A Despedida,
O Triste som da Sinfonia...
(um conto musical, escute a música através dos links inseridos no título das sinfonias)
Eu olhava para ela e compreendia o quanto estava sofrendo, a demência seria isto? O que se passava dentro daquele pensamento? Esquecimento…
Era ela a minha mãe.
— Você precisa levá-la para o Abrigo, dizia a minha esposa através do nosso código criptografado telepático neural.
As crianças brincavam na sala.
Era inevitável, nem mesmo a Andry era capaz de cuidar dela como deveria. Sendo uma decisão que precisava tomar e deste modo, somente eu que necessitava fazê-lo. Um peso nos meus ombros.
— Você sabe que o lugar dela não é aqui, deixamos por muito tempo, nossa casa não tem as condições necessárias para uma Senhora que passa pelo processo degenerativo como este. Sei que é a sua mãe, todavia, até mesmo a minha foi para o Abrigo. Lembra? É o melhor a se fazer.
Nossa conversa neural era algo novo nestes novos ‘uploads’ tecnológicos, entretanto aquela maneira de compartilhamento ajudava na discrição tão importante nos nossos dias.
Mesmo assim relutei, aguentei com todas as forças àquela tormenta. Ela derrubava as coisas pelos corredores, a Robô mesmo que eficiente, por vezes, errava no entrelaçar da fralda e logo sujava a casa. E os gritos insuportáveis. Era a demência que acometia ela e apavorava a casa. Realmente a minha companheira tinha razão. Assustava as crianças e eu precisava tomar alguma providência. Ou seja, a única solução. Levá-la para o abrigo.
E fomos. A chegar ao local fomos recebidos por um holograma.
— Boa tarde, já fizemos a reserva, paciente 23456, conforme o protocolo.
— Boa tarde Senhor, sim realmente ela será bem assistida, e terá uma melhora significativa nas suas qualidades vitais. Antes passaremo-na pela triagem quer conhecer a Clínica? Enquanto as adaptações serão feitas?
— Sim Claro. Realmente era muito estranho falar com uma Inteligência artificial. E o local era silencioso e vazio. O Triste fim da minha mãe estaria se aproximando. Ou seria o começo de uma nova vida para ela?
Ao transitar pelo local, observava um branco absoluto. Há um imenso corredor e vários magazines onde estariam pessoas como a minha mãe, guardada. Para o sempre absoluto daquela Clínica silenciosa. Tocava a Nocturne op.9 No.1 isto eu conhecia. Chopim; as condições do ambiente já pareavam as minhas preferências musicais.
A minha esposa era amistosa, dizia ser um local bastante agradável e bela arquitetura, logo, a minha mãe estaria em boas mãos.
Comecei a chorar e não conseguia transpor o choro. A música ajudou neste processo. A minha esposa me abraçou e disse:
— Calma, lembre-se que os meus pais se encontram aqui.
Chegamos para os trâmites finais do depósito, sendo este, o possível adeus a minha mãe.
— Olá, feito a triagem, parece que os sinais vitais, estão preservados, já os neurológicos precisarão de muito reparo. Ela é uma pessoa adorável.
Olhei para ela em meio aquela redoma de vidro, estava preparada. Ela me olhava de modo estático. Sentia-me o pior traidor do mundo. Estaria entregando a minha mãe ao esquecimento.
O Doutor, possivelmente um androide, todavia parecia-me muito um humano pelos modos e a vitalidade; então disse:
— Não se desespere amigo, a tecnologia esta bastante desenvolvida, há relatos de testes onde a regeneração já foi possível, e a reestruturação das condições vitais e neurológicas tornaram pessoas a sociedade, não é o fim, é um depósito que esta fazendo. Sua mãe, como todos os pacientes aqui. Estão confortavelmente guardados esperando o futuro.
Olhava para a minha esposa com um semblante polido. Perguntei a ela o que achava daquilo tudo. Ela disse que era a única alternativa.
Pensei ser estranho a ela nem querer ver os pais, afinal, já se passavam anos que estavam depositados na Clínica.
O Doutor, disse: — Nosso tempo esta se findando, conforme o protocolo que assinastes, precisa despedir-se logo, acompanhar a manutenção na 'neuro-net’. Preciso da sua impressão de íris com consentimento para seguir para o próximo paciente.
— Assine logo, amor, precisamos buscar as crianças na escola.
Fui novamente na redoma, olhava para ela que ainda me observava, quieta, nua, em meio aquela cama. Iria ser depositada em um arquivo e estaria vivendo uma nova vida.
O Androide Robô, ou sei lá o que disse: — Trabalharemos com afinco, para que as condições neurais sejam reestabelecidas, todavia dependem dos fragmentos de suas memórias, há relatos de reestruturações, entretanto, cada caso é um caso.
A música trocava ao fundo Frédéric Chopin: Nocturne in E-Flat Major, Op. 9, No. 2
Eu sentia-me no lugar dela, algum dia seria meus filhos me depositando naquela Clínica, era inevitável, e sim o ciclo.
Tive a audácia de perguntar.
— E se for possível a recuperação? Onde ela ficará?
O Androide, encaixava a redoma, conectando os cabos que se interligariam a minha mãe. Disse-me: — Já deves saber, em uma realidade alternativa, onde estará esperando o futuro. Preservaremo-na até la.
Contemplei a frente, caiu uma lágrima dos meus olhos, olhei para ela pela última vez, parecia que coincidia com o final da sintonia, que só eu escutava, devido as minhas preferências, musicais respeitadas, naquele mundo perfeito que se instaurava.
Minha esposa apertou a minha mão. O consentimento se fez. A íris autorizou.
Olhava para o processo.
Na têmpora de minha mãe grudou uma espécie de sangue suga tecnológico.
Os olhos dela vibraram.
E tubulações iam grudando, em cada vértebra de sua coluna.
Eu quis ir socorrê-la.
O androide, segurou a minha mão dizendo. — É indolor o processo, não se preocupe.
A minha esposa por mais cética que parecia ser, chorou também, colocando a mão na boca estanquindo o susto.
Os fluidos entraram na redoma. Que parecia ser perfeitamente encaixável ao seu corpo, estava eu entregando a minha mãe ao esquecimento.
Os olhos dela pareciam estáticos até então; entretanto antes de fecha-los e ficar com aquele semblante feliz e sereno. Ela me olhou e naquele instante parecia ter retomado todas as condições, assim senti.
Foi desesperador aqueles últimos segundos de despedida.
A máquina que levaria ela; pelas tubulações até o refratário de armazenamento foi rápida.
Aquele Doutor, Androide, ou sei lá o que disse:
— Paciente 23456, entregue com sucesso. Tenha um bom dia.
A despedida foi mecanizada, o sentimento foi uma sintonia, voltei para a minha casa, e observei meus filhos crescerem, monitorando a redoma remotamente, era uma rotina. Até então, o tempo passava, e um dia, como os demais esqueci de monitorar, a vida foi passando meus filhos foram crescendo. A minha mãe estava depositada no Abrigo. Senti uma repudia, não quis mais saber, o que a tecnologia prometera, não se concretizava nunca, eram muitos acontecimentos bélicos para ocupar o espaço naquele nosso futuro. O interessante é que estaria eu sendo o próximo a ir ao Abrigo. Não queria permitir, estaria eu tentando de todos os modos me comunicar com os meus dois filhos, o meu olhar era de reprovação. E aquele robô me prendia, naquela redoma. Estava vivo! Pelo amor de Deus me suportem!
A íris olhou para mim, ela sorriu, a minha filha parecia decidida.
O projétil que outrora via na minha mãe veio a minha têmpora.
Senti como um formigamento.
O líquido entrou na redoma, era frio.
E cada tubulação grudava nas minhas costas, estaria eu adentrando ao esquecimento, sentindo o triste som da sintonia que tocava...
Sem revisão.