Os Marimbondos

 

O café quente na boca acalmou as palavras e com a xícara entre os dentes Camilo caminhou pela sala. As verdades eram pisadas pelos seus passos fortes e repetidos, iguais aos dos ponteiros do relógio.

Quando o café esfriou Camilo se danou todo, ficou a resmungar, quase se ouvia o debrulhar dos vocábulos: colocou as mãos na cabeça, esbugalhou os olhos e voltou trêmulo em direção a porta. Antes de abrí-la parou... Após sair do transe, causado pela situação, desejou riscar os pensamentos torpes. Chegava-se a escutar a sua respiração ofegante.

Já a rua lhe vieram as indagações sobre a sua atual trajetória, perguntas intempestivas aturdiram sua mente.

Eram muitas interrogações sem respostas e ele inerte diante de todas. A tempo vinha se perguntando o que fazer, dias e noites passaram como um enorme ciclone. Até então, carregará consigo esse segredo, não estava suportando mais, precisava dividir com alguém a sua angústia.

Por várias vezes se pegou tentando se convencer que não tinha culpa, a sua omissão tinha seu lado positivo, afinal tudo que queria era paz, por isso calará, mas nos últimos dias, com à gravidade dos acontecimentos estava muito difícil, porque não dizer humanamente impossível manter-se em silêncio.

O preço da falsa paz não valia, teve culpa sim, se debatia sempre sobre isso. Insultou a própria natureza, insubordinou-se, tornou-se imparcial. Muitas vezes pariu de sete meses à madrugada, assistiu as estrelas fugirem do céu.

Certa manhã, uma bela manhã ensolarada, resolveu convidar seu amigo Humberto para pescar, precisava incenar, olhando nos olhos do seu melhor amigo, observando nos mínimos detalhes, as suas reações diante de uma história verossímil, até poder encontrar coragem e dizer-lhe os verdadeiros motivos daquele encontro, para depois beber do seu próprio veneno regado a canapés, a contar a verdadeira história.

O que se assemelhou a verdadeira história não chegou nem perto da realidade e já pode ver nos olhos do amigo qual seria a sua reação em frente a grande realidade de difícil digestão.

Então começou: A princípio sem fitá-lo, dizendo-lhe que sentia muito por ter se deixado levar pela ísca da sedução, pelo dorso da virilidade onde faz o homem ser o mais fraco dos homens, em determinhados momentos.

Disse: Confesso ter sido o mais débil dos homens, o mais covarde e selvagem. A primitividade do meu eu tomou conta dos meus princípios. Quando conheci a sua família e comecei a me aproximar, devido as necessidades que o trabalho exigia, me apaixonei por sua mulher. No começo busquei não me envolver, mas logo percebi que era recíproco, ela era quem estava me seduzindo aos poucos.

Por vezes te convidei para saírmos e poder assim falar. Porém tudo foi tomando uma proporção maior do que à vontade de ser fiel aos seus sentimentos.

Fui como um barco a deriva e atropelei o ético. Cada vez mais ela cobrava de mim o que eu não podia dar. Eu era um simples funcionário e você meu chefe. Com uma retórica fulminante ela roubava de mim a consciência. Pediu-me em uma tarde que falsificasse o seu nome para retirar alguns bens, além dos quais ela teria direito. Eu concordei.

Nesse instante, Camilo levantou os olhos e fitou Humberto, diante da sua pérfida revelação se instala o desconforto. Camilo está arrasado, prosta-se ao chão e pede misericórdia.

Aguarda um segundo do silêncio, toma o fôlego e diz: Não te devolvo a mulher porque ela já se foi, está nos braços de outro, as cifras depositei. Contudo os verdadeiros valores foram esmagados.

Que a justiça se faça, que o bem prevaleça, que a dignidade resista ao lodo da vida.

Diante de toda a revelação Humberto manteve-se sereno, pensativo e depois resolveu falar. A voz saiu rouca, partida, mas firme. Disse então: Todo tempo percebi que os marimbondos contaminavam a árvore. Antes que todos os frutos fossem destruídos, colhi alguns.

 

 

Observação:

 

Apesar dos tempos modernos, ainda, os verdadeiros amigos diante de tais situações se comportam com desconforto e sentem que o amor impossível, descompensado leva-os a loucura, onde perdas irreparáveis irão ser percebidas depois do fato consumado.

De que árvore fala a autora do conto?

Que frutos Humberto pode, com tanto equilíbrio, tirar da árvore que estava sendo destruída?