Orvalho Matinal

Ajeitou os óculos acima do nariz. Dobrou a gola da camisa. Confiou os cabelos pretos lisos. Puxou de dentro da cigarreira um tabaquinho prensado permitido por lei. Em um lugar qualquer, os sinos repicavam.

Embora houvessem árvores frutíferas, por alí não haviam cantoria de pássaros, porém os ventos sopravam, fazendo dançar a aurora matinal.

Riscou a binga duas vezes e acendeu o "pito". Baforou algumas tragadas, fazendo-as rodopiar nos pulmões e libertando os anéis de fumaça à própria sorte no ar, contemplou a transcendência no vazio existencial. Seus olhos faiscavam feito relâmpagos luminosos riscando céu cinzento, prenunciando chuva intensa.

Entre uma divagação e outra, alimentou-se com a lei de atração e reação. Tornou-a verossímil e pensando-a como polos iguais na física, o mercador duvidoso não se preocupa se sua balança está descalibrada com algumas gramas à mais, exceto quando necessita comprar mercadoria por peso de outro mercador de igual índole.

Embora admirável, os humanos são sempre incompreensíveis. Contudo, ainda é preferível atura-los, pois em certos casos, os solilóquios da morte reverberam nos tímpanos, mas não deixam heranças e legados. Analisando melhor, quando deixam, o que se nota é a semelhança de atos entre os mercadores.

O tabaco esmigalhado que lhe trouxera alívio, não passava de uma bagana desvalida; restando portanto, a moral do ato: Ela até poderia, mas ventos passados e os cigarros queimados pela centelha de fogo e pitados pela boca, jamais renascem.

Preparando os passos para seguir adiante e apagando o incêndio da mente para suportar os desafios da caminhada, afirmou para si: "engana-se quem pensa que os orvalhos matinais que deslizam suavemente nas folhagens, não secam na estação chuvosa. E por ser verdade, eis o porquê todos os dias o Sol morre às tardes e renasce de manhã, para todos".

Sem rosa, Guimarães não está nada Prosa

Introdução:

as titicas, tocas e tabocas dos babacas Índios Bobocas; trocando em miúdos, somados e misturados os três fatores, quantidade, volume e tamanho, não representam a qualidade fisico-química da substância. Que fique bem claro!

Pressupondo que não tenha entendido nada, fazendo-me entender, nas minhas andanças pelo país, sinto-me um Guimarães Rosa; com a diferença que não sou médico, portanto, exceto salvar um bicho-preguiça dos pneus de carros que passam voando baixo, não consulto ninguém. Porém, a epopéia linguística é a mesma e Teobaldo e outros tantos de linguagem e costumes peculiares, é o que mais encontro.

Cheguei à lanchonete, uma senhora de meia-idade trabalhava com afinco; enquanto a mocinha portanto um anel de metal no nariz, no umbigo e orelhas, dentição esticada com arames; belas, expressivas e extravagantes tatuagens (pensei que ela foi atacada por bicho geográfico) e outros penduricalhos no corpo, atendia o balcão e sonolenta, atacava na caixa.

Logo na entrada, o apelo publicitário : "temos café quente e banheiro limpo".

Peço um café com leite. E o café era quente com leite frio. Como dois pães de queijo e peço uma água de um litro e meio; em seguida, a conta.

A mocinha pergunta os valores para a senhora, os quais são números não fracionados. Inicia a épica batalha da mocinha para fazer a soma: caneta, folha de papel, calculadora, forno microondas, celular, máquina de escrever. Após minutos e mais minutos debruçada sobre os números e máquinas, Eu digo para Ela: " onze reais, certo"?

- Sim. - pago e sigo viagem.

Em outra parada, essa fim de tarde, saio para dar uma caminhada pela cidade. Olho uma coisa, ouço outras; e sigo catalogando absurdos e hilaridades.

Nem é preciso pesquisar para saber que cidade é mais uma daquelas assistidas pelos governos Estadual e Federal; mas é plenamente satisfatória ao Padre, Delegado e aos políticos locais, ou seja, Prefeito e Vereadores. Em todo sistema, existem os privilegiados, desfrutando de segurança, tanto a dos homens, quanto a de Deus.

Um casal de idosos gasta o tempo que lhe resta no peitoril da janela, bisbilhotando o cotidiano.

No lado oposto passa uma mocinha: "vô vê se inda tá aberto". E abre o compasso das pernas. Pouco depois volta: "viu, inda deu". - resmunga para o casal de idosos.

- inda deu, quê?

- a venda tava aberta. Inda deu preu comprá.

- comprá, o quê?

- Ess brinquedim. Meu fio pidiu o dintero.

- quê brinquedim?

- es trem! A gente apreta, Ele gemi.

- tindi!

- Boa noite, procês.

- Boa noite!

Na rodoviária, uma família desgarra do sertão com destino à cidade grande. Sacos e mais sacos de bagagem. Qualquer problema, serão as camas para o descanso merecido dos justos.

Encontram alguém conhecido. Começam conversar. O desconhecido pergunta: "pronde cês vão agora".

- nois tamo ino pra Beozon.

- uai, num dero certo in Pó de cal, não, Sô?!

- demo não. Si num dé em Beozon, vamu pra Sumpalo.

- Té loguin!

- inté.

Assim vai-se construindo um país chamado Brasil; no qual, as favelas de tijolos aparentes são as novas caatingas desertificadas dos Grandes Sertões Veredas. E dentro delas tem e saem de tudo: cobras, lagartos, ratos, baratas, pernilongos, mosquito aedis e até gente. - "saem de tudo": apenas um exagero hiperbólico de linguagem.

Brasil, quem te conhece amiúde conta e escreve sua velha história torta, embolorada, escusa e enrugada, feito papel de pão usado, em textos, retamente fundamentados.

Traduzindo para uma metáfora filosófica, quando se estrutura a obra arquitetônica em cima de areia movediça ou terreno alagadiço, o recalque do conjunto é inevitável. Contudo, algumas fortalezas resistem ao abalo e afundamento do solo.

Até quando? Aí depende da fé do povo em "Padim Padim Ciscu" e da pesquisa científica realizada por Deus sobre as questões geo-metereológicas de cada lugar deste imenso Grandes Sertões Veredas. País tão rico, tão belo, de paisagens exuberantes; todavia, proporcionalmente, tão maltratado pelos exploradores. A saber, portugueses e demais exploradores modernos, somos nós, brasileiros; e o machado que puder mais, que abra clareiras na Floresta Amazônica para construir tocas nas tabocas que sobraram dos babacas Índios Bobocas.

Uma vez província de exploração, sempre província explorada. A mata Atlântica já era; ou os 7% restantes é reserva de oxigênio suficiente para os mais de 210 milhões de pombos exploradores?

Perdoe-me os espinhos, mas ser Guimarães Rosa por ao menos um dia, é fundamental à originalidade elementar de um povo.

P.S.:

com a infestação de pombos e onde tem pombos, os piolhos habitam, um país não é, se não, sua cultura, hábitos, nacionalidade, costumes e geração.

Originalidade, dai-nos uma hoje, porque a usada por nós, pertence aos gringos; portanto, estamos a mais de 5 séculos órfãos de sermos nós em inteireza e totalidade.

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 19/12/2022
Reeditado em 20/12/2022
Código do texto: T7675309
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