O Pintor da Morada de Deus

Fala-se muito em Deus. Deus, Deus, Deus! Mas poucos reconhecem que Deus é malabarista lançando jatos de pó químico, equilibrando-se com os baldes de água, dançando de braços abertos sobre a corda bamba que une os extremos de um mundo em chamas.

Você sabe o que são estrelas? Já pintou uma delas? Não sabe o que está perdendo. Elas riem de tanto prazer, brilham pelo colorido dado à elas. Tente, acho que você também é pintor de estrelas. Não se preocupe com a altura e o alcance de seus braços: elas descem, vem até suas mãos. São como os vagalumes. Piscam dizendo: estou aqui, pegue-me, repare-me; e pinte-me se for capaz!

Não, não me considero religioso. Mas também não deixo de acreditar que exista um Deus sobre o teto de minha casa. Aliás, essa moradia doada em sistema de comodato foi me emprestada por ele.

Sim, existe um Deus. Um Deus que me guia. Um Deus que como a invisibilidade do vento, leva-me para lá e para cá. Toca minhas faces sutilmente, como a delicadeza do fio de agulha do beija flor tocando o interior da flor desabrochada. Um Deus me faz dançar, como dançam as borboletas. Um Deus supremo que guia-me por caminhos incertos, porque a retidão pertencem aos caminhos, os quais deixo as minhas pegadas. Um caminho permeado por flores heliotrópias dos dois lados sorrindo para um sol sisudo; pois as nuvens não lhe dá sossego. Corre os quatros cantos, tapando-lhe os olhos.

Estranho e raro isso, não? Acreditar em um Deus que guia o seu filho pelos caminhos incertos, ainda mais quando sua imagem e semelhança está endereçado para o bem, foi crismado nas águas da benignidade, comunga da igualdade e justiça dos justos. Para ser sincero, embora ele esteja comigo, eu nunca estivesse com ele e se alguém caminha acompanhado por alguém, esse alguém é ele. Em certas ocasiões, penso que Deus sou eu. Pois, se Deus é soberano, onipotente, onisciente e onipresente, eu também possuo essas qualificações aqui na Terra; e o melhor, materializado. Eu posso ser visto, tocado, apalpado, reprimido e Deus invisível não. Ser Deus: os humanos não sabem o que isso. O sentimento que isso causa. A fluidez de bem estar na corrente sanguínea. Como gostaria que o mundo pertencesse e só tivesse deuses. Mas humanos possuem ossos, carne, são inteligente, dotados de livre-arbítrio, racionalidade dialética e carregam nas costas constelações de pecados. Mais pecados e embora possuem estrelas, essas são apagadas, esperando pelos lápis de cores. Por isso, são trevas. Profunda escuridão.

Se o outro Deus existe ou não, não importa. Importa que eu o represento. Tomo a frente das coisas. Lidero um rebanho. Eu sou o Deus da Terra e pinto as estrelas. E quando sinto necessidade de atingir o Nirvana, adentrar o paraíso, colher flores no Jardim do Éden para enfeitar o altar e conversar com Deus, caminho a noite inteira, tomo uns tragos de inspiração reparando o quão lindo é o universo, esparramo corpo debaixo do sombreiro da lua, pego as minhas companheiras em meu embornal invisível, beijo-as de cima abaixo, desenho um céu abobadado e encho-o de estrelinhas pintadas. Meus desenhos e pinturas são lindos. O Deus invisível é mistério, mas as obras dele são palpáveis, motivo d´eu me sentir um Deus quando saio a noite para rezar e pintar o céu cheio de estrelas.

Definitivamente eu não preciso de religião, mas preciso de céus abobadados, com uma lua cheia amarela lá no canto, circundada por uma circunferência alaranjada e estrelas. Pintar estrelinhas é a minha religião. Enquanto todo o mundo as ignora, eu quero todas as estrelas do céu para mim. Quero muitas estrelas, para quando eu sentir vontade de confessar minhas fraquezas, quando eu querer entoar uma música em forma de oração, tenha em mãos uma caixa de lápis de cor e uma folha de papel em branco, para desenhar um teto cheio de estrelas coloridas e chamá-lo de céu. Um céu celestial para chamá-lo de moradia de Deus. Um Deus que guarda e abriga um pecador sem religião. Um Deus que protege o pintor de céu estrelado, conhecida morada divina.

Por que o Deus supremo é repetição. Eu repito sempre os meus desenhos de céu estrelado, as minhas pinturas, os meus coloridos, para estar em constante sintonia com Deus. Solicitamente, com os lápis-de-cores, pinto um céu abobadado para meu Deus e consequentemente, dormir sereno debaixo dele. Quem tem uma caixa de lápis de cor, tem um céu para pintar repetidas vezes; e quem tem um céu pintado repetidas vezes, tem Deus em seu coração. Amar é repetir gestos de solidariedade. Por que o Deus supremo é repetição. Eu repito sempre os meus desenhos de céu estrelado, as minhas pinturas, os meus coloridos, para estar em constante sintonia com Deus.

Amar é repetir gestos de solidariedade todos as horas, todos os dias, todos os meses, todos os anos. Por toda a vida, solidariedade é dar a vida, pela vida! Eu tenho um teto abobadado, com uma lua no meio, cheio de estrelinhas miudinhas, grandinhas, todas elas coloridas. Eu dou vida à elas. Dando vida à elas, dou vida a minha religião. Pinto estrelas. Pinto um coração. Pinto um Deus, porque sou o pintor da morada de Deus.

E os povos do mundo inteiro sabem de tudo, definem tudo, conhecem todas cores de cor, tem explicação para tudo, mas ninguém sabe o que é pintar estrelas. Ninguém sabe como é salutar e significativo pintar estrelas. Repetir as cores nas repetidas estrelinhas. No meu mundo, o céu é igual, as casas são iguais, os brinquedos são iguais, as estrelas são iguais; a lua demora uns dias, mas quando aparece é igual, as cores dos lápis são iguais; tudo, absolutamente tudo, é exatamente igual, mas não me canso de pintar com cores vivas o teto que pertence ao meu Deus, o Deus da igualdade e justiça. O meu teto, minha cobertura, meu amparo, minha proteção.

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 01/06/2017
Reeditado em 03/06/2017
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