sentimentos espaciais

Quando ele começou a ficar louco? Quando começou a pensar grande demais. Não pensava mais nas paredes de sua casa, nos quadros perdurados tortos. Pensava nos movimentos da estrela e no pó estelar. Ao andar, não queria percorrer um ou dois quilômetros; queria andar em ano-luz. Suas perspectivas das coisas começaram a ficar: imensas, impossíveis. O tremor de suas mãos estava por demais forte para que ocultasse. Olá boa tarde, como vai? - lhe perguntavam. Seus olhos iam imediatamente para o canto superior de seus olhos e ficavam suspirando. Dois ou três desses eram necessário para que ele falasse de uma multidão, de um abstrato colossal de movimentos épicos, andando em imensos blocos de granito preto. Vê aquele lago, onde em sua superfície compunha-se toda a realidade ao contrário, meio aquosa? Cada molécula um dia já pertenceu a algo completamente diferente. E os elétrons que brincam de pular corda o tempo inteiro, e dão gritos iluminados - literalmente - de prazer. Com um suspiro também finalizava. Sentava-se em sua cadeira dura de madeira clara, para contemplar o céu e as nuvens. Como gostava de suas texturas. Tinham um olhar tão bondoso e um sorriso cativante. Acho que guardou toda a sua felicidade para os últimos dias. Quando era jovem era muito rígido, em todos os aspectos. Chegava em casa e comia como se estivesse com raiva, descontando na colher todo o ódio que tinha. Era tudo culpa do papel e dos homens metódicos. Tudo tinha meticulosamente medido. Se eu fosse contar a história da vida dele, você não iria se interessar foi um escriturário por 20 anos. O que há de interessante nisso? O que merece menção, são os 2 anos que passou internado em um clínica, já em estágio avançado de neurose, falando muito bem do universo e seus mistérios. Dos cinturões, e galáxias e dos seres que nelas viviam, de um jeito diferente do nosso, apenas assim, diferente. De como viviam os sentimentos, e a sensibilidade - que era a língua que falavam -, havia sido esquecido. E ele era seu fiel tradutor. Falava como uma oratória muito boa, e passava confiança ao dizê-lo. Ei vó, me dá um beijo. - disse a netinha. De repente, ao ouvir isso, seu olhos flutuantes no canto superior se baixaram. Do nada sua boca começou a tremer de modo compulsivo. Parecia viver um pesadelo em vida, mas a netinha o trouxera de volta. Assim, dessa forma tão simples? Sim; não mais que de repente ele voltou. Deu um beijo em sua netinha e nunca mais falou nada. Morreu calado, casto. Sem poder fazer amor com as belas ninfas ou conversar sobre as grandezas de tudo com os grandes chefes e seus olhos nunca mais ousaram ser pensativos e detalhistas. Era tudo bobagem, não é? A realidade era infelizmente real.