Os Caçadores da Ilha da Alvorada

O caçador percebe sua presa. Ele à visualiza entre os traços na relva. Pequenas marcas, imperceptíveis a olhos comuns. Como uma interferência, ou um relevo. Ora visto, ora imaginado.

Não é a imagem que o faz perceber. Também não é o odor trazido pelo vento. A percepção se dá muito antes da imagem ou cheiro. Os crentes a consideram como uma premonição. Já os céticos dizem que ela é imaginada, mas o caçador sabe que existe algo além do que o seu faro ou visão pode perceber.

Com onze anos, Arch Hofferber já tem o que os grandes mestres da caça chamam de sentido do caçador.

Arch veste uma capa curta de peles. Em sua mão carrega uma lança com sua haste de cedro reforçada com tiras de oricalco, com sua ponta larga e afiada feita de osso. Apesar da sua aparência suja e esguia, sua lança e uma peculiar corrente de prata que prende sua capa denunciam sua nobreza. Na corrente, dois pequenos triângulos trançados formam um hexagrama, uma estrela, símbolo de sua casa. E nela uma frase incrustada.

- Eu sou a força! - ele a sussurra.

Esta famosa frase, é o lema de sua família, e é também uma oração. Ou uma canção. O significado remete ao fôlego. A energia que move todas as coisas a qual todo ser vivo faz parte.

Arch lembra de sua família, mas dela pouco sabe, exceto que seu pai morreu como herói em uma guerra perdida e sua mãe e irmão desapareceram em um naufrágio. Ele lembra do rosto de seu pai em uma única lembrança dele se despedido de sua mãe em um barco. Da sua mãe ele ainda guarda outras duas lembranças: O seu abatimento por motivos que ele pouco compreendia. E ela o deixando na Ilha da alvorada, a ilha dos órfãos.

O jovem caçador recorda mas não sabe se as lembranças são realmente suas ou imaginadas. Ele foi deixado na ilha com apenas quatro anos. Para Arch, foi a ilha, a floresta e a Mãe Raposa que o criou.

Conforme caminha e divaga, Arch vê o alvorecer na ilha. Atento a tudo que acontece em seu campo de percepção. Ele vê as folhas que caem ao crepitar do vento. Vê movimentação uniforme de formigas em um tronco próximo. Escuta o atrito do vento nos galhos. Sente a terra macia em seus pés descalços. E sente o próprio movimento, corrompendo a corrente das coisas. Arch procura manter a mente limpa. Esperando o momento exato de agir.

Por um instante, um distante alvoroço de pássaros rouba a sua atenção. Então ele vê o cervo, sua presa. Arch calcula o terreno, esconde sua presença e, se posiciona a uma distância ideal. O cervo já não tem como escapar.

Este exato instante em que o caçador captura sua presa, é quando ele tem a sua presença revelada. Consequentemente, a atenção do caçador está totalmente voltada a presa. E esta momentânea inconsciência do que acontece em seu campo de percepção o torna vulnerável.

O predador escolhe a caça e não o caçador.

Acontece que Arch não percebe e não esboça reação alguma quando uma enorme águia, com aproximadamente oito metros de envergadura, pousa sobre o cervo.

Ele observa atônito a gigantesca águia destroçar a caça em suas garras. Sabe que pode correr e fugir. Sabe que pássaros deste porte são lentos em solo. Mas Arch nunca viu um pássaro desse porte e ele permanece estático, estarrecido.

Por um breve momento, a grande águia o observa. Os enigmáticos olhos azuis da fera são como um universo de fascínio e de terror, mostrando um mundo pleno com tudo o que o jovem caçador ainda não viu ou viveu.

Logo, a grande águia bate asas e lentamente alça voo. E quando ela começa sumir no céu um gorjeio estridente estremece parte da Ilha da Alvorada.

Durante algum tempo, Arch permanece ali sentado. Olhando o horizonte e imaginando os perigos e maravilhas do mundo exterior. Apesar da caça infrutífera, ele não sente mais vontade de caçar. E refaz o seu caminho na mata.

Ao se aproximar do acampamento, sente um odor aromático e, envolvido pelo cheiro, involuntariamente acelera o passo. No acampamento, vê uma fogueira onde algo cozinha a fogo baixo.

Sentada ao lado da fogueira, uma pequena garota, de cabelos negros. Muito bem agasalhada. Seus indecifráveis olhos negros o faz lembrar dos olhos da grande águia.

- Bem-vindo jeger! - disse Alena Sullivan.

- O que tem no cozido? O cheiro parece bom.

- É só um cozido de sementes com cogumelos e ervas, nada demais. - respondeu Alena meio sem jeito, o que deixa transparecer suas sardas rosadas.

Desconfiado, Arch caminha lentamente e se senta ao lado do fogo.

Com nove anos Alena Sullivan, é famosa entre os órfãos pelos seus pratos saborosos e pelos efeitos colaterais em seus testes com ervas pouco convencionais.

Ele senta ao lado da fogueira e se serve. E o cozido está realmente bom.

Arch não sabe se é o sabor do cozido ou o risco de comer algo que possa estar envenenado, mas na medida que come, ele sente um calor percorrer seu corpo e uma estranha sensação de ousadia invadir o seu íntimo. Ele pressupõe que a aparição da grande águia o tenha mudado.

- Você viu a águia que passou pela ilha mais cedo? - perguntou Alena.

- Vi sim, Ela pegou minha caça - ele respondeu ainda devaneando.

- Ah, você está dando desculpa por não ter pego nada - contestou Alena, mesmo tendo acreditado nele.

- Não to mentindo, a águia desceu, pegou minha caça e voou. - respondeu Arch que então percebe uma aproximação vindo da floresta.

- E ela era grande? Já pensou que a presa dela poderia ter sido você? - continua Alena tentando provocá-lo.

Arch se vira e vê um garoto esguio, de cabelos longos e trançados, não trajando peles apesar do frio, esse é o Remo Ludovich, seu parceiro de caça.

- Você parece molhado irmão - provocou Arch.

- E você parece um castor assustado, aliás nem um castor você pegou - revidou Remo.

- Um castor? - indagou Arch em tom jocoso. - Se quiser eu cavo um buraco aqui e agora então te mostro um castor, mas faço isso só se você der um jeito nesse seu cheiro de litorâneo!

Os se encaram por um momento e então começam a rir.

Remo aparentemente estava pescando e Arch faz alusão ao antigo povo litorâneo que foi permitido viver na encosta oposta da ilha. Vivem basicamente da pesca marítima, exportando o pescado para o reino. O castor a que se referem é um roedor ancestral do castor. Ao contrário do castor conhecido, esse vive no solo e usa seus dentes para cavar.

O fogo estala, Remo se aproxima dele e sente o aroma do cosido.

- Esse cosido esta bom? Acho que os castores e até os litorâneos foram atraídos por ele.

- É claro que esta! - resmungou Alena.

- Ainda estou vivo - brincou Arch.

- Se você quiser eu dou a sua parte para os castores - ela respondeu.

- Bom, seria um desperdício! - disse Remo que se serve do cosido.

- Você realmente viu a grande águia? O gorjeio foi intenso... - perguntou Remo em tom enlevado.

Arch conta como foi surpreendido pela águia no momento em que ele iria capturar a presa. Entusiasmados, Remo e Alena perguntam a ele sobre a anatomia do grande pássaro ao que Arch busca ser fidedigno.

- Você acha que era Ziz? - perguntou Alena que ama contos.

Ziz era uma ave colossal de um antigo conto do povo litorâneo. Segundo a lenda, Ziz tinha um bom coração e alertou navegantes que precisavam tomar banho mas não sabiam se o mar era fundo.

- Acho que ela não estava preocupada se eu iria tomar banho - respondeu Arch com hesitação.

E os três divagam por um tempo ainda, a imaginar como seria o mundo exterior.

Obs: escrito por @arirj3d [endereço no wattpad] meu irmão.

arirj3d
Enviado por Waldryano em 30/04/2018
Código do texto: T6323474
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