Desalento Noturno de um Solitário
O resquício produtivo da fruta, que é a semente, reluta em não voltar para o pó, o qual não devia ter saído; porque apenas umas poucas germinaram bons frutos.
Enquanto as construções, os relógios, as baratas, os ratos, os ladrões, os homens e os escorpiões dormiam... alguém exercitava o direito de passar uma noite harmoniosa de domingo na avenida Paulista. Desconhecido em terras indígenas, é verdade; mas alguns povos evoluídos denomina esse tipo de evento como Cidadania. Socialização humana.
Pequenos gestos de solidariedade tornam grandes, as obras. Por exemplo, dar a mão para o deficiente visual ao atravessar a rua. Ensinar uma criança a andar de bicicleta. Desejar um bom dia ao porteiro. Adoçar a vida do pedinte no farol com um pirulito. Orientar corretamente quem pede uma informação: dizer que não sabe não significa incompetência.
Ceder o assento nos coletivos para gestantes, idosos e deficientes. Oferecer um copo com água para o gari. Varrer a calçada e aguar as árvores. Por farelo de pão ou frutas para os pássaros (exceto pombos) urbanos. Não esperar as campanhas para doar roupas usadas para os andantes de rua; pois o frio ou calor é próprio de cada um. Dedique uma foto para quem só se vê, quando o tem, no espelho.
Separe por tipo, recicle e dê fim aos restos, ao lixo, ao resquício de seu consumo. Invente, arquitete, seja você um criador humanitário e não deixe a humanização dormir ao relento; pois as intempéries mudam repentinamente. Enfim, além do custo inicial ser baixo e os benefícios a longo-prazo ser abundantes, deve-se pensar que amanhã pode ser tarde para humanizar; então não protele o que pode ser feito agora, arrume as malas, vista sua roupa desbotada, compre o passaporte e embarque no portão da solidariedade; acima de tudo, o humanismo está taxiando na pista e não espera pelos desatentos e atrasados.
Deveria ser o contrário, mas tenho que admitir que os desalentos noturnos passam e os sonhos ficam. E os sonhos seriam possíveis, se os meus desalentos não fossem sonhados numa noite sombria em uma Paulista vazia. Uma Paulista vazia que durante o dia é o carreiro do formigueiro que segue apressado em direção à bateia do ouro, para a noite se transformar em desolação dos que dormem sem cobertor, sentindo o sol das altas temperaturas corando-lhes a cara, remoendo o frio corrosivo e amargo das desilusões no couro.
© obvious: http://obviousmag.org/ministerio_das_letras/2016/07/de-uma-chance-para-a-humanizacao.html#ixzz4pnmmQ15n
Follow us: @obvious on Twitter | obviousmagazine on Facebook