PESADELO E A PROVA DE REDAÇÃO

Não sabia porque estava ali ao pé da montanha. Imaginei que fosse sonâmbulo. Depois, entendi que nem mesmo sabia quem eu era. Acabava de perceber-me num lugar desconhecido e não assentia a mim mesmo.

Minha cabeça doía muito porque tinha feito uma pedra de travesseiro. Minhas roupas eram sujas e maltrapilhas. Trazia uma trouxa espetada num cabo de vassoura. Meus pés de tão rudes e grossos restavam cheios de rachaduras. As unhas grandes e sujas. Olhei minhas mãos, eram a mesma coisa que os pés. Sujas, encardidas e enormes. Achei que tinha virado um daqueles bruxos do filme do Harry Potter.

Fiquei por algum tempo sentado. Um louco que nada sabia de si e nem para onde ir. Quem seria eu?

Tomei o canivete da bainha na cintura e cortei com ele as unhas das mãos e dos pés.

Acho que não sou louco, mas, alguma coisa séria aconteceu comigo. Devo ter perdido a memória. Comecei a imaginar várias coisas, tão logo, ouvi o barulho do trem que passava do outro lado do rio. Sim, notei que havia um rio próximo de onde eu estava. Logo depois, passou um avião enorme, mas, muito alto. Certamente, eu estava longe da civilização humana. Tive medo que algum animal feroz me atacasse.

Deixei a trouxa onde estava e fui até o rio. Era límpido e caudaloso. Dava para ver os peixes nadando.

As roupas que eu vestia eram horríveis sujas e mal cheirosas.

Lavei o rosto e os braços na água do rio e subi o barranco. Alcancei a trouxa e continuei a caminhada sem rumo certo.

Fui andando a esmo quando percebi, subia a montanha. Começava com terra e pedras pequenas, mas, à medida que avançava foi ficando cada vez mais íngreme. Não parei. Andei até que o sol se pôs.

Lembrei que trazia na trouxa um pedaço de broa de fubá que uma senhora havia me dado pela manhã.

Fiquei pensando nela. De onde havia surgido. O lugar era ermo. Sem nenhuma casa e notadamente ficava distante de onde podia residir alguma pessoa. Tirei o alimento do saco e comi, com a garrafinha de água que peguei no rio.

Deitei ali mesmo, fiz travesseiro da trouxa e logo dormi.

Acordei na madrugada, sentindo frio. Cobri-me com um pedaço de cobertor que trazia na trouxa. Dormi novamente. Despertei com o sol batendo na minha cara, e, ao redor de mim, muitas ovelhas pastavam.

Estava faminto e não tinha mais nada para comer. Fiquei desolado, contudo, tinha que continuar.

Tomei o trilho da subida mais escarpada que já havia visto. Não tinha a menor noção do que estava fazendo e fui andando. Quando mais andava, mais difícil ficava a jornada que escolhi, mesmo sem saber por quê.

Nesse fim de dia, encontrei uma cabana, certamente de pastores, e percebi que ali, era mais quentinho já que havia esfriado muito. Descobri que o lugar onde fizeram a ultima refeição, ainda restava um pedaço de lenha fumegando, apressei em encontrar mais alguns pedaços de madeira que pudesse fazer um fogo maior. Pendurado num saco que pendia da cumeeira, alguns alimentos que certamente, iriam me saciar e me fazer mais forte. Havia café, um restinho de rapadura, um pedaço de carne seca, arroz e farinha.

Lembrei que ao recolher a lenha, tinha visto um arbusto cheio de jurubeba, voltei e enchi um caneco com elas.

Cozinhei o arroz, juntamente com a carne e as jurubebas. Jantei a iguaria dos deuses e depois tomei uma xícara de café bem forte.

Guardei o que sobrou para o outro dia pendurados no mesmo saco, onde nenhum bicho pudesse alcançar.

Assim que amanheceu, peguei o restante do café, dessa vez sem rapadura e coei, tomei bem quente, por que estava muito frio e segui minha andança.

Levei também a comida que sobrou do jantar. Quanto mais subia a montanha, menor eram meus passos e maior o cansaço. Os pés cheios de bolhas.

Não podia parar, algo me puxava. como se fosse um imã, para chegar ao cume.

Entretanto, aos meus olhos, estava longe, tão longe, quanto o infinito azul do céu, cheio de densas nuvens que corriam apressadamente, de acordo com o vento que assobiava em meus ouvidos.

Em dado momento, reparei que meu casaco e cobertor estavam brancos como algodão de tanta neve. O sol desapareceu rapidamente entre as nuvens e eu precisava de abrigo, senão seria congelado. Como num passe de mágica avistei uma gruta meio encoberta pelos arbustos. Não pensei em nada, adentrei-a, tremendo até os dentes. Lá dentro, muito escuro.

Procurei alguns pedaços de madeiras podres e outros mais inteiros e robustos e tratei de acender um fogo. Assim iluminaria o lugar para que eu pudesse ver se não tinha perigo dormir ali.

Depois de comer o que trouxe na lata, que decerto fora de algum mantimento, na qual pude esquentar e degustar meu jantar. Vi também que caia água limpa por uma fenda da pedra num canto da gruta. Enchi a garrafa e bebi de um só gole.

Depois disso, foi que percebi que algumas ovelhas se aninhavam num dos cantos mais discretos e todas de olhos arregalados com a minha presença. Porém, nenhuma se levantou, ou, quis fugir. Aninhei-me também, perto delas. E, à medida que elas não se importavam, fui me aconchegando.

Com o cabo da vassoura estendi a coberta velha perto da porta, para que com o vento ela secasse.

Quando o dia amanheceu, eu estava envolvido pelas ovelhas, como se fosse um filhote delas. Todas me aqueceram.

O fogo aceso próximo à porta, espantava qualquer fera que pudesse querer nos atacar.

Sai lá fora e o céu estava límpido. Do fogo, ainda saia fumaça. Sinal que havia brasa por baixo das cinzas. O sol brilhava como se me desse as boas vindas, àquele lugar.

Olhei para o alto e vi que o cume da montanha não estava tão longe. Ledo engano, levei o dia inteiro andando para alcança-lo.

Sentia o estômago nas costas, agora, não havia comida e nem café.

Pensei que talvez alguma ovelha tivesse leite e percebi que uma delas tinha filhote e as tetas estavam cheias. Enchi a latinha aonde esteve a comida. Esquentei nas brasas e tomei. Esse alimento me fez ter forças para chegar ao cume do monte, no fim do dia.

Cheguei me arrastando, com os pés inchados e cheios de feridas. O tênis furado, não suportou a longíncua distância.

Assim que fui alcançando o platô do monte, deparei-me com muitas flores, rosas raras que não são típicas do serrado, tampouco de um lugar cheio de pedras e terra seca. Aquelas flores me fizeram enxergar o amor de Deus na minha vida e que indubitavelmente, seria meu guardador sempre.

O cheiro das flores era tão bom que me embevecia a alma. Parecia estar chegando ao céu, não somente pela altitude, mas pela singeleza do lugar. Faltava-me oxigênio. A falta de ar não era nada, diante de tudo que eu sentia. Sem medo, parecia flutuar à frente do que olhava com a visão embaçada. Eram flores por todos os cantos, naquele espaço imenso e plano rodeado de picos afunilados, esculpidos nas rochas, como se um escultor estivesse estado ali, por milhares de anos, executando esse trabalho. Quase sem vida, ainda tive o tino de procurar abrigo em algum daqueles picos, todos, praticamente, com uma porta estreita em que se podia entrar. Entrei, mas, não fiz fogo, porque não tinha mais forças. Acho que perdi os sentidos. Voltei à vida somente no outro dia, contudo, continuei deitado, esperando que alguma força aparecesse do alto.

Já era tarde quando sai da gruta e vi que havia água em abundância a qual jorrava de cada uma das cavernas e escorria montanha abaixo. Vi ainda, que havia muitas frutas no local, algumas pendidas em lugares perigosos à beira do abismo. Procurei apanhá-las o máximo que pude e comi até me fartar. Depois fui me banhar numa da bicas que vazavam lentamente para os precipícios. Constatei que a água era quente. Decerto, naquele lugar deveria ter existido algum vulcão, se é que não andava adormecido. A agua quente me fez sentir grande alívio nas dores que sentia no corpo todo. Sem nenhum medo, averiguei tudo o que pude.

Aquilo era mesmo um paraíso. Lugar seguro para morar e ainda poder escolher a gruta mais ampla que fosse, uma vez que não tinha para onde voltar. A água era abundante. Então pensei: Se cheguei até aqui sem saber por quê, certamente haverá de ter um porquê para eu ficar, enquanto houver vida.

Então, fui pensando que poderia descobrir como adquirir sementes para plantar, como colher, enfim, os trapos de roupas que tinha dava para não andar pelado, por enquanto. Lembrei do Tarzan e dei uma gargalhada que ecoou por todo o monte.

Quando a noite caiu, deitei ao chão mesmo gelado e olhei o céu salpicado de estrelas. Era lua nova, e ela se mostrava numa fatia fina ao longe, pregada no horizonte.

Nesse momento, mamãe quase arrebenta a porta do quarto para eu ir à escola. Dizia que já ia chamar o chaveiro. Estava atrasado e nesse dia teria prova de Redação.

Acho que, em vista do tema escolhido pela professora, sai-me muito bem com as argumentações acerca do assunto que escrevi com todo o empenho e satisfação.

Creusa Lima
Enviado por Creusa Lima em 20/05/2023
Reeditado em 28/05/2023
Código do texto: T7793066
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