A Viagem

De repente dou comigo a pensar e a memória leva-me novamente para aquele lugar. A nossa mente é mesmo assim, por vezes transporta-nos no espaço e no tempo até lugares e acontecimentos de que nos vamos esquecendo com o passar do tempo, mas que, de uma forma ou de outra, nos marcaram. E foi o que aconteceu comigo num daqueles momentos em que ficamos pensativos sem pensar em nada e de repente o subconsciente assume as rédeas, levando-nos numa viagem pelo nosso sótão.

Lembro-me como se fosse hoje, tudo começou por uma súbita vontade de mudar de ares, por sua vez consequência de um sentimento de monotonia que se havia abatido sobre mim nos últimos tempos. E assim, partindo da ideia para a acção, peguei nas minhas coisas e decidi partir rumo ao desconhecido, mal sabendo o que me esperava.

A viagem começou bem, estava um lindo dia de sol. Peguei no carro, fui até à estação de serviço mais próxima, atestei o depósito e decidi partir sem destino. Apetecia-me conhecer lugares novos, pelo que achei que a melhor opção seria evitar as auto-estradas, que, com a sua paisagem sempre igual, retiram tanto sabor às viagens de carro.

Parti rumo a norte, pela estrada nacional, aproveitando para parar aqui e ali para descansar ou apreciar melhor determinada paisagem, acabando por, graças ao meu “excelente” sentido de orientação geográfica, perder-me.

Ao anoitecer cheguei a uma pequena aldeia, perdida no meio de serras, que, como tantas outras aldeias neste país, foi ficando sem habitantes até à sua desertificação total. Como já começava a fazer-se tarde, decidi procurar se haveria algum local onde me pudesse acolher durante a noite, mas não tive sorte e acabei por decidir abrigar-me no carro.

O dia havia arrefecido e a noite estava gélida, não se ouvindo nada a não ser os sons dos animais que habitavam a floresta que circundava a aldeia. O sono demorava a vencer-me e acabei por cair naquele estado em que ficamos meio a dormir meio acordados. De repente, vindo do nada, ouço um grito de uma mulher, levanto-me sobressaltado e tento espreitar através dos vidros completamente embaciados, mas não consigo ver nada. Saio do carro e olho na direcção de onde me parecia ter vindo o grito e de repente ouço um novo grito, mas desta vez mais próximo de mim e vindo do meu lado direito. Olho assustado e vejo o que pareceu ser um vulto a correr na minha direcção. Aturdido tento perceber o que se está a passar e descubro que não é apenas um vulto, como me parecera inicialmente, mas sim vários vultos. Preparo-me para tentar fugir e de repente sinto-me preso e sou atingido por alguma coisa! Entro em pânico e… Acordo a suar e a gritar! Estava num autocarro completamente cheio de pessoas que me olhavam com um ar incrédulo, depois da triste partida que a minha mente me pregara durante um sono em que caíra no caminho para casa.