Plantem Flores
Meu corpo flui pelo universo. Vaga solitário pelo desconhecido. Etéreo gás insolente no vácuo. Bato na porta de uma nuvem procurando pouso. Noites mal dormidas. Vacantes não tem onde estirar o corpo. Por uma noite, apenas uma noite, serei hóspede representante da miséria humana. Embora nada tenha feito por merecer, enquanto arrumam a cama, folheio o diário assinado por um vagabundo.
Desvio as vistas do folhetim. Olho ao lado. Fito os olhos em algo que também está procurando se encontrar. Penso: "não estou sozinho nessas paragens inóspitas". Minha alma parece estar lá. Como pode uma alma desincorporada? Chegara primeiro, presumo. Tombada. Desfalecida. Fico estarrecido por ser ignorado pela minha essência. O que fiz para merecer tamanha ofensa? Almas escondem suas sensibilidades no silêncio taciturno.
Cumprimento-a: "muito prazer, sou seu dono". Humildemente e em prantos, clamo por reconhecimento. Meio que sem jeito, ela diz-me que dono que não conhece sua alma, não merece atenção e reconhecimento. Cambaleante e trôpega, uma névoa agourenta varre-a para longe. Se não me pertencia, de agora em diante, menos ainda. Partiu feito corisco. Acenou um adeus. Meu íntimo consciencial me diz que não devo aceitar o adeus, mas um até breve.
Se nascemos um para o outro, o que será de mim, separado dela; e o que será dela, separada de mim? Pelo seu temperamento, tamanho e maneira de encarar a vida, certamente, não caberá em outro corpo. Certamente, o molde anímico foi projetado sob medida para meu corpo.
Grito pela sua volta. Imploro que não me deixe só. Implacável, ela some no espaço. Apenas um vulto, um ponto misturado às estrelas no firmamento. Retorno ao que era: um homem nu. Despido de essência. Nada possuirá, quem nada tem para oferecer. Uma árvore sombria. Semente que não germinará. Raiz seca. Insignificante.
Uma trombeta apita no além. Somos guiados por uma horda de anjos. Rodopio feito cisco tragado pelo redemoinho. A viagem astral é curta. Curto música que silencia os ouvidos. Música que os tímpanos apreciam os acordes e notas, dispensa vocal. Deleito-me como nunca. Entretanto, como gostaria que ela se convencesse a voltar. Presenteasse meu corpo, com aquilo que o pertence. Corpo desnudo é deplorável. Anjos angelicais, traga minha alma de volta.
Palavras são palavras; atos são atos; vermes são vermes; apelos são apelos; corpos sem alma são corpos desalmados; Jesus foi Jesus e Deus poderoso ainda é o Pai de toda matéria e alma. Pela ferrovia denominada "40 graus Celsius de febre" segue a locomotiva enfumaçando os sonhos. Fora dos trilhos, segue a locomotiva espantando almas; sumindo com os bons e fazendo aparecer os maus espíritos.
Febris, corpos e almas vagam pelo mundo em noite enluarada. Paramos frente a frente. Deveras nos conhecemos. Para amenizar a loucura, ambos pedem um antitérmico. Temperatura abaixa para 36 graus Celsius. Encorporamos-nos um ao outro; e é vida que se renova. Pertencemos um ao outro.
Posto que a vaidade é febre envaidecida pela soberba, sublime é colher flores nos Parques das Igualdades e respirar os perfumes da simplicidade. Flores são flores e cada espécie possui as características, as quais lhes são peculiares.
Corpos e mentes sãs são flores que adornam almas singelas e puras; motivo de não existirem, de não serem encontradas em qualquer coração humano. Destarte, não desisto, nunca de plantar flores, para quem sabe, colher pétalas em almas serenas.
Não que eu exija. E a minha pétala anímica sabe deste pequeno grandioso detalhe, porém, é gratificante ser restituído do investido; é imensamente deleitoso ver florescer o semeado. E tudo se resume em alma transportada para a liberdade.
Caminhe, vamos; sinta-se convidada! Terás companhia. Quem? Eu...; somos unicidade!