Assassino
O ambiente era escuro, somente apresentava-se a singela luz azulada de um rústico monitor com tubo de imagem. Quase nada poderia ser visto em tal local, somente a plácida silhueta que completamente absorta em seu mundo virtual, pouco se importava com os acontecimentos diários. Estava em um minúsculo quarto, a dimensão era algo um pouco maior que uma cela solitária, parecia ser opcional uma vez que, ao seu redor figuravam inúmeras carcaças de computadores e estranhos recortes de jornal. Ao seu lado esquerdo ocupando uma boa parcela da encurtada parede, permanecia um painel de coloração marrom repleto por fotos que pouco poderiam ser vistas devido ao breu, todavia se utilizada a imaginação e apurada percepção, poderíamos discernir que as imagens retratavam faces e corpos estrategicamente montados.
O quarto de fato parecia com a sala dos investigadores hollywoodianos, não seria surpresa um louco vestido de sobretudo em plena noite escaldante do verão carioca, o ambiente estava montado cinematograficamente, porém carecia do inusitado protagonista que independente do tempo, apenas movia seus velozes dedos sobre o teclado. Quando desvendando completamente a localidade ao acender a luz, abrindo a porta uma bela mulher trajada com suntuosas roupas íntimas, surge emanando seu charme pedindo para seu dedicado namorado esquecer-se brevemente do serviço para juntar-se a ela na cama.
Desviando os fixados olhos, o também apessoado trabalhador levanta-se prontamente da cadeira giratória, segura sua amada pela cintura, lhe beija a boca com intensidade e esboça um sorriso. Segurando a jovem sobre seu vasto peitoral o homem com menos de três décadas lhe aperta a ponta do nariz carinhosamente e revela afeto ao mencionar que somente ela poderia despertá-lo do transe funcional ao qual se encontrava. Satisfeita pela afirmação, Anna que possuía menos de vinte primaveras o abraça com mais desejo, lhe beija o pescoço e delicadamente o arrasta para fora do sinistro ambiente alegando que as fotos lhe causam arrepios. Rindo das expressões de sua amada, Ricardo lhe afaga o rebelde cabelo ruivo e alega que aquelas cenas fazem parte do seu trabalho de jornalista, ainda mais por ser uma grande referência quando o assunto é o Assassino do Cutelo. Ignorando o temor de outrora Anna também sorri e logo após afirma que o nome inventado pela mídia é o mais ridículo que ela já ouviu. Abaixando os olhos Riccardo afirma que no dia que eles conseguiram ligar os primeiros crimes lhe faltavam idéias, e como o povo gosta de nomes com assassino ou maníaco na frente, simplesmente se deu ao trabalho de por o nome da arma utilizada, assim gerando o Assassino do Cutelo.
Inexplicavelmente entretida com o assunto, Anna desculpa-se com seu amado pelo comentário chistoso sobre o apelido do Serial Killer e prontamente questiona como este se envolveu no caso. Soltando sua namorada e desligando o computador corretamente, Ricardo afirma que trabalhava em um pequeno jornal local no interior do estado quando os crimes começaram; e demonstrando conhecimento sobre o assunto, revela que o Assassino do Cutelo na verdade não se trata de um serial e sim um Spree Killer, tendo em vista que este não segue padrões e sim mata para saciar suas ganas psicóticas, como se fosse uma onda de extrema psicopatia que abate pessoas azaradas que estavam no lugar errado.Um singular brilho consumia os olhos da pequena que, se deliciando com o assunto, sente a libido florescer em seu leitoso corpo aparentemente imaculado. Observando as provocativas posições que sua parceira levemente insinuava ao apoiar-se na escrivaninha, Riccardo compreende o óbvio recado, a segura pelo rabo de cavalo, encosta-se maliciosamente no dorso desta e assume um semblante forçosamente maléfico aderindo assim à fantasia. Levantando o pequeno pano que cobria seu corpo Anna vira-se com vontade, morde o queixo de seu companheiro e também apresentando sagacidade afirma que sente prazer ao estar próxima de homens que podem fazer tudo acontecer. Segurando sua libido, o modesto repórter a pega no colo com a vontade de cem homens, desfere uma bruta solada na porta, sai do cubículo escritório e quase destruindo o carnal momento a explica que aquele ambiente não era apropriado, pois qualquer descuido poderia atrapalhar anos de pesquisa. Insatisfeita com a falta de bom senso do belo repórter, a jovem pouco se importa com as afirmações, o empurra sobre o sofá da ante-sala, sobe sobre o corpo deste, ordena que este fique calado como um sábio, e insaciável inicia o ato libidinoso.
O dia recomeça com os primeiros raios de sol que persistentes, atravessam as finas brechas da roxa persiana atingindo a face do exausto jornalista. A noite de amor havia sido intensa, Anna poderia ser classificada como insaciável, um adjetivo que afetava e muito a estrutura física do sedentário cidadão. Suas pernas ainda tremulavam, a bela neste instante permanecia envolvida pelos braços de Morpheus e agradecido Ricardo seguia solitário em direção ao seu escritório. Há dias calculava onde poderia ser a próxima investida do perigoso assassino, há meses o cutelo estava parado, algo havia ocorrido, todavia ele estava de volta, um pouco mais transtornado e demonstrando mais organização, algo que apontava para uma brusca alternância em seu modus operandi, algo sempre mantido, um ritual sagrado para qualquer psicopata de primeiro escalão. Certamente o assassino estava mudado, e atualmente pressentia o alto preço a pagar por suas aventuras.
O dia estava quente como o habitual, optou por ligar o ar-condicionado e permaneceu sentado em frente ao computador traçando possíveis rotas. Era um trabalho extenuante, uma vez que se encontrava fisicamente inerte e mentalmente subdividido em milhões de partes. O sexo até foi uma boa escolha, considerava-se mais calmo e menos ansioso, e assim sereno continuou com suas suposições baseando-se no trajeto efetuado anteriormente. O último crime seguiu com o processo migratório do interior para a metrópole, possivelmente o próximo ataque seria em sua cidade Niterói, deste modo deveria considerar algumas situações que cambiaram. Independente de ser um Spree Killer, o Assassino do Cutelo seguia um padrão de no máximo quatro vítimas por noite, entretanto da última vez foram mais de seis mortos, os golpes de cutelo existiam como o habitual, mas pedradas e golpes á canos de ferro também decoraram a infernal visão dos corpos destroçados. Os psicólogos informaram que poderia ser um imitador buscando alcançar a mesma projeção da fúnebre celebridade, porém as dúvidas cessaram ao encontrarem rastros do DNA que perfeitamente combinavam com os crimes anteriores.
O ameaçador andarilho das noites estava de volta, talvez o demônio esteja buscando vingança da sociedade que o açoitou quando possível, ou simplesmente cessou os temores de novamente ser trancafiado próximo aos animais que o agrediram e estupraram incessantemente. Uma coisa era certa, as ruas novamente receberiam tonalidade escarlate, tornando-se assim a localidade menos segura para se estar. Ricardo o conheceu bem, teve a oportunidade de uma entrevista exclusiva com a besta apocalíptica e por instantes pensou em perder o controle diante de tanta impassibilidade e crueldade, todavia no fim das contas o compreendeu, e neste momento, de maneira egoísta refletiu o quão rentável havia sido a sua volta, talvez até em maiores proporções que a periculosidade também proporcionada, uma vez que deveria ser considerada uma vítima em potencial.
Os trajetos foram firmados com cautela, possivelmente seguia a lógica que lhe proporcionaria outra exclusiva quando estragando seu momento de prazer , o telefone toca intermitentemente e a conhecida voz de um antigo algoz é reconhecida na secretária eletrônica. O tom era ameaçador, e o insolente orador buscava encontrá-lo. Perplexo pela complexidade da atual situação, Riccardo sente as células de seu corpo reagirem através das atividades sonoras trazidas por fibra ótica.
O som grave oferecido pelo pedinte era amedrontador e por inúmeras vezes pensou em atender a ligação, algo que não aconteceu.
Sentado, bispando a trepidante tela que lhe mostrava a destruição nas carcaças mortas pelo Assassino do Cutelo, Riccardo mantém-se sentado, abaixa os inconsoláveis olhos e preocupado busca opções para sua próxima empreitada, enquanto o restante da cidade fluminense despertava.
Continua...
*OBS: Aluga-se, Assassino e Carioca, respectivamente pertencem ao mesmo arco, todavia são histórias independentes que compartilharão do mesmo final em única edição.