua sob marquises, das esquinas perigosas da cidade grande, da prática de pequenos furtos, da fome e do pedir esmolas.
Já gritou pelo mundo vendendo jornal, levou nas costas um caixote de engraxate, se ofereceu para capinar jardim, para lavar o carro, para fazer um monte de coisas. Contudo, nunca fez a mesma coisa por muito tempo, pois parecia predestinado a viver nas incertezas de cada momento.
E como era incerto esse mundo. Negava-se a usar droga, porém convivia com ela diariamente, pois os seus amigos de rua eram viciados. Não em drogas pesadas, já que não podiam adquirir, mas aquelas tão conhecidas e cuja existência a sociedade parece não querer enxergar, tais como cola de sapateiro, gasolina, benzeno e éter.
Via que de repente muitos amigos sumiam de uma hora para outra, sem deixar nenhum sinal. Somente depois ficava sabendo de mais um destino trágico, de mais uma tragédia para se transformar apenas em estatística. E muito fez e fazia para não se transformar em mais um número a ser acrescido.
Na guerra do mundo que vivia tinha ainda que lutar para sobreviver em pequenas batalhas. De repente os traficantes queriam porque queriam que servissem de entregadores de drogas, pagando uma ninharia qualquer e dizendo que se fosse pego pela polícia a primeira coisa que deveriam fazer era silenciar de vez sobre o nome dos envolvidos.
Outras vezes lhe chegavam propostas para praticar pequenos furtos e depois entregar os objetos adquiridos a uma pessoa que gerenciasse tais atividades criminosas. O lucro diário estaria garantido, mas tinha que furtar muito, se arriscar cada vez mais para garantir o seu, pois o negócio proposto era por produtividade. Quando mais roubasse e furtasse mais ganharia.
Mesmo pequeno já tinha o tino suficiente para saber até onde chegaria isso tudo. Muitos amigos sumiram desse jeito, acabaram morrendo porque citaram nomes e deram localizações. Outros tiveram que se esconder para não ter o mesmo destino. Mas como e onde um menino de rua pode se esconder de seus vilões?
Esse negócio de droga era um perigo, sabia muito bem. Quando ainda estava morando na favela, na casa de um e de outro, lhe contavam sempre a história de seus pais, envolvidos que eram com esse mundo perigoso.
Pobre, sem ter muita coragem para trabalhar e sempre de olho num dinheiro fácil, o seu pai começou entregando drogas nas esquinas e depois já era nome forte do tráfico na comunidade. Uma bala certeira o derrubou, espalhando pelas vielas imundas outras imundícies embrulhadas e em papelotes.
A mãe, conivente com as práticas do esposo e também já começando a se envolver além da conta, logo começou a ser procurada pela polícia e fugiu do lugar sem levar o seu filho junto. Desapareceu e nunca mais deu sinal se estava viva ou não. A salvação de Carlinhos foi um vizinho ter ouvido o seu choro no barraco abandonado.
Foi crescendo e se fez molecote por ali, na casa de um de outro, como se muitos pais quisessem ajudar o menor por um dia e no outro já o estava colocando na porta da rua. E ao crescer tomando consciência dessa situação instável de vida, não deu outra. Antes que fosse mais uma vez para a casa de um e depois despejado, resolveu ele mesmo tomar seu destino e desceu o morro.
O menino pobre, sujo, com a roupa do corpo, porém muito bem apessoado para quem havia sido sempre maltratado, desceu o morro e ganhou as ruas. Era nesse outro mundo que vivia agora, vagando com a sorte dos abandonados até que um dia o destino lhe mostrasse seu real lugar na vida.
Ou até que desconhecidos surgissem para transformar repentinamente essa história toda.
continua...
Poeta e cronista
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