Não se Esqueça (A Experiência pt.2)

Qual é a lembrança mais antiga da sua infância? Você consegue se lembrar do dia em que nasceu? Consegue puxar da memória coisas até mesmo anteriores esse dia? Pois é, por mais estranho que pareça, eu não só consigo me lembrar, como ultimamente essas lembranças têm se tornado cada vez mais vívidas. Loucura, não é?

O mais bizarro é que eu me lembro de estar consciente desde o início e achando engraçado o fato de ter nascido outra vez, como se já tivesse vivenciado aquilo antes. Isso me fez lembrar a teoria daquele cara bigodudo que todo mundo zoa na internet de que o universo é cíclico e que, de eternidade em eternidade, todos os eventos se repetem, infinitamente, de modo que tudo o que fazemos acontecerá de novo e de novo por todo o sempre. Não acha isso assustador?

E vou mais além. Consigo me lembrar de alguns detalhes bem específicos do meu nascimento. Por exemplo, o momento em que o FDP do médico esmagou o meu crânio para me puxar para esse mundo de merda. Eu fiquei muito puto! Parece que eu estava na posição errada, por isso o filho da mãe me fez girar lá dentro, me deixando de ponta cabeça. Eu não queria sair; estava quente e confortável lá dentro - e também estava com preguiça e preocupado se o FDP do doutor iria fazer o serviço direito. Estava com medo dele não conseguir... Mas, pelo menos deu tudo certo. Ou quase isso.

Logo depois, quando eu saí, me lembro do cara cortando o cordão umbilical e aquilo doeu e ardeu para cacete. Além disso, as minhas pálpebras eram bem fininhas e a intensidade da luz da sala de hospital estava muito forte. Eu fazia força para fechar os olhos e amenizar o desconforto. E, se isso ainda não bastasse, estava frio para porra e eu estava tremendo muito por que estava pelado. Seria muito mais fácil se a gente já nascesse com roupa e um cobertor. Um sobretudo seria maneiro. Ou se desligassem o ar condicionado e no lugar botassem um aquecedor já seria um avanço.

A minha lembrança mais próxima dessa é a de eu estar no berçário, numa incubadora. Lembro-me da sensação desconfortável de ter sido carregado - pois estava balançando muito -, e depois, cansado eu peguei no sono, acordando horas depois. O meu primeiro esforço foi no sentido de tentar abrir os olhos, o que levou um baita tempo. Reaprender tudo do zero exigia certo esforço, pois o corpo não respondia direito aos meus comandos. No entanto, lembro-me do cheiro do lugar e de uma pulseira que estava no meu braço direito me incomodando. Eu tentava tirar aquela porcaria, mas nem tinha jeito. Aqueles dedinhos miúdos e gordos eram desengonçados demais. Cheguei a chorar de raiva por conta daquilo. Que vergonhoso!

Mas, enfim, eu dormia bastante nesse período inicial, então, não existe nenhuma aventura muito digna de nota até a minha liberação e transferência para a minha nova casa. Ali realmente foi quando comecei a minha saga de "reabilitação", onde treinei o meu novo corpo para que se desenvolvesse e se tornasse independente e autossuficiente outra vez. Devo dizer que isto requereu muito trabalho...

Faz-se necessário abrir um pequeno parêntese para compartilhar uma preocupação que eu tenho. Parece um fato extraordinário que eu ainda me lembre de tanta coisa desse período das minhas primeiras semanas de vida. Garanto a vocês que estou sóbrio neste momento, mas me pergunto se isso tudo é real, ou se estou ficando totalmente biruta. Todas essas lembranças aconteceram de verdade, ou são falsas memórias que a minha mente criou ao misturar experiências e sonhos recentes? Tudo isso é no mínimo curioso. Nem Freud explica essa merda.

Voltando ao processo de adaptação, consigo me recordar de muitos detalhes vividamente. Na minha nova casa, a hora do banho era sempre um terror. Minha mãe quase me afogava jogando água no meu rosto e nariz. Eu tentava não chorar, mas eu não podia fazer nada. Geralmente, ela usava alguma erva (cidreira e camomila) na água, pois ela tinha uma cor alaranjada e o aroma característico. Mas também havia vezes, um pouco mais tarde, em que ela usava aquele Johnson & Johnsons na água e ela ficava com aquele cheiro de talco. Mas esse era o pior, por que aquela droga quando caía no olho – e sempre caía no olho - Ardia para um caralho! Só não era pior do usar Mertiolate na minha fase de criança, mas não vou me focar neste período, pois acredito que quem viveu essa época se lembra MUITO BEM dela.

Uma das últimas lembranças que eu tenho dessa fase, é que eu me concentrava em manter a minha consciência e pensamento originais mesmo que ainda fosse incapaz de falar, andar ou de fazer qualquer coisa sozinho, na esperança de que - quando pudesse fazê-las de forma independente - eu estivesse adiantado em relação às tentativas (existências) anteriores e pudesse retomar a minha "missão". O problema era que estava demorando muito, isto é, levariam anos até eu atingir a vida adulta e ser capaz de fazer isso. Por isso, a fim de poupar energia, eu havia decidido que deixaria os meus pensamentos se desvanecerem, guardando-os no fundo do porão da minha memória, no subconsciente, e tentaria acessá-las em algum momento mais tarde. Assim, a última coisa que lembro é de estar tentando memorizar algum comando ou algum gatilho que me fizesse "despertar" quando fosse a hora, isto é, em algum momento chave que eu deveria agir. A minha motivação ou ideia, pelo que me lembro, era mudar alguma coisa ou tentar fazer algo diferente. Não me recordo exatamente o que era, mas sei que fiquei repetindo várias vezes na minha cabeça que eu tinha que me lembrar, pelo menos DISSO.

O que era essa coisa que tinha que me lembrar? Eu não tenho certeza, embora após um determinado evento na minha experiência recente eu tenha sentido aquele "Click" de que hora tinha chegado, mas eu deixei este momento passar e agora perdi o timing. Aquele não era o único ponto importante que eu deveria atuar, alguns desses pontos chave ainda não chegaram e embora eu não saiba ainda quando ou o quê exatamente me aguarda, aqueles "Clicks" continuam estalando na minha cabeça quando a hora chega. Sinto que um deles está bem próximo e eu estou me preparando para isso. Ou melhor, o correto seria dizer que "Nós" estamos nos preparando.

Vou explicar. Imagino que a maioria das pessoas não acredite em vidas passadas, a não ser de um ponto de vista religioso ou espiritual etc. Mas, desde que eu nasci e até mesmo antes disso, eu me lembro que já estive por aqui antes, porém com outro estágio da mente. Pronto, agora vão me acusar de ter cheirado uma da boa e já vão contatar a assistência social. Está bem, eu admito que dou uma tragada de vez em quando, mas é com responsa! Nunca fico doidão! Quer dizer, só às vezes, mas nada que me fizesse ter uma viagem tão louca quanto essa droga de realidade. O fato é: Quando você volta e nasce de novo depois de já ter existido uma vez a sua consciência continua viva em algum lugar. Daí quando você vira bebê uma coisa nova nasce com você junto com a antiga. As duas personalidades, as duas mentes coexistem e se influenciam mutuamente. É por isso que mesmo com a mente de um adulto escondida lá dentro você ainda apronta e age como criança. A voz interior da sua razão continua lá, mas o corpo evolui por si só e acaba suprimindo uma parte de você. Por isso, quando eu falei que iria "despertar" quando virasse adulto estava me referindo a isso. Compreende onde quero chegar?

Com a maioria das pessoas o processo é assimilatório. A mente antiga é absorvida e jogada no porão do subconsciente para sempre – ou até o próximo "NEW GAME +". Assim o psicológico dela não entra em conflito. Mas, existem casos raros como o meu onde a mente não se mistura e nem se sobrepõe a outra e as duas versões de você convivem harmonicamente. Elas até cooperam entre si e elaboram planos e estratégias juntas. A fase da vida que determina o papel e a relevância que cada Persona irá ter é sem dúvidas a adolescência. Como é maravilhosa toda aquela agitação, os hormônios pululando e doutrinando o seu cérebro a não pensar em nada além de sexo e putaria. Sem falar nas espinhas explodindo na sua cara do tempo todo que nem pipoca. Mas, é nesse período turbulento que a personalidade se estabelece e se fixa no sujeito.

Você às vezes tem a sensação angustiante de estar fazendo alguma coisa errada ou desperdiçando o seu tempo com algo que não deveria? Um sentimento de urgência que surge do nada e você fica tentando descobrir depois o que precisa fazer? Isso pode estar relacionado a essa nossa consciência interior, guardada dentro do inconsciente, porém, essa é apenas a minha teoria.

Não sou cientista e nem tenho o menor interesse em usar aqueles jalecos brancos ridículos que te fazem parecer intelectual. Mas, li alguns artigos na internet dizendo que um bebê, ainda na barriga da mãe, já é capaz de aprender algumas coisas, porém, o desenvolvimento do hipocampo (responsável pela memória) só é completo por volta dos dois anos e meio de idade - o que torna a experiência ainda mais intrigante, já que existem mais relatos como o meu por aí.

Quanto a minha missão... Eu não sei ao certo. Contudo eu acabei de me lembrar do "gatilho" que eu me auto induzi a lembrar na minha infância enquanto deveria esperar a minha fase adulta chegar. Era uma simples frase, mas um sentimento perturbador tomou conta de mim agora e acredito que você também deva levar em alta consideração. A frase do despertar era exatamente o seguinte: "O que são alguns anos de espera para quem passou toda uma eternidade esperando no vácuo, no vazio?". É perturbador pensar na possibilidade de a consciência continuar existindo após a morte, vagando pelo universo até o seu fim daqui a bilhões de anos e reinício de tudo - um processo de, no mínimo, zilhões de anos ou talvez muito mais. Que consciência seria capaz de suportar o infinito quando mal conseguimos esperar alguns minutos na fila do mercado? E depois de tudo você voltar com a mente marinada e chafurdada pela eternidade para viver outra vez um breve instante de existência. Uma pausa em um tormento inimaginável.

Acredito que a minha missão, não, a nossa missão nessa bolinha de gude azul interespacial ficou muito óbvia agora, não acha? Que tipo de vida você deseja viver nas suas férias existenciais? Viver afundado na merda e na solidão pagando uma de fodão? Cara, se você não pegou a ideia ainda não sei mais que palavras poderiam te convencer a não desperdiçar a sua vida vivendo uma vidinha clichê. Estudar, trabalhar, comer, cagar, trepar, dormir, repetir tudo outra vez. Que porra de vida é essa? O mundo é uma oportunidade extraordinária e efêmera demais para se desperdiçar. Como diz o filósofo bigodudo que a internet ama: "Se não for pra viver uma vida que você irá querer repetir indefinidamente por toda a eternidade, é melhor ir se foder" – ou mais ou menos assim.

Arthurx
Enviado por Arthurx em 30/09/2023
Reeditado em 01/10/2023
Código do texto: T7897822
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