DR. TEMPESTADE
Era um amanhecer sem brilho. Não havia pássaros.
Chovia há tanto tempo, sem qualquer estio por menor que fosse, que todas as religiões do mundo oravam pela salvação do “novo dilúvio”, esperando uma suposta arca.
Balela! Puro embuste!
A Ciência sabia o que era. Balões meteorológicos e satélites de última geração, aliados, trabalhavam sem parar, recolhendo dados. Logo descobririam a causa de tudo, a origem ... A Ciência sempre sabia.
Ah! É claro, havia também a imprensa, enchendo de idiotices e suposições típicas dos bares mais sujos páginas e mais páginas de edições matutinas.
Qualquer lugarejo onde a chuva parava, por um minuto ou dois, tornava-se o centro do mundo, atraindo mais câmaras que a coroação do sucessor de Elizabeth II.
Foi quando o estio chegou à minha vila – encravada no sopé de uma montanha, ou quase, com dois mil metros de altura e dois milhões de anos, pelo menos. Eu estava na varanda, assobiando uma canção antiga, já que não havia condições de trabalho em minha repartição e todos recebemos férias coletivas.
Foi repentino.
Ninguém notou seu início, mas o tempo pareceu parar junto com a chuva. Nico, o entregador de jornais, parou em minha porta com um ar de assombro.
- Senhor Jules, a chuva parou! Acho que já são cinco minutos de estio ...
- Mais ou menos isso. Quem diria ... Terei que me apressar, Nico. Vêm aí os jornalistas.
- Aquela corja!
- Ah, meu caro, eles apenas têm um emprego. Pode não ser um dos mais honestos do mundo, mas é só um emprego que, aliás, sustenta o seu.
- Odeio entregar jornais!
Desfilando no único carro oficial da cidade, o prefeito Saint-Claire passava pelas ruas, indo e vindo, como se fosse uma brincadeira de criança. Posso afirmar que, pior do que os jornalistas e os malditos religiosos, somente a podridão dos políticos! A demagogia de Saint-Claire me enoja. A quem ele pensa que engana, com sua pose de salvador?
- Olá, Jules. Tudo OK em sua casa?
Era provocação. Ele sempre soube o quanto abomino aquela voz estudada de político. “Olá, Jules” uma ova! Sou um cidadão, e não tenho o direito de ficar em minha própria varanda!?
- Melhor sem a sua presença, prefeito!
- Sempre mal humorado, heim, Jules? Sorria, pelo menos a chuva passou!
- Então, por que não aproveita, Saint-Claire, e vai com ela logo de uma vez?
Percebi que havia abalado aquela casca de bom moço. Então, afinal de contas, o prefeito não era completamente oco ... Bom saber que ainda corre sangue naquelas veias.
- Fique com sua varanda imunda, Jules! Não sei porque perco meu tempo com você, quando tenho outros contribuintes a ver ...
- Eleitores, Saint-Claire, eleitores!
Pouco a pouco, as ruas começaram a se encher de gente. Tive um pensamento cruel; seria cômico se o dilúvio voltasse, naquele momento, e os pegasse desprevenidos.
Mas não voltaria ...
Depois de uma hora de estio, minha vila já entrara para o Guiness Book, com o recorde de tempo sem chuva no ano de 2.007. Nada mal para o fim do mundo ...
Ainda faltavam os jornalistas, é claro. Compreensível, já que descobrir aquele pedaço de nada em que moro não é tarefa das mais fáceis.
A primeira equipe, do Canal 8, chegou às pressas em um carro da década passada. Uma repórter de cabelos curtos, espetados e pintados de um tom azulado, desceu meio atordoada. Quem diria que eu veria uma equipe do 8 em minha vila!
Atrás da repórter, um bando de equipamentos, carregados por meia dúzia de homens, aportou na rua central. Minha casa, logo em frente, tinha uma vista privilegiada do balé desengonçado da equipe.
- Vamos, vamos! Registre tudo, Permé. Quero as melhores imagens. Vamos entrar ao vivo em 20 segundos.
Ela comandava a equipe. Era a evolução dos tempos. Deu uma leve ajeitada no cabelo, sem perder tempo.
- Falamos ao vivo da vila na França onde o dilúvio parece ter parado. Já há uma hora e treze minutos, exatamente, o céu está limpo sobre a cidade, sem qualquer sinal de chuva. Depois de, em todos os 129 dias já decorridos no ano com chuva ininterrupta em todo o mundo, este é o maior período de estiagem. Resta saber porque a natureza escolheu este lugar, virtualmente o fim do mundo, para abençoar. Marie Breson, direto de Avant-Garde, para o Canal 8 e rede mundial.
Ironia. Sempre achei que fosse ironia. Um nome moderno para uma vila que mal havia saído da Idade Média. Isto até agora ...
- Bom dia!
Depois de um político, uma jornalista. É, meu dia não estava começando bem, definitivamente.
- Bom dia, senhorita!
- O senhor estava aqui quando a chuva parou, não é mesmo?
- Ah, sem dúvida! Foi como um ataque cardíaco fulminante. Mal pude perceber. Venha até a varanda, por favor.
- Obrigada!
Ela subiu lentamente os poucos degraus que separavam meu pequeno mundo da rua. É! Algumas coisas não mudavam nem com milênios. As mulheres ainda têm o mesmo andar sinuoso e sentam-se como se plumas amortecessem o toque sobre as cadeiras.
- Senhor ...
- Jules. Jules D’Nantes.
- Sim, senhor Jules. Em breve vão chegar outras equipes de TV. O mundo quer notícias.
- O mundo quer é pão, se me permite dizer. Só vocês, jornalistas, se alimentam de noticias. Mas isto não vem ao caso. Sobre o que quer conversar, senhorita.
- O senhor tem alguma idéia sobre o que ocasionou este estio aqui em Avant-Garde?
- Claro! Eu mesmo ...
- Como!?
- Eu o programei há vários dias, assim como programei esses 129 dias de chuva.
Sabia que sua primeira reação seria uma gargalhada e a completa incredulidade. Jornalistas, afinal, sempre cometem erros de julgamento.
- Deus, que loucura! Encontrar um louco, viciado em em alguma droga pesada, aqui neste buraco! Não, porque só pode ser uma alucinação química o que o senhor está dizendo! Francamente ...
- Pois não é.
- E então quem realmente é o senhor? Deus?
- Não, minha cara. Eu sou a Ciência!
Reconheço – foi forte demais minha afirmação para uma repórter mediana da capital, que acha que já viu tudo na vida quando apenas disfarçou sua cegueira com a soberba. Afinal, estávamos no fim do mundo – lugar que escolhi para casa exatamente por isso.
- Espere um pouco, senhor Jules, esta conversa é realmente séria?
- Não se espante, senhorita. Você será a primeira a conhecer meu experimento e não me importo que saia naquela estúpida TV em que você trabalha.
- Experimento!?
- Exatamente.
Guiei a repórter e sua corte de câmeras e técnicos ao porão de minha casa, um amplo abrigo que possuía três vezes a área construída da superfície. Minha máquina ali estava, junto com uma série de computadores, uma mesa para estudos e uma cama. Várias noites dormi ali mesmo, após estudar exaustivamente.
- Nossa! Como é grande isto aqui! Quem olha lá de cima nem faz idéia ...
- Construí este subterrâneo para abrigar minha máquina. Ela criou este clima artificial chuvoso no mundo e o estio sobre minha cidade.
- Uma máquina? Mas isto é loucura.
- Para mentes medianas como a sua pode ser. A Ciência está acima de toda esta mediocridade. Só ela mostra o verdadeiro caminho. Veja! Esta pequena máquina pode mudar o clima em qualquer parte do mundo, através de impulsos elétricos que fazem pequenas nuvens multiplicarem-se ao infinito. Ela controla a natureza. Ela é Deus! E eu, mais ainda, sou o pai de Deus – a Ciência!
- Quer dizer que o cataclisma que está transformando 2007 em um dos piores anos da história nasceu neste porão?
- Não. Nasceu em minha mente.
- Mas por que? Ela podia ser usada no combate às secas, para acabar com a miséria de milhões de pessoas ...
- Para quê? Para políticos, como esta raça que infesta o mundo, tirarem proveito? Para que vocês vendam jornais ou anúncios na TV e ganhem mais dinheiro? Ou para que os religiosos do mundo inteiro queiram me excomungar ou jogar-me na fogueira por ter alterado os desígnios do Deus deles? Ah, estou acima disto! Eu tenho domínio do que faço. Diga-me um lugar, qualquer lugar no mundo, onde a chuva deve parar, e eu o farei. Mas não deixarei ninguém tirar proveito da Ciência.
Para deleite da vizinhança, uma infinidade de jornalistas, com carros enormes e até helicópteros, chegaram à cidade para entrevistar o Dr. Tempestade, como fui chamado pela imprensa a partir daquele dia. (Apelido idiota este ...)
Os mais céticos pediram provas.
- Faça parar de chover em Londres!
- Seu pequeno rato! Quer que sua família possa sair de casa e ver o Sol, para variar, não é? Pois farei a sua vontade, jornalista!
Uma rápida programação nos computadores e, em minutos, uma clareira entre as nuvens surgiu exatamente sobre Londres. Ah! Como é gostoso passar a perna na natureza! Mas isto causa inveja. Um dos inúmeros repórteres que recebi era, na verdade, um agente americano de uma daquelas casas de espionagem. É incrível como eles parecem estar em todos os lugares!
- Doutor, diga-me, qual a sensação de ter o mundo nas mãos?
- Não penso sobre isso ... o mundo não vale este esforço.
- Pois terá muito tempo para isso!
Em um movimento rápido, o agente dominou-me com golpes de alguma arte marcial com a qual eu não estava familiarizado. Fui algemado e conduzido à seção de segurança da ONU – e tive que ouvir todos aqueles políticos idiotas. Sempre preferi a morte a isso ...
E eles atenderam meu desejo. Cá estou, a poucos minutos da execução na cadeira elétrica. É glorioso! Morrerei pela Ciência, e não por Deus. Uma máquina de matar, que maravilhoso invento!
- Senhor, compadece-te desta alma ...
- Ah! Não, um padre!? Deus não tem nada a ver com isso, seu cretino! Eu morro nas mãos da Ciência, da eletricidade! Deixe-me ir para as mãos do “meu” Deus em paz! Acabem logo com isso!
Tão rápido ... Mal pude sentir.
Bem, agora vamos ver o que há do outro lado! ...
(Conto transformado na peça de teatro "Dr.Tempestade", de William Mendonça, disponível para download gratuito.)
(Parte do livro de contos "Viajante noturno", de William Mendonça, disponível para download gratuito. Direitos reservados.)
Era um amanhecer sem brilho. Não havia pássaros.
Chovia há tanto tempo, sem qualquer estio por menor que fosse, que todas as religiões do mundo oravam pela salvação do “novo dilúvio”, esperando uma suposta arca.
Balela! Puro embuste!
A Ciência sabia o que era. Balões meteorológicos e satélites de última geração, aliados, trabalhavam sem parar, recolhendo dados. Logo descobririam a causa de tudo, a origem ... A Ciência sempre sabia.
Ah! É claro, havia também a imprensa, enchendo de idiotices e suposições típicas dos bares mais sujos páginas e mais páginas de edições matutinas.
Qualquer lugarejo onde a chuva parava, por um minuto ou dois, tornava-se o centro do mundo, atraindo mais câmaras que a coroação do sucessor de Elizabeth II.
Foi quando o estio chegou à minha vila – encravada no sopé de uma montanha, ou quase, com dois mil metros de altura e dois milhões de anos, pelo menos. Eu estava na varanda, assobiando uma canção antiga, já que não havia condições de trabalho em minha repartição e todos recebemos férias coletivas.
Foi repentino.
Ninguém notou seu início, mas o tempo pareceu parar junto com a chuva. Nico, o entregador de jornais, parou em minha porta com um ar de assombro.
- Senhor Jules, a chuva parou! Acho que já são cinco minutos de estio ...
- Mais ou menos isso. Quem diria ... Terei que me apressar, Nico. Vêm aí os jornalistas.
- Aquela corja!
- Ah, meu caro, eles apenas têm um emprego. Pode não ser um dos mais honestos do mundo, mas é só um emprego que, aliás, sustenta o seu.
- Odeio entregar jornais!
Desfilando no único carro oficial da cidade, o prefeito Saint-Claire passava pelas ruas, indo e vindo, como se fosse uma brincadeira de criança. Posso afirmar que, pior do que os jornalistas e os malditos religiosos, somente a podridão dos políticos! A demagogia de Saint-Claire me enoja. A quem ele pensa que engana, com sua pose de salvador?
- Olá, Jules. Tudo OK em sua casa?
Era provocação. Ele sempre soube o quanto abomino aquela voz estudada de político. “Olá, Jules” uma ova! Sou um cidadão, e não tenho o direito de ficar em minha própria varanda!?
- Melhor sem a sua presença, prefeito!
- Sempre mal humorado, heim, Jules? Sorria, pelo menos a chuva passou!
- Então, por que não aproveita, Saint-Claire, e vai com ela logo de uma vez?
Percebi que havia abalado aquela casca de bom moço. Então, afinal de contas, o prefeito não era completamente oco ... Bom saber que ainda corre sangue naquelas veias.
- Fique com sua varanda imunda, Jules! Não sei porque perco meu tempo com você, quando tenho outros contribuintes a ver ...
- Eleitores, Saint-Claire, eleitores!
Pouco a pouco, as ruas começaram a se encher de gente. Tive um pensamento cruel; seria cômico se o dilúvio voltasse, naquele momento, e os pegasse desprevenidos.
Mas não voltaria ...
Depois de uma hora de estio, minha vila já entrara para o Guiness Book, com o recorde de tempo sem chuva no ano de 2.007. Nada mal para o fim do mundo ...
Ainda faltavam os jornalistas, é claro. Compreensível, já que descobrir aquele pedaço de nada em que moro não é tarefa das mais fáceis.
A primeira equipe, do Canal 8, chegou às pressas em um carro da década passada. Uma repórter de cabelos curtos, espetados e pintados de um tom azulado, desceu meio atordoada. Quem diria que eu veria uma equipe do 8 em minha vila!
Atrás da repórter, um bando de equipamentos, carregados por meia dúzia de homens, aportou na rua central. Minha casa, logo em frente, tinha uma vista privilegiada do balé desengonçado da equipe.
- Vamos, vamos! Registre tudo, Permé. Quero as melhores imagens. Vamos entrar ao vivo em 20 segundos.
Ela comandava a equipe. Era a evolução dos tempos. Deu uma leve ajeitada no cabelo, sem perder tempo.
- Falamos ao vivo da vila na França onde o dilúvio parece ter parado. Já há uma hora e treze minutos, exatamente, o céu está limpo sobre a cidade, sem qualquer sinal de chuva. Depois de, em todos os 129 dias já decorridos no ano com chuva ininterrupta em todo o mundo, este é o maior período de estiagem. Resta saber porque a natureza escolheu este lugar, virtualmente o fim do mundo, para abençoar. Marie Breson, direto de Avant-Garde, para o Canal 8 e rede mundial.
Ironia. Sempre achei que fosse ironia. Um nome moderno para uma vila que mal havia saído da Idade Média. Isto até agora ...
- Bom dia!
Depois de um político, uma jornalista. É, meu dia não estava começando bem, definitivamente.
- Bom dia, senhorita!
- O senhor estava aqui quando a chuva parou, não é mesmo?
- Ah, sem dúvida! Foi como um ataque cardíaco fulminante. Mal pude perceber. Venha até a varanda, por favor.
- Obrigada!
Ela subiu lentamente os poucos degraus que separavam meu pequeno mundo da rua. É! Algumas coisas não mudavam nem com milênios. As mulheres ainda têm o mesmo andar sinuoso e sentam-se como se plumas amortecessem o toque sobre as cadeiras.
- Senhor ...
- Jules. Jules D’Nantes.
- Sim, senhor Jules. Em breve vão chegar outras equipes de TV. O mundo quer notícias.
- O mundo quer é pão, se me permite dizer. Só vocês, jornalistas, se alimentam de noticias. Mas isto não vem ao caso. Sobre o que quer conversar, senhorita.
- O senhor tem alguma idéia sobre o que ocasionou este estio aqui em Avant-Garde?
- Claro! Eu mesmo ...
- Como!?
- Eu o programei há vários dias, assim como programei esses 129 dias de chuva.
Sabia que sua primeira reação seria uma gargalhada e a completa incredulidade. Jornalistas, afinal, sempre cometem erros de julgamento.
- Deus, que loucura! Encontrar um louco, viciado em em alguma droga pesada, aqui neste buraco! Não, porque só pode ser uma alucinação química o que o senhor está dizendo! Francamente ...
- Pois não é.
- E então quem realmente é o senhor? Deus?
- Não, minha cara. Eu sou a Ciência!
Reconheço – foi forte demais minha afirmação para uma repórter mediana da capital, que acha que já viu tudo na vida quando apenas disfarçou sua cegueira com a soberba. Afinal, estávamos no fim do mundo – lugar que escolhi para casa exatamente por isso.
- Espere um pouco, senhor Jules, esta conversa é realmente séria?
- Não se espante, senhorita. Você será a primeira a conhecer meu experimento e não me importo que saia naquela estúpida TV em que você trabalha.
- Experimento!?
- Exatamente.
Guiei a repórter e sua corte de câmeras e técnicos ao porão de minha casa, um amplo abrigo que possuía três vezes a área construída da superfície. Minha máquina ali estava, junto com uma série de computadores, uma mesa para estudos e uma cama. Várias noites dormi ali mesmo, após estudar exaustivamente.
- Nossa! Como é grande isto aqui! Quem olha lá de cima nem faz idéia ...
- Construí este subterrâneo para abrigar minha máquina. Ela criou este clima artificial chuvoso no mundo e o estio sobre minha cidade.
- Uma máquina? Mas isto é loucura.
- Para mentes medianas como a sua pode ser. A Ciência está acima de toda esta mediocridade. Só ela mostra o verdadeiro caminho. Veja! Esta pequena máquina pode mudar o clima em qualquer parte do mundo, através de impulsos elétricos que fazem pequenas nuvens multiplicarem-se ao infinito. Ela controla a natureza. Ela é Deus! E eu, mais ainda, sou o pai de Deus – a Ciência!
- Quer dizer que o cataclisma que está transformando 2007 em um dos piores anos da história nasceu neste porão?
- Não. Nasceu em minha mente.
- Mas por que? Ela podia ser usada no combate às secas, para acabar com a miséria de milhões de pessoas ...
- Para quê? Para políticos, como esta raça que infesta o mundo, tirarem proveito? Para que vocês vendam jornais ou anúncios na TV e ganhem mais dinheiro? Ou para que os religiosos do mundo inteiro queiram me excomungar ou jogar-me na fogueira por ter alterado os desígnios do Deus deles? Ah, estou acima disto! Eu tenho domínio do que faço. Diga-me um lugar, qualquer lugar no mundo, onde a chuva deve parar, e eu o farei. Mas não deixarei ninguém tirar proveito da Ciência.
Para deleite da vizinhança, uma infinidade de jornalistas, com carros enormes e até helicópteros, chegaram à cidade para entrevistar o Dr. Tempestade, como fui chamado pela imprensa a partir daquele dia. (Apelido idiota este ...)
Os mais céticos pediram provas.
- Faça parar de chover em Londres!
- Seu pequeno rato! Quer que sua família possa sair de casa e ver o Sol, para variar, não é? Pois farei a sua vontade, jornalista!
Uma rápida programação nos computadores e, em minutos, uma clareira entre as nuvens surgiu exatamente sobre Londres. Ah! Como é gostoso passar a perna na natureza! Mas isto causa inveja. Um dos inúmeros repórteres que recebi era, na verdade, um agente americano de uma daquelas casas de espionagem. É incrível como eles parecem estar em todos os lugares!
- Doutor, diga-me, qual a sensação de ter o mundo nas mãos?
- Não penso sobre isso ... o mundo não vale este esforço.
- Pois terá muito tempo para isso!
Em um movimento rápido, o agente dominou-me com golpes de alguma arte marcial com a qual eu não estava familiarizado. Fui algemado e conduzido à seção de segurança da ONU – e tive que ouvir todos aqueles políticos idiotas. Sempre preferi a morte a isso ...
E eles atenderam meu desejo. Cá estou, a poucos minutos da execução na cadeira elétrica. É glorioso! Morrerei pela Ciência, e não por Deus. Uma máquina de matar, que maravilhoso invento!
- Senhor, compadece-te desta alma ...
- Ah! Não, um padre!? Deus não tem nada a ver com isso, seu cretino! Eu morro nas mãos da Ciência, da eletricidade! Deixe-me ir para as mãos do “meu” Deus em paz! Acabem logo com isso!
Tão rápido ... Mal pude sentir.
Bem, agora vamos ver o que há do outro lado! ...
(Conto transformado na peça de teatro "Dr.Tempestade", de William Mendonça, disponível para download gratuito.)
(Parte do livro de contos "Viajante noturno", de William Mendonça, disponível para download gratuito. Direitos reservados.)