AS CHINELAS II
Não, eu não estava com os cabelos, branco azulados, o que me causou estranheza, foram, as benditas chinelas, chinelas rústicas, exatamente do tamanho dos meus pés, fiquei por horas a fio, pensando naquilo, e também, por qual motivo, eu tinha tido a mesma experiência de todos os outros, e não estava de cabelos, branco azulados. Comecei a achar que, tinha apenas sonhado, ou delirado, tudo aquilo, mas, sabia que era verdade, segui minha vida como se nada tivesse acontecido, nem dei conta de contar nada, pois quem iria acreditar, mas, eu vivenciara, e isso tudo, estava me intrigando. Depois de alguns meses, olhando e observando aquelas benditas chinelas, tomei uma decisão, doida por sinal, pedi demissão, abandonei tudo, vendi tudo o que pude, levei apenas, as minhas roupas, som portátil, meu computador, comprei um novo celular, roupas de cama e mesa, meu travesseiro preferido, e parti de novo, para a pacata e insólita, cidadezinha no interior goiano. Não sabia bem, o que iria procurar, respostas, é claro, mas, a curiosidade, me tomou por inteiro. Lógico, que na mala, estavam as chinelas, afinal, eram a mais firme e real lembrança palpável, nessa situação toda. Ao chegar lá, procurei logo, uma casinha pequenina para alugar, com sorte, encontrei logo uma, bem pertinho do meu antigo quartinho alugado, era de apenas um quarto, uma pequena saleta, um banheiro confortável, e uma cozinha, que já possuía fogão, geladeira, pia com armários e uma mesinha pequena para quatro pessoas, o preço era ótimo, e no pequeno armazém da cidade, o dono que já me conhecia, me vendeu uma cama de solteiro, um sofá de 02 lugares , um criado mudo e um arremedo de luminária, tudo usado, mas, em bom estado, o preço foi negociado amavelmente, pois, ainda precisava arranjar um trabalho, minhas reservas, e o que consegui amealhar com as vendas dos meus pertences, não iriam durar para sempre, como não sabia mesmo cozinhar, abasteci a despensa, de coisas práticas, açúcar, ovos, manteiga, leite, café, legumes enlatados, macarrão instantâneo, mortadela, queijo, pão, material de limpeza e higiene, comprei também uma panela e uma frigideira, e o dono da venda, me deu alguns talheres e acessórios de cozinha, pois há muito tempo, não fazia uma venda tão boa, e, simpatizara comigo. Banhado, casa arrumada, fui em busca de um trabalho, qualquer que fosse, não tinha muitos luxos, apenas para me manter por lá, o tempo que, nem eu mesmo sabia, quanto seria. A oportunidade, apareceu, meio sem querer, esbarrei na vendinha, onde fui perguntar, se alguém estava oferecendo trabalho, com um senhor muito falante de nome Alcebíades, que era dono da única pousada da cidade, um terreno com seis chalés, simples, mas bem arrumadinho, que habitualmente, atendia aos passantes, que pernoitavam, alguns turistas que apreciavam as águas de lá e o sossego da cidade. Ele disse, que não podia pagar muito, mas, se eu estivesse interessado, poderia ficar na recepção, o serviço era simples, e a moça que já trabalhava com ele, iria me ajudar, até que eu me adaptasse, receberia por semana, e se a pousada estivesse vazia, todos os empregados tinham folga. Então nos entendemos, e eu começaria no dia seguinte, pois era um final de semana e já eram esperadas, duas famílias e um casal, para hospedagem de três dias. Eu então, aproveitei para andar pela cidade, conhecer outros lugares, comer frutinhas pela estrada, e talvez visitasse a neta do advogado. Nem bem, comecei a minha caminhada, me deparei com um menino, já um rapazola, de seus 14 anos, de cabelos curtos branco azulados, e a minha curiosidade, não deixaria que o menino passasse, sem tentar um dedo de prosa, e, como todos, naquela cidade, eram simpáticos, logo começamos a conversar. Contei o que havia acontecido comigo, e não lhe causou espanto, então ele me disse, que com ele, havia ocorrido, algo semelhante, ele estava pegando frutas de uma árvore na estrada, estava descalço, pois tinha o hábito de andar assim, de shorts e camiseta, quando de um repente, viu uma luz branca se aproximando, se aproximando, e ela o foi levando pra cima, nu, e apareceram chinelas de couro rústico em seus pés, três dias depois, após muito o procurarem, ele apareceu, desacordado, e meio abobado, na frente do sítio do seu pai, nu e com as benditas chinelas, demorou uns dois dias, para contar a sua história para a família, e claro, estava de cabelos branco azulados, mas, tantas pessoas, naquela cidade goiana, já haviam passado por isso, que no dia seguinte, ele era apenas mais um, de cabelos branco azulados. Eu ainda não entendia, como isso, não aparecia na mídia, era como se a mesmice, fizesse tudo parecer normal, e não era. Nos despedimos, e eu segui meu caminho, me deparei com uma árvore cheia de mangas, e elas pareciam apetitosas, me equilibrei em um galho, colhi duas e fui saboreando, pela estrada, estavam realmente bem doces. Passei próximo a um sítio, bem ajeitadinho, por sinal, as pessoas lá criavam porcos, haviam muitos no terreno cercado, e a casa principal ficava ao fundo, não era muito grande, mas, branquinha e toda avarandada, como quase todas por lá, fui me aproximando, um cachorro negro e vigilante, foi seguindo meus passos com o olhar, ele não parecia feroz, mas, melhor não arriscar, fui seguindo pela cerca do sítio, até que um casal de cabelos branco azulados, me deu um olá, e me aproximei mais da cerca, e o cachorro, continuava acompanhando meus passos, com o olhar atento. O casal se aproximou, me apresentei, e claro, que a conversa não poderia ser outra, as chinelas e os cabelos branco azulados, eles estranharam que eu também, não estivesse de cabelos branco azulados, todos na cidade, que passaram por alguma experiência parecida, estavam assim, e eu mesmo, também não compreendia. No caso específico deles, foram levados pela luz, juntos, e apareceram da mesma maneira, seminus e de chinelas, eles pelo menos, diferentemente das outras pessoas, com quem conversara, continuavam intrigados, com o episódio, e investigaram bastante, mas, nada foi descoberto. Uma limonada pra cá, um carinho no cachorro pra lá, era manso, afinal. Um biscoitinho de nata, prosa vai, prosa vem, resolveram unir forças, e sempre que eu estivesse de folga, iríamos, atrás de respostas. Os nomes deles eram, Aurora e João Pedro, mas, só o chamavam de Noca dos porcos, por causa da criação. Nos despedimos, já estava anoitecendo, e a estrada, ficava escura, melhor, catar o caminho de casa, e dormir, amanhã era meu primeiro dia de trabalho, e não podia fazer feio. Quando me deitei por fim, apaguei todas as luzes, e meu quarto continuava iluminado, que coisa mais estranha, pensei, abri a janela, para ver se a noite estava enluarada, mas, não estava, sai pela porta e olhei para a casa, a luz iluminava, dentro da casa, mas, não clareava o exterior, comecei a ficar preocupado, será que seria abduzido de novo, voltei para dentro, rondei todos os cômodos, e não consegui saber de onde vinha aquela luz branca, deitei, fechei os olhos, e tentei não pensar naquilo, até parece que conseguiria, mas, enfim, tentei. Não abri os olhos por nada, mas senti que estava flutuando, nu, e eu deitei de cuecas, olhei para os meus pés, e nada, estava descalço, do nada adormeci, acordei, com batidas na porta, insistentes batidas, fui meio trôpego, ver quem batia, e causei espanto ao meu novo empregador, ele disse que ficou preocupado, já era segunda-feira, e eu não havia parecido, perguntara na venda, e ninguém, tinha me visto, ele me olhava espantando, e eu não sabia o que tinha acontecido, convidei-o a entrar, ofereci um café, e me dei conta que estava nu, me desculpei, corri para colocar uma roupa mais decente, e quando passei pelo espelho do banheiro, quase caí no chão, eu estava com os cabelos branco azulados, que coisa mais louca, não me lembrava de nada, não tinha fome ou sede, contei para ele o que havia acontecido, ele me ouviu com toda a atenção, e disse, que hoje em dia, ele era careca, mas, há alguns bons, dez anos passados, seus cabelos também eram branco azulados, pois passara por uma experiência semelhante, no mesmo lugar, onde construíra, a pousada, e como eu, ainda guardava, as benditas chinelas. Nos despedimos, ele me aguardava para o trabalho no final da tarde, e ficou por isso, essa minha incrível experiência. Não vou me alongar demais, pois a história, seria repetitiva. Já se passaram, quinze anos, desde minha segunda chegada, ao interior de Goiás, nada mudou, na pequena cidade, fiz grandes, brejeiros e cordiais amigos. Me tornei sócio e casei com a filha do meu antigo empregador, Rosália, uma linda moça doce e delicada, de belos e longos cabelos....negros, tivemos um lindo casal de filhos, Ema e Jadir, hoje com 10 e 13 anos, ambos adoram vestir as chinelas, de suas experiências fantásticas. Nada foi descoberto sobre a luz, as chinelas ou sobre, os cabelos branco azulados. A vida segue pacata e morna, no interior de Goiás, apenas, a cidade anoitece com uma luz clara, que permanece sobre a cidade, por quase toda a madrugada, e quando vai embora, chinelas aparecem em lugares diferentes a cada dia, mas, quem sabe, um de meus filhos, não escreverá um dia, uma outra história....
Cristina Gaspar
Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 2015.