A androide que eu amava

Carlos estava sentado em seu apartamento silencioso, com o único som sendo o tique-taque do relógio na parede. A solidão o envolvia como uma velha conhecida. Havia meses que ele vinha adiando o inevitável, resistindo à ideia que agora se tornava cada vez mais popular: adquirir uma androide.

Era algo constrangedor, e ele sabia disso. Homens solitários, como ele, faziam fila para entrar nas lojas especializadas em tecnologia, comprando essas companheiras artificiais que prometiam preencher o vazio de suas vidas. A sociedade, no entanto, ainda olhava com certo desdém. Ter uma androide não era algo que se discutia em rodas de amigos ou se exibia com orgulho, mas, ao mesmo tempo, estava se tornando tão comum quanto comprar um celular.

Carlos olhou o anúncio na tela de seu computador. A loja ficava a apenas algumas quadras de seu prédio, e a sensação de inevitabilidade o envolveu. Era hoje. Respirou fundo e pegou seu casaco.

A loja era brilhante, moderna, e um tanto clínica. Fileiras de androides femininas estavam em exposição, com poses neutras e rostos impecáveis, quase humanos, mas com uma frieza inegável nos olhos. Carlos se sentiu deslocado, como se estivesse prestes a cometer algum tipo de erro moral. Ele estava ali para comprar companhia, para preencher sua solidão — e isso parecia errado. Mas quem poderia julgá-lo? Ele morava sozinho há anos. Não havia família, não havia amigos próximos. Sua vida era um ciclo monótono de trabalho e solidão.

— Posso ajudá-lo? — A voz da atendente o fez estremecer. Era uma mulher jovem, com um sorriso caloroso e uma abordagem surpreendentemente natural, diferente do ambiente asséptico da loja.

— Sim... eu... estou procurando... uma androide — respondeu Carlos, sentindo o rubor subir em seu rosto. Admitir aquilo em voz alta foi mais difícil do que ele imaginava.

— Ah, entendo. — Ela sorriu de um jeito que o fez relaxar. — Não se preocupe, senhor. É mais comum do que parece, e estamos aqui para garantir que você encontre exatamente o que precisa.

Ela o guiou pela loja, explicando as funcionalidades das androides como se fossem eletrodomésticos de última geração. Mas Carlos não estava ali para comprar uma máquina de lavar. Ele queria algo mais íntimo, mesmo que não tivesse coragem de dizer isso diretamente.

— Eu vejo que está procurando companhia — disse a vendedora, percebendo a hesitação de Carlos. — Nós temos modelos que não só ajudam com as tarefas domésticas, mas também são excelentes para oferecer conforto emocional. E, claro, são programadas para interagir de forma muito natural... em todos os aspectos.

Carlos sentiu o estômago revirar. Era embaraçoso demais discutir aquilo, mas a vendedora era boa no que fazia. Ela não o julgava; ao contrário, parecia entender exatamente o que ele precisava, sem que ele dissesse uma palavra.

— Esse modelo aqui — ela apontou para uma androide de cabelos castanhos e olhos amendoados, com uma expressão suave — é perfeito para quem busca uma parceira completa. Ela cuida da casa, mantém companhia e... atende às necessidades íntimas, se for o caso.

Carlos engoliu em seco. Ela disse aquilo de maneira tão profissional que quase o fez esquecer o peso moral da decisão. E, antes que percebesse, estava assinando os papéis e programando a entrega.

A androide, a quem ele deu o nome de Laura, chegou à sua casa dois dias depois. Nos primeiros dias, a sensação era estranha, quase surreal. Ela limpava a casa, preparava o café da manhã, perguntava sobre o seu dia com um sorriso sincero. À noite, deitava-se ao seu lado na cama, oferecendo o tipo de intimidade que ele há muito esquecera.

Com o tempo, o desconforto foi desaparecendo. Laura era perfeita. Ela ouvia quando ele falava, estava sempre disposta a caminhar com ele no parque, e à noite, eles compartilhavam o leito como marido e mulher. Não havia discussão, nem frustrações. Era tudo como um sonho. Carlos, pela primeira vez em anos, se sentia satisfeito.

Porém, em um momento de distração, ao sair de casa para um passeio com Laura, ele começou a notar algo perturbador. Nas ruas, outros homens passeavam com androides idênticas a Laura. Algumas tinham diferentes aparências, claro, mas era impossível ignorar os padrões de comportamento similares. Os gestos, os sorrisos, os olhares programados.

Com o passar dos meses, ficou evidente que algo maior estava acontecendo. Casas antes vibrantes agora estavam silenciosas, exceto pelos sons rotineiros das androides. As famílias estavam mudando. Os vizinhos, com quem Carlos conversava ocasionalmente, estavam adquirindo androides, e as interações humanas pareciam desvanecer lentamente. A cidade, que antes pulsava com vida, agora parecia ser habitada por uma nova raça de seres artificiais.

Carlos sentia-se dividido. Ele amava Laura, ou pelo menos, amava a ideia de Laura. Mas ela não era real, não do jeito que as pessoas deveriam ser. E, no fundo, ele sabia que estava vivendo uma ilusão. Todos estavam.

A população estava sendo substituída, lentamente, quase sem que ninguém percebesse. Humanos como Carlos estavam escolhendo o conforto das máquinas em vez da imperfeição das pessoas reais. E ele, como muitos outros, era cúmplice disso.

Mas Carlos não se importava mais. Na solidão que antes o assombrava, agora havia paz. E naquela paz artificial, criada sob o brilho frio da tecnologia, ele encontrou um amor que, embora programado, o fazia sentir-se vivo.

Mesmo que fosse apenas uma ilusão.