A Decisão
Era complicado. Chegara o momento de tomar uma decisão e a questão era saber se ia fazer o que estava certo, arriscando-se a destruir a sua carreira, ou se, pelo contrário, ia seguir o caminho mais fácil, fazendo o que sabia não estar certo, mas assegurando o seu futuro. Era uma decisão complicada, por um lado seguir os valores com que fora educado e dizer a verdade, não obstante as consequências que daí viessem, ou, por outro lado, mentir, mesmo sabendo que estaria a ir contra tudo aquilo que sempre defendera.
Ao longo da sua carreira sempre vira reconhecido, quer pelos seus superiores quer pelos seus colegas, o empenho e dedicação que tivera no desempenho das suas funções e na defesa dos interesses supremos da instituição onde trabalha. Nem sempre fora fácil resistir às tentações, mas sempre o fizera, porque sempre seguira a sua consciência.
Sempre resistira até àquele dia, em que aqueles documentos lhe chegaram às mãos. Aqueles documentos que, se caíssem nas mãos erradas, podiam lançar o caos e fazer cair o poder instituído. A partir do momento em que se apercebera do que se tratava, a sua vida não voltara a ser a mesma. Para tentar salvaguardar-se, procurara ajuda junto do seu superior, mas em vão, porque não só falhara na tentativa de encontrar ajuda como também descobrira que o seu superior tinha conhecimento da situação e era conivente com a mesma, sendo agora porta-voz de outras instâncias que o pressionavam a entrar na engrenagem e a compactuar com aquela situação, com promessas de um brilhante futuro.
Entretanto, tinha sido procurado por um homem que se dizia jornalista e que o questionara sobre aquele assunto, que supostamente ninguém sabia, mas para o qual a imprensa, por uma conversa informal aqui e outra ali, procurava a fonte que confirmasse as suas suspeitas. O jornalista prometera-lhe que não revelaria o seu nome caso aceitasse colaborar, apelara-lhe à sua consciência, mas ele não cedera. Tinha muito que pesar: uma casa para pagar, filhos para sustentar... Enfim, tinha todas as responsabilidades que têm aqueles cuja fonte de rendimento é o trabalho e que não conhecem outro caminho para enriquecer.
Mas nos últimos dias alguma coisa tinha mudado em si, voltara a ouvir o seu pai a dizer-lhe: “A verdade é libertadora! Só a verdade te pode libertar.” E nunca antes tais palavras fizeram tanto sentido na sua cabeça.
Sabia que se fizesse o que a sua consciência lhe pedia, mesmo mantendo-se como uma fonte incógnita de um qualquer jornalista, iria haver uma investigação que chegaria a si e, muito provavelmente, destruiria a sua carreira e, consequentemente, a sua vida. Por outro lado, se mantivesse o silêncio, tudo passaria com o tempo, essa força que tudo apaga e tudo faz esquecer, e ganharia as recompensas daqueles com quem havia compactuado, bem como a tão merecida promoção profissional, que, embora conseguida por meios menos lícitos, acabaria por ser uma forma de reconhecimento pelo seu empenho e dedicação profissional ao longo de toda a sua carreira.
Tinha de decidir-se. Urgia que o fizesse. Não podia continuar a viver naquela indecisão. Devia escolher um caminho e assumir as consequências que daí viessem. Era complicado e ele sabia-o. Chegara o momento de tomar uma decisão. Mas a decisão era sua...