Aluga-se - Parte II
“O passado...Um cemitério de histórias ou o acúmulo das nossas provações que hoje servem como método anti-falhas? Lembro-me que sempre disseram que é errando que se aprende, mas quando o erro é grosseiro, como será que aprenderemos? Dentro de uma instituição prisional? Será que lá aprendemos algo, ou somente entendemos que ainda podemos voltar pior? Pensando desta maneira, e também nos recordando sobre o descaso das autoridades, notamos a razão de muitos crimes continuarem insolucionáveis.”
A noite havia sido longa. Severamente exausto, através das negras olheiras Bruno demonstrava que não havia conseguido dormir após a invasão, ainda estava preocupado e afoito, buscava falar com sua namorada, todavia não a encontrou. Pensou em hórridas hipóteses, quando respaldado pela razão, alcançou que esta deveria estar irritada o suficiente para negar-lhe contato.
O dia havia terminado pessimamente e diante de tais fatores perdeu a paciência. Nada havia dado certo naquele fatídico três de fevereiro, e neste exato instante mais colérico permanecia buscando um complicado número que empós horas encontrou. O telefone estava em punhos, os números teclados não lhe ajudavam muito, pois ninguém o atendia.
Mantendo o aparelho de comunicação em punhos e absorto em maus pensamentos, detinha-se inteiramente nesta possibilidade como ponto de partida. Sua falha somente poderia ser advinda de tal cidadão, não sabia como, todavia o único que conhecia as coordenadas exatas era o ambicioso repórter de quinta categoria. Não perdeu mais tempo e durante a madrugada inteira tentou entrar em contato outras centenas de vezes, o nervosismo o consumia, uma vez que em todas as tentativas o telefonema era redirecionado para a secretária eletrônica. Suas mãos tremiam e seus pés dançantes mal tocavam o solo, a tensão irrompia seu ser rapidamente. Horas antes sua casa já havia sido localizada e invadida por um membro da poderosa Família mafiosa, constatação óbvia depois de aberta a derradeira correspondência marcada com o carimbo secreto da organização. Sua vida estava por um fio, a vida perfeita tão morosa de se construir, que impiedosamente seria lançada aos leões após o fim do prazo mínimo de oito horas. Muitas resoluções, diversos entraves e pouquíssimo tempo.
Anteriormente pela vespertina, já havia perdido quase o dia inteiro buscando informações, somente chegando a sua morada pela madrugada. Perdeu horas até chegar ao longínquo ambiente , seguiu em direção a desova e nada encontrou. Era impossível um presunto crivado de bala na caixa craniana levantar-se e matar, porém a besta estava na ativa novamente e Bruno como um requisitado funcionário do crime não poderia ter errado nesta imensa proporção. Um vacilo que lhe custaria a vida, tendo em vista que o considerariam um traidor, na verdade um farsante que dissimulado aceitou o montante pago pelo serviço sem ao menos tê-lo efetuado, uma confusão que somente seria sanada ao encontrar um corpo desaparecido, ou quem sabe excluindo da lista vivente um novo homem.
A tremedeira do sentenciado a morte controlava sua antes impassível mão direita, tentou outra vez efetuar a ligação e nada. O contato maldito não atendia a bosta do telefone, deste modo seguramente afirmava sua participação do delicado assunto. Esta deslealdade não passaria barato, o desgraçado a quem poupara no passado deveria pagar por isso no presente. Todavia o futuro assassino sentia que não poderia vingar-se, o prazo estava se esgotando e os homens de respeito não lhe deixariam efetuar a vendeta, no fim das contas o grande pistoleiro Bruno Fogliossi seria derrotado por uma simplória secretária eletrônica.
Os segundos morriam como o tempo que jamais regressa. Vagarosamente o matador perdia a razão, a cada instante a vida lhe era quitada e não esperaria para ver o veredicto, e deste modo buscou no armário o colete a prova de bala, suas duas pistolas e mantendo a postura veloz debandou do aconchegante lar.
A prontidão deveria ser a maior arma. Através do telefone, havia conseguido o endereço do timorato periodista e, como tal não lhe atendera, deveria buscá-lo em casa, a favor ou contra a vontade, mesmo que morto. Um corpo deveria ser apresentado para saciar a gana da Família. Abriu a porta discretamente e sustentando a naturalidade, partiu no horário rotineiro como se nada tivesse acontecido, por alguns instantes sentiu a morte aproximar-se ao ouvir um som a seu lado esquerdo, mas para sua felicitada surpresa, tratava-se de um enxerido vizinho, que demonstrando a presteza dos metediços perguntou-lhe como estava após a complicada noite. Atuando no impiedoso teatro da vida, Bruno o convence que tudo estava na mais perfeita ordem e logo em seguida adentra seu veículo buscando imediatamente abandonar o ameaçador local.
Por instantes encontrou-se inerte, temia virar a ignição, uma bomba poderia estar anexada em seu automóvel. O tempo passava ágil e seu solicito colega de rua o observava com estranheza, tendo em vista que há mais de cinco minutos o implicado oficial encontrava-se congelado com as mãos no volante. Sentindo a péssima situação em que se encontrava e as suspeitas levantadas, pensou em executar o cretino que tanto o mirava, mas depois assumindo a postura do cidadão normal que se tornou, recordou-se dos possíveis problemas oriundo deste futuro ato, então embebedado pela coragem dos desesperados girou a chave, ligou o automóvel que inteiro permaneceu e prontamente seguiu em retirada do vigiado bairro.
O caminho seria longo, neste tempo pensaria em como agir. Sua existência passou em um feixe de luz e nostálgico percebeu que somente existiam dois tipos de homens, o disposto a matar e os que se preparavam pra morrer, então seguro de suas convicções acelerou o veículo tendo em mente que não era do tipo que morreria, ainda mais por algo engendrado por um frouxo que escrevia para um jornal de baixa expressão.
Só possuía trinta minutos de vida, e desesperado pensou em fugir para outro estado, porém intimidador como um carrasco da Santa Sé, o implantado telefone móvel toca em seu porta-luvas. Deveria atender o aparelho, talvez desta maneira prorrogasse seu tempo, e sem hesitar apertou o esverdeado botão. Como pensado, seu antigo contratante estava do outro lado da linha e com sua voz gélida, o impassível orador explica que será obrigado a matá-lo pela traição caso não resolva os contratempos em vinte minutos. Desesperado e balbuciando as palavras, o oficial de justiça que possuía menos de quatro décadas expõe as possíveis questões e revela que cumpriu com seu trabalho perfeitamente, porém ignorando as insanas tentativas de seu pedinte, a forte voz lhe informa que este possuía apenas dezoito minutos.
Tentando manter-se vivo, o amedrontado oficial abusou da lábia de décadas, e elaborando inúmeras situações ao seu favor, alcançou seu principal objetivo conseguindo com o impiedoso contratante em uma inédita atitude, a ampliação de mais duas horas, todavia o acontecimento era muito positivo para ser obra de altruísmo puro, quando piorando a situação do aposentado matador , o criminoso mandante revela que no porta-malas do carro havia uma ingrata surpresa, caso este tentar-se a fuga para outro estado.
Enfurecido pelo jogo que sua vida tornou-se neste curto prazo, Bruno segue em direção ao acostamento da pouco habitada região, freia bruscamente o veículo próximo a um terreno baldio e bufando de raiva abre o porta-malas esperando por algo que o incriminasse. A cena foi horripilante, jamais esperaria por tal visão. Pensou em drogas, armamentos ou um presunto qualquer, entretanto nunca imaginaria o que lhe era reservado e incrédulo na atrocidade cometida por seus agressores, afastou-se do veículo, sentou-se afligido sobre o meio-fio e, descomposto refletiu sobre os acontecimentos. Eles haviam extrapolado todos os níveis de maldade humana, e desta forma deixaram desenhada a mensagem que sua morte seria uma lógica questão de tempo.
Durante a árdua reflexão, sua maré de azar prosseguiu. Como que guiado pelos assassinos que o torturavam, um veículo patrulha da polícia surge dentre as imediações, liga a sirena e parte em direção ao delituoso cidadão que descansava no acostamento. Prevendo que a situação complicaria ainda mais e possuído pelo ódio em pura forma, frio como exigido em profissão, cerrou o porta-malas fingindo guardar ferramentas, esperou o momento mais oportuno, mudou a arma de lugar e quando os dois homens da lei debandaram do avariado automóvel estatal para abordá-lo, lembrou-se repentinamente de Laura que agora figurava mutilada em seu porta-malas, e aproveitando-se da coragem ofertada pela bizarra cena que eternamente figuraria em mente, impetuoso desferiu flamejantes disparos executando na hora a dupla que similar as Torres Gêmeas, antes visivelmente impávidas, desabando rapidamente.
Mirando os corpos estatais que se perfaziam em fontes sangrentas, optou por não perder mais o valioso tempo. A cada instante encontrava-se mais crítico, pois além de ter um magnífico presente em seu porta-malas, tinha acabado de executar dois tentáculos da lei. O golpe de seus rivais foi perfeito, estava nas mãos desses perigosos sujeitos, e decidido a mudar o rumo da sorte de maneira inteligente, pegou o telefone celular indetectável cedido pelos mafiosos e incansável discou para a moradia do correspondente outra vez. Não acreditava na possibilidade de manter contato, até que superando suas expectativas uma voz feminina o atende. A persistência havia sido recompensada, então mais educado buscou estreitar o contato de maneira amistosa, e manso solicitou diálogo com a possível vítima, quando felizardo escutou a voz que tanto buscava. Habitualmente sucinto não cedeu oportunidade de réplica, somente alertou ao repórter que iria buscá-lo para uma conversa caso ele queira ou não. Bastante amigável o procurado jornalista aceitou cordialmente as condições e marcou em sua morada para efetuarem o interessante reencontro. Durante a rápida ligação o inquirido não demonstrou temor algum, ao contrário, portava-se confiante como se nada devesse, assim gerando questões na cabeça do anteriormente decidido matador, que presentemente perdia-se em mil pensamentos sobre a culpa ou não de seu futuro anfitrião.
Mentalizando as hipóteses e estranhando a situação, Bruno questionou-se incontáveis vezes se estava rumando em direção a uma cilada. Depois de segundos, asseverou que o cruzamento se tratava de uma emboscada, todavia não se assustou, em sua mente tinha certeza que algo produzido por um frouxo digitador de jornaizinhos vagabundos não poderia ceder-lhe perigo algum, então desta maneira com o sangue explodindo nos olhos, pisou fundo e como uma bala seguiu imponente rodovia adentro para o que poderia ser sua última jornada, enquanto no interior da parte traseira do veículo sua querida Laura trepidava em vários ângulos por todos os cantos do porta-malas.
*OBS: Aluga-se, Assassino e Carioca, respectivamente pertencem ao mesmo arco, todavia são histórias independentes que compartilharão do mesmo final na próxima e única edição chamada: Aluga-se assassino carioca.