Às Margens do Calmo Regato
A chuva cai serena na relva verde por toda a redondeza, e desliza mansa no telhado colonial antigo da
casa de minha grande amiga Vivian. Resolvo passar uns dias das minhas férias aqui, para respirar um pouco esse ar puro do interior. Nos dias ensolarados, nos reunimos todos perto de um grande lago, e passamos a tarde todinha regados a muita cerveja e carne na brasa. Mas quando as nuvens escurecem lá perto das grandes montanhas, e vem trazendo em sua bagagem vórtices de águas, não há muito o que fazer. Reunimos todos os amigos no centro da varanda, e ficamos horas jogando conversa fora, em meio às cartas de baralho. Sinto uma paz de espírito tão grande com os pequenos sons que os pingos fazem, depois de despencarem desordeiros das pontas esbeltas de folhas de goiabeira.
Acordo de madrugada, com o barulho de carroças indo em direção ao trabalho árduo nos cafezais, que ficam um pouco longe daqui. Levanto um pouco inquieta, pois ainda não me acostumei com essa rotina. Aproveitando, sigo ainda sonolenta pelo corredor, e vou até ao filtro que fica em cima da mesa, para tomar um copo de água. Depois volto em meio a bocejos para o quarto. Deito em minha macia cama, e adormeço novamente.
Amanhece, e os poucos raios solares já invadem o meu quarto, atravessando as cortinas. Sinto um cheiro impecável de café. Provavelmente torrado e moído aqui mesmo nos arredores. De imediato, me levanto da cama, abro a porta do quarto, e caminho direto para a cozinha. Vivian prepara o lanche da manhã para o seu esposo Marcus, que já de saída para o trabalho, beija-a carinhosamente a têmpora. Me dá um bom dia, e se vai.
O sol meio acanhado por de trás das muitas nuvens, cria coragem e desponta de vez nesse céu cinza claro. Eu aproveito essa gostosa manhã para ajudar nos afazeres da casa. Depois de executada as tarefas, resolvo ir até à vendinha do Nicolau, para comprar alguns mantimentos para a casa, a pedido de minha amiga.
A casa de Vivian é bastante confortável e bem distribuída. Possui um quintal enorme com uma modesta piscina nos fundos. Um grande criadouro de peixes perto da cerca. E um fantástico jardim recheado com as mais exuberantes flores. Só que para mim, o ponto forte não é nada disso que descrevi. O que eu mais aprecio na casa, é a parte do terraço. Lá de cima eu fico horas minuciando o imenso cosmos a olho nu (Eu particulamente, sou fascinada por Astronomia). Fico ligando as estrelas em uma linha imaginária, e assim, vejo surgir as inúmeras constelações.
Às dezenove horas, já se sente o aroma delicioso da costelinha de porco por toda a casa. Depois de um belo banho, vou para o quarto, e me visto. Saio em direção à sala, e vejo a mesa harmoniosamente posta. Alguns amigos chegam, e sem cerimônia vão se acomodando, e se servindo. Piadas engraçadíssimas divertem a todos, e assim as horas passam sem percebermos.
Ao término da refeição, todos caçam seu rumo de volta às suas casas. Marcus e Vivian seguem exaustos pela escada acima, em direção ao quarto. Sem sono algum, resolvo ir até à sala e ligar a televisão. Umas duas horas se passam, quando percebo a minha amiga descendo os degraus. Ela reclama muito da maldita insônia ( Que eu também toda a noite sinto), e ficamos as duas sentadas nesse solitário sofá.
Depois de uns quinze minutos assistindo a um filme qualquer, resolvemos seguir para o terraço, aproveitando a noite clara. Vivian vai até a estante, e pega um lindo binóculo na gaveta. Subimos afoitas pelas escadas. O céu está convidativo, com sua imensidão de estrelas cintilantes que o engrandecem.
Nossa! Como a Sírius é encantadora! Direcionando com prudência e exatidão o binóculo, posso observar o planeta Júpiter, e alguns dos seus satélites. O enigmático Saturno e seu grandioso anel. Dou uma passada também na constelação de Órion, e posso constatar o maravilhoso berçário de estrelas! Vivian se interessa por astronomia, mais não é entusiasta ao ponto de ler tudo a respeito. Ela vai vislumbrando também os céus, com precário entusiasmo. Mas, vez ou outra, me chama para orientá-la na procura de alguns astros. Já passa de uma e meia, e minha amiga já dá sinais de sono. Eu nem penso em ir para cama nesse momento. Pretendo virar a madrugada aqui em cima. Ela quer voltar ao quarto para dormir. Mas a convenço de ficar mais um pouco comigo. Nisso, ela se senta no canto perto da máquina de lavar, e eu retorno às observações.
O vento gelado desliza sutil pelos ares, e o sereno molha bem lentamente o meu rosto e os meus cabelos. E isso não tira o meu ânimo, pois estou viajando felicíssima pelos céus. Estou passeando pela constelação de escorpião, e observo atentamente a estrela Antares. Depois volto as lentes para as três marias. No instante que eu começo a focar na imensa Rígel, meus olhos em uma mistura de surpresa e medo, avistam um feixe de luz fortíssimo rasgando os céus na diagonal. A principio, penso em se tratar de uma estrela cadente. Mas o formato e o tamanho em nada se parece. Desgrudo os olhos da lente, e para o meu espanto, lá está o objeto em formato losangular, com dezenas de luzes piscando bem próximo talvez, ao morro rodeado de cafezais. Por Netuno! Não pode ser! Sempre fui fascinada por vidas extraterrestres, mas agora confesso estar transtornada, e imersa a um oceano de medo.
Nesse exato momento, a minha amiga ronca bem alto deitada ao chão, e eu perplexa a chamo insistentemente. Ela até chega a abrir um dos olhos, mas vira as costas e adormece de novo. O objeto continua no mesmo local, e mais relaxada, penso em chegar um pouco mais perto. Desço as escadas como uma louca. Pego a bicicleta do Marcus atrás da casa. E sigo pela estrada muito ofegante. Venço a silenciosa madrugada com os olhos fixos no horizonte, e vou decidida ao encontro da suposta nave alienígena. Pedalo por quase uma hora. Subo alguns morros esburacados, e encharco toda a minha roupa com uma enxurrada de suor.
Chego em um ponto crucial. O que me separa do suposto óvni é apenas um antigo regato com águas um pouco agitadas, mas bastante raso. Abandono a bicicleta encostada em um mourão e prossigo. As luzes ainda estão piscando aleatoriamente, e ele permaneçe imóvel. Adentro com um ímpeto corajoso pelas águas frias, e venço as fraquíssimas correntezas. Atravesso em poucos minutos, e percebo que a nave não está parada no ar. Existe uma imensa base de aproximadamente uns cinquenta metros de altura, dando a impressão de estar solta ao esmo. Fico uns trinta minutos estática, analizando o objeto em um clima demasiadamente silencioso. Quando a minha calmaria despenca em um infinito abismo, ao observar com os olhos amedrontados bem ao alto, o abrir estrondoso do gigantesco objeto. Ouço os pedidos desesperados de socorro eminentes do interior. São vozes confusas, que ressuscitam o desespero mortal em minha trêmula alma.
Sem perder tempo, eu esboço a reação de sair em disparada. Mas estou completamente imóvel e vulnerável. Os músculos do meu corpo não conseguem reagir, e as minhas lágrimas não descem tranquilas pelo meu rosto amargurado. Sinto um temor nas profundezas mais remotas do meu ser. Quando consigo lançar os olhares para cima, vejo surgir um grande ser alado de aparência assustadora! Minha face torna-se pálida e gelada como a morte. A criatura me envolve em suas grossas e ásperas garras, e me leva como uma flecha veloz para o interior do desconhecido.
Em poucos segundos sou arremessada ao chão demasiadamente úmido. A criatura acena com a cabeça positivamente, e some pelas complexas construções, ao escutar a voz emitida por um ser que se aproxima. Percebo alguma semelhança com os seres humanos. Possui quatro membros bem definidos. Olhos até serenos para a minha grande surpresa. Mas não existe boca em sua face, e o nariz é composto por minúsculos orifícios, por onde saem pequenos feixes de luz. Ele permanece à minha frente me analisando por quase dois minutos, e eu temendo o pior, choro profusamente mergulhada em uma imensidão de soluços.
Ele se aproxima ainda mais, e uma de suas frias mãos agarra o meu braço com muita delicadeza. Nesse momento, estou levitando como uma pluma aos braços desse enigmático ser, e sendo conduzida bem lentamente por toda a extensão desse gigantesco objeto voador. Observo bem à minha direita, inúmeras cápsulas acinzentadas, e não muito grandes. Mais à esquerda, vejo admiráveis pontes brilhantes com pequenos veículos circulares. Não enxergo pneus, e tão pouco vidros. São movidos por uma espécie de campo eletromagnético. Será que estamos voando nesse momento por alguma galáxia distante? Não posso precisar. Pois daqui de dentro é impossível tal discernimento.
Ainda vislumbro as tais cápsulas, todas suspensas e enfileiradas, quando de repente, descemos mais rápidos, e me deparo com uma. Há escrito algo na parte superior, e observo também um grande painel de controle na lateral. O extraterrestre levanta a sua mão direita e a encosta com a palma para baixo, em um sensor vermelho escuro. Ouve-se um contínuo som, e de imediato a porta se abre. Fico confusa e insegura. Qual o motivo de tantas cápsulas por aí espalhadas? E por que estou sendo trazida para cá? E de quem são aquelas vozes desesperadas que ouvi ? São perguntas pertinentes, sem as devidas respostas.
Entramos logo em seguida, e sou abandonada em cima de algo que se assemelha a uma cama arredondada, e por demais rígida. As luzes estão bastante fracas, e alternam de cores a todo instante. Percebo também no ambiente, diminutas janelas no canto superior esquerdo. Permaneço aqui plantada por algumas horas sem que nada aconteça. O cansaço toma conta de mim, e ao tentar adormecer, ouço um forte som que deturpa os meus tímpanos. É como se fosse um sinal estridente de alerta. Minutos depois, aquelas mesmas vozes surgem como furacões desgovernados, em pedidos de socorro e clemência. Aqui dentro consigo distinguir melhor, e constato serem vozes humanas femininas.
De joelhos, eu rezo bastante e imploro aos deuses do Olimpo, que me tire daqui com a vida intacta. Penso em possíveis maneiras de sair desse local. Mas não quero me enganar, pois sei que não obterei êxito. Os gritos ainda continuam vagando por todos os lados, e sem ter o que fazer, sento aos prantos em um canto qualquer, e aguardo em um mar de incertezas. A porta começa a se abrir lentamente, e com um pouco de esperança nos olhos, levanto veloz e afoita. Mas sou interrompida pelo mesmo ser asqueroso que me raptou perto do regato.
Novamente sou encoberta pelas longas garras, e levada com muita rapidez. Dessa vez, quase tocamos o teto, tamanha a altitude em que nos encontramos. Descendo mais velozes ainda, já posso enxergar o local exato de onde as vozes nascem. Há um imenso aglomerado de mulheres em cima de uma cama tão extensa, que se perdem às minhas vistas. E em cada uma delas, constato desesperada, extraterrestres introduzindo algo nos seus corpos semi nus. Sou jogada em meio a essa multidão de lamúrias, e já percebo um ser vindo em minha direção.
Não há como correr, pois uma substância pegajosa faz com que o nosso corpo fique preso de forma bem eficaz. A um metro de mim, vejo transtornada, os orifícios nasais da criatura se dilatarem lentamente, e um membro esbranquiçado se lançar ao meu corpo. Grito desesperada, ao mesmo tempo que vou sendo penetrada terrivelmente por essa coisa repugnante. O ato em si, não demorou mais do que poucos segundos. De imediato, sou transportada juntamente com outras mulheres para um outro compartimento.
Sinto uma dor incômoda na barriga, que aumenta no transcorrer de cada segundo. O que será isso dentro de mim? Em aproximadamente dois minutos, chego em uma repartição muito bem feita, com dezenas de quartos em um grande corredor. Ouço choros semelhantes as de crianças. Como se estivessem implorando por comida. Sou posta em um dos quartos. Imenso e muito iluminado. A dor desatina sem cessar, e reparo que o meu ventre está aumentando consideravelmente. Sem suportar tamanhas dores em pé, deito um pouco para tentar diminuir os incômodos.
Até cochilo por uns minutos, tamanha a minha fadiga. Mas logo sou despertada por uma dor dilacerante. Sinto uma enorme pressão entre as minhas pernas. Aos berros intensos, vejo com os olhos petrificados, um grande e estranho bebê, que se liberta displicentemente da placenta, e das escuridões de meu doloroso ventre, caindo de bruços ao chão. Seu choro balança as estruturas do ambiente, e me causa uma avalassadora dor de cabeça. Seu olhar é indecifrável. Me esforço bastante, mas não consigo distinguir as suas reais intenções.
Depois de vários minutos nessa agonia, o silêncio toma conta do quarto. Ele se aproxima e sobe lentamente na cama. Afasto receiosa um pouco para trás, no mesmo instante que as suas mandíbulas afiadíssimas dilaceram com uma só investida, parte de minha perna direita. Esbravejo feito louca, implorando que polpe a minha vida. E parece que surte efeito as minhas palavras. Pois ele me olha reflexivo por pelo menos um minuto. Mas, logo depois, com uma força descomunal, me agarra e lança-me contra as paredes. Caída ao chão muito debilitada, constato a sua aproximação, e vou sendo devorada sem misericórdia. Antes que a minha vida seja extinta tragicamente, ainda consigo recordar dos sorrisos sinceros na aconchegante varanda, dos intensos carinhos de minha grande amiga, e dos pingos de chuva caídos das folhas de goiabeira...