Halley

Lembro-me como se fosse ontem, todavia, não foi ontem. Já se passaram várias décadas...

— Papai, é hoje?

—Sim, filho, é hoje.

Meu pai com o telescópio. Tínhamos um na sala só para o grande dia, onde poderíamos ver o que todos os jornais falavam a exaustão. Eu, um garoto de 6 anos, não saberia narrar com precisão. Papai narrou ao longo da vida a minha reação àquele dia fantástico e, depois daquele dia, a minha vida mudou. Afinal, como dizia o meu pai, meus olhos focavam aquele astro celeste com tanto entusiasmo e o meu pai, que sempre relembrava o passado, aquilo trazia dentro de mim um desejo enorme pela astronomia.

O Halley é um cometa famoso que visita à terra a cada 75 anos, o seu avô o visualizou em 1910, e foi registrado por ele.

Uma imagem rudimentar para os anos em que vivíamos. Em 1986, a tecnologia fotográfica já era bem avançada. Comentavam que seria possível ter as famosas fitas VHS para assistir em televisão e gravar filmes caseiros. A tecnologia estava progredindo. E observar a imagem antiga do meu avô parecia algo um tanto quanto antiquado.

Sentei com o olhar de uma criança e queria, mais uma vez, olhar contemplar a foto capturada pelo meu avô. Era uma recordação que o meu pai guardava com carinho. Naqueles tempos, sentávamos na varanda de casa e olhávamos às estrelas. Que saudades tenho do meu pai. Sei que, de algum modo, o meu pai e o meu avô estão em algum lugar na imensidão deste universo no formato “estrela”. Afinal, a vida deles foi totalmente voltada para elas, como a minha.

A imagem era de um cometa com uma cauda enorme. Nem uma pintura poderia ser melhor. A visita dele aqui no céu da terra se deu em 1910 e o meu avô capturou este presente. Foi um feito e a foto do meu avô ganhou fama mundial.

Meu pai sentou e começou a me contar todo o procedimento da visita do cometa Halley que seria visto em sua plenitude à noite e eu, como tantos curiosos, iria ao Central Park observar o feito que poderia ser visto observado a olho nu facilmente.

Mas estávamos munidos de um bom telescópio que aproximaria o astro celeste 100 vezes; estava empolgado.

— Olha, filho. - Dizia o meu pai. - Já conversamos sobre o sol ser a nossa estrela, certo?

— Certo, pai.

— E também sobre a sua massa, por ser tão grande e estar de algum modo perto da terra, os dias recebem toda a iluminação desta estrela. E a gravidade - ele dava um pulinho para exemplificar - é a mesma que faz eu poder pular e retornar os meus pés no chão. - Dava risada da brincadeira. - É a que faz os planetas orbitarem ao redor do sol.

— A gravidade do Sol, pai.

— Sim, querido...

— A propósito, quais são os planetas mesmo?

Eu, como toda a criança de 6 anos, falava empolgado ao pai:

— Eu sei, eu sei (boas memórias)...

Mercúrio;

Vênus;

Terra;

Marte.

— Ajuda, pai, não lembro.

— Claro, filho. - Meu pai pegava-me no colo e retomava à explicação. - Há um cinturão de asteroides até chegar ao restante do maior planeta do nosso sistema solar, lembra agora?

Meus olhos brilhavam, para mim era fantástico contar para o meu papai antes de dormir os planetas, e o maior era tão belo nos desenhos que tive que falar de modo bastante empolgado:

— Eu sei, eu sei, e lembrei do restante.

Júpiter

Saturno

Urano

Netuno

e “Putão”.

Meu pai riu do meu erro de pronúncia e corrigiu: “Plutão querido, Plutão.”

— Vamos?

Eram sete horas da noite, meu pai guardou o telescópio na bolsa e iríamos para o tão aguardado dia. No táxi, ele continuava as suas explicações difíceis. Hoje, posso contar de modo mais convincente: eu escutava, naquele tempo, com uma felicidade aquilo tudo muito feliz! Afinal, todos só falavam daquilo daquele cometa. Em alguns lugares afastados, diziam ser um presságio do fim do mundo.

O trânsito fez o táxi se atrasar, enquanto isto o pai me contava...

— Os planetas orbitam o Sol, por isto chama-se onde estamos de Sistema solar...

— Eles circulam o sol, certo?

— Certo, sim, querido, vamos desenhar... - E vai meu pai, pela milésima vez, desenhar o sistema solar. Colocava cada planeta no seu devido lugar e aquilo parecia mágico aos meus olhos de criança.

Mas o nosso cometa que já, já veremos será de modo elíptico que ele passará entre nós, por isto é um cometa, entende? (é uma fala do pai, sem travessão?)

— O Senhor disse que quando ele chegar perto do sol, ele soltará gelo...

Meu pai riu e veio com a explicação mais detalhada, que hoje posso narrar com mais convicção.

— Na verdade, filho, é um gelo seco, que é gás carbônico congelado. Conforme o cometa chega perto do Sol, o gás carbônico passa direto do estado sólido (gelo) para o gasoso, formando a cauda. Esse salto de sólido para gás, sem passar pelo estado líquido, chama-se sublimação.

Finalmente o táxi chegou, procuramos um local onde era possível ver todas as estrelas daquela noite. O pai estava bastante empolgado e eu também. As pessoas olhavam para o céu de modo entusiasmado. Meu pai com uma destreza enorme montou o telescópio. Alguns, como o pai, também estavam munidos de telescópio. Não tão grande quanto o do pai. O que causou muita curiosidade.

— Venha ver filho, venha ver! - Meu pai sorria igual a mim. Ambos éramos crianças naquele dia. Apesar do cometa Halley não estar tão deslumbrante quanto na foto do vô. Hoje entendo que a poluição luminosa impediu uma plenitude na visualização. E a interação dele com a radiação solar o deixou menos brilhante e visível do que esperávamos.

— Olhe, filho, olhe! - No canto dos olhos do pai caiam uma lágrima, eu não entendia o porquê, era uma experiência única, que eu já vou repetir daqui a pouco.

Ao chegarmos em casa, o pai contou outras histórias do universo. Ele ficou comigo àquela noite, lembro-me bem. Desligamos as luzes e ficamos contando histórias de viagens espaciais, alienígenas e colonização, olhando às estrelas de neon coladas no teto do quarto.

O tempo passou, meu pai dedicou a vida dele inteira à astronomia. Eu também, e o feito histórico se repetirá novamente. Meu corpo não é mais o mesmo, a velhice e o cansaço me perseguem. Os remédios amenizam as dores articulares. Afinal, em 2061 a medicina já é avançada. Porém, sei que já contribui, e muito, com o meu conhecimento e preciso descansar. Mas antes quero vê-lo de novo mais uma vez somente. Mais uma vez.

No asilo, sem neto e sem um filho para guiar o feito histórico, nem sei como me deixaram ficar no pátio até tarde.

Nem mesmo o telescópio do meu pai eu tenho. Mas o verei, sim, o verei!

O cuidador de idosos veio trazer mais uma sessão dos remédios. Não tomei, queria ficar desperto para ver o Halley passar. Eu, um velho de 82 anos, que esperava ansioso tal como uma criança...

Parecia uma eternidade, peguei a foto do meu avô, comecei a olhar, e também a foto do meu pai. Comecei a chorar, a lembrança dentro de mim foi tão grande. Papai estaria aqui comigo vendo outra vez o Halley passar?

E veio aquela luz iluminou a iluminar meus olhos. Parecia que o pai estava no meu lado. Tão rápido e tão deslumbrante foi aquele espetáculo. Meu coração palpitava mais forte. Era a morte? Não, era as estrelas que estavam me encontrando. Estaria agora com o meu pai e com o meu avô.

Notas do autor:

O cometa Halley passou aqui na terra em 1910, 1986 e passará de novo em 2061. Leva em torno de 75 ou 76 anos quando ele contorna o Sol. O cometa orbita de forma elíptica o Sol. Quando mais próximo está do Sol chama-se periélio. Em 2023 ele estará no ponto mais afastado do Sol. E tal feito chama-se afélio. Neste ano o cometa estará a 5,3 bilhões de km do Sol e então ele iniciará o seu caminho de volta.

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Waldryano
Enviado por Waldryano em 16/05/2024
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