ALMAS GÊMEAS

Morava no Quartier Latin, bem ali na Rue Saint-Jacques, pertinho da Sorbonne, onde concluía o doutorado em Letras. Mino era homem de poucos amigos, não apenas pela condição de estrangeiro, mas pela própria natureza socialmente refratária. Poucas também eram as pessoas com quem ainda mantinha contato no Brasil, após 4 anos de ausência. Tirante os passeios obrigatórios de quem viaja e uma ou outra reunião do pessoal sem graça da academia, sua rotina era da Faculdade para o apartamento minúsculo e vice-versa, às vezes um teatro e uma passada rápida no bistrot da esquina. Com o fito de incrementar o lazer, tinha-se, nos últimos meses, adestrado nas artes da navegação internética e costumava frequentar todos os espaços de potenciais encontros virtuais. Aquilo havia se tornado adrenalina pura. Foi nas aventuras e ousadias desse esporte radical que conhecera Cláudia. Que emoção inusitada! Jamais pensara que seu corpo pudesse alvoroçar-se tanto à simples leitura de palavrinhas banais digitadas numa tela em branco de computador. Surpreendia-se, em aula, a pensar nos diálogos empolgantes da noite promissora: ele diria isto e aquilo; ela, com certeza, responderia assim e assado. Como achava inteligente, espirituosa e encantadora aquela nova amiga, tantas afinidades, só poderiam ser almas gêmeas. Mais do que isto, ela era sensual, insinuante, melíflua, para dizer o mínimo. Pela descrição e foto que vira, era uma jovem bem bonita, de feições delicadas. Mino já não se incomodava em desnudar suas emoções e pensamentos mais recônditos aos poucos interlocutores. Cláudia era mesmo um amor, mandava-lhe cartões, mensagens estimulantes, e-mails carregados de delicadeza e energias afetivas. Com o poder de iniciativa dos homens renovados, resolveu, então, surpreendê-la. Tendo certos conhecidos bem posicionados e após articulações e referências, obteve o número de seu telefone. Cláudia, também uma brasileira, morava sozinha e não haveria, portanto, risco de perturbar outras pessoas. Enquanto teclavam, na madrugada de um sábado, pelas três da manhã, telefonou-lhe com aquele nervosismo de quem arrisca um passo importante na vida. Atendeu ao telefone o morador do apartamento, com nítida voz de barba e bigode.

José Pedro Mattos Conceição
Enviado por José Pedro Mattos Conceição em 22/12/2007
Reeditado em 04/04/2018
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