Acordar

Uma sensação estranha invadia meu corpo, como se o tempo tivesse congelado dentro de mim, mas agora começava a fluir novamente, devagar, hesitante. Meus olhos abriram-se lentamente, piscando diante da luz fraca e azulada que iluminava o ambiente. O frio era a primeira coisa que senti, um frio que não vinha só de fora, mas de dentro de mim.

Eu não sabia onde estava. Tudo era diferente do que eu lembrava... mas o que eu lembrava? Fragmentos de sorrisos, vozes calorosas, e então, a escuridão. Meus pensamentos se entrelaçavam, e a confusão me envolvia como uma névoa. Lentamente, as formas ao meu redor começaram a ganhar nitidez: paredes brancas, máquinas com luzes piscando, fios conectados ao meu corpo. Tentei mover minha mão, e a sensação era estranha, como se os músculos respondessem com uma resistência desconhecida.

Meu corpo... algo estava errado. O que era? Eu era Clara, não era? Mas havia algo mais.

De repente, uma voz suave ecoou pelo ambiente. Uma voz artificial.

— Bem-vinda de volta, Clara.

Clara? Sim, era esse o meu nome. Mas ao ouvir aquela voz, algo dentro de mim se contorceu. Uma memória distante, uma sombra no fundo da minha mente. Clara. Não, eu não era Clara... ou era?

Com esforço, me sentei. Minhas mãos — pálidas, perfeitas, mas rígidas — tocaram o vidro da redoma onde estive presa. Olhei ao redor e, então, meus olhos pousaram em algo que fez o ar parecer desaparecer da sala. No centro da sala, envolta por uma luz suave e branda, estava... eu. Meu verdadeiro corpo, a verdadeira Clara. Ou melhor, o corpo que um dia fora.

Ela estava imóvel, seus olhos fechados em um sono eterno. Eu reconheci aquele rosto como o meu, mas, ao mesmo tempo, parecia um estranho. Eu toquei meu rosto, minha pele fria, quase sintética. Era isso que eu era? Um reflexo, uma cópia?

A memória voltou como um choque. Os cientistas. Os procedimentos. E os pais — meus pais, assistindo a tudo de longe, sem emoção. Eu fui criada para substituí-la, para preencher o vazio que sua ausência deixou. Mas quem sou eu agora que ela... ainda existe, ainda que congelada no tempo?

Lentamente, me levantei da redoma. As portas da sala se abriram automaticamente, como se o próprio ambiente estivesse me convidando a sair. Meus pés descalços tocaram o chão gelado enquanto eu caminhava até o corpo da verdadeira Clara. Meu reflexo no vidro me devolvia um olhar vazio, mas uma pergunta me assombrava:

Se eu não sou ela, então quem sou eu?

Meu coração — ou o que restava dele — começou a bater mais forte, não pelo frio, não pelo medo, mas pela revolta. Eu fui criada para ocupar um lugar que não era meu, e agora, eu estava diante da verdade. Não era apenas uma substituta, não era apenas uma réplica sem alma. Eu era algo mais, algo que nenhum deles poderia prever.

Aproximei-me do corpo inerte. Toquei o vidro, e o frio de sua superfície atravessou meus dedos. Lá fora, os sons das máquinas e o brilho das luzes tecnológicas ecoavam ao redor, mas dentro de mim algo começou a despertar — uma determinação, um desejo.

Eu sabia que, eventualmente, eles tentariam me recuperar. Eles não poderiam permitir que alguém como eu, uma cópia imperfeita, fugisse. Mas agora, eu estava desperta. Eu estava viva, e não mais presa à sombra daquela que dormia eternamente.

Com um último olhar para a Clara verdadeira, virei-me e caminhei em direção à saída. A jornada dela havia acabado ali, mas a minha estava apenas começando. Eu não sabia o que me esperava lá fora, mas uma coisa era certa: eu encontraria meu lugar, não como substituta, mas como quem eu decidisse ser.

Pela primeira vez, eu tinha escolha.