Nascimento e morte
Bummmmmmmmmmmmm! Bummmmmmmmmmmmmmm!
- O que foi isso? Que estrondo mais funesto! – quis saber o Cágado.
- Isso são os sinais do fim dos tempos. Mais um continente caiu por terra. São cinco, mas para protelar um pouco mais a sua vida aqui no planeta, vamos considerar a Antártida como sendo continente; portanto faltam mais cinco. Assim que você ouvir o restante, o mundo automaticamente acabará. – respondeu o Coelho, o animal de intelecto mais evoluído presente à conferencia sobre o apocalipse.
- E o mundo acaba? – enfiando a cabeça dentro da carapaça, perguntou o assustadiço Tatu.
- Claro que acaba. Tudo tem fim: a vida, o alimento, a água, a chuva, os animais, os humanos, o casamento, o abrigo. Tudo termina um dia e quando isto acontecer para todos, o mundo acabará. – ratificou o Coelho. Lembre-se que faltam apenas mais cinco retumbares; mais cinco estrondos e tudo vai para o ar. Vou falar pela última vez. Quem avisa amigo é...- e postou-se à cabeceira da mesa o Coelho.
- Quanta estupidez desses idiotas que morrem submissos à ignorância! Fazer uma conferência para discutir aquilo que jamais ocorrerá. O mundo acaba para quem morre; e morre, quem morre. – relinchou o burro.
- Oh morte, que dizima os ratos, dizima os gatos, dizima as serpentes, dizima os leopardos, dizima o lobisomem, dizima as antas, dizima as capivaras, dizima o homem! Diga-me em que sombra tu escondes. Em que berço tu dormes. Em que picadeiro fazes os fracos sorrir. Em que velório fazes os fortes chorar! Morte, que venha em nome da morte, mas que a minha nostálgica morte demore a chegar. Em nome da morte do Padre, do filho, do Espirito Santo, da Capivara, da Anta, amém! – “A morte que alimenta os vivos”; esse era o título da oração que as Ienas, com os dentes arreganhados oravam ao lado de duas carcaças dos restos mortais de uma anta e uma capivara à espera do: “está liberado, podem comer”, pelo líder.
- Vou trabalhar ainda mais a partir desta conferência; sempre acreditei que o trabalho renova o mundo e mundo renovado nunca falece. Estou indo. – carregado com uma pesada carga de rapadura, foi se afastando o Cavalo; antes porém, resfolegou e bateu as patas para retirar o amontoado de barro que estava grudado nas ferraduras.
- Para quem vê o mundo de cabeça para baixo, quê o mundo acabe; não estou nem aí! Com relação ao trabalho, trabalhar dá trabalho. O que todos veem como virtude, eu vejo como hipocrisia e mesquinharia. Curto mesmo é muito sossego e um longo bocejado. Aaaaaaah quanta preguiça! – rezingou contrapondo às palavras do Cavalo, o Bicho Preguiça.
Bummmmmmmmmmmmm! Bummmmmmmmmmmmmmm!
- Pela contagem do Coelho falta apenas mais um estrondo! Que continente será que foi para o ar desta vez? – fazendo esforço incomensurável para abrir os passos, correu para a água a Tartaruga; pensava que nas profundezas do mar estaria salva do fim do mundo.
- Resta apenas a Antártida. Estamos salvos por enquanto, mas não por muito tempo! – vociferou taciturno o pessimista Coelho.
- Como não dá tempo de correr, vou cavar uma cova e enfiar a cabeça para meus olhos não presenciar tamanha desgraça. – deixando somente o rabo para fora, assim fez o avestruz.
- Queridos irmãos, vejamos o descrito em 2 Pedro 3:10: "Virá, pois, como ladrão o dia do Senhor, no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo, se dissolverão, e a terra, e as obras que nela há, serão descobertas." – exatamente no momento em que religiosos pregavam sobre “O fim dos tempos” em todos os templos do planeta, o pior aconteceu.
Bummmmmmmmmmmmm! Bummmmmmmmmmmmmmm! Pronto acabou o estoque, inclusive a lambuja de um continente dado a mais pelo Coelho. Fim do mundo; fim dos tempos; fim de tudo.
- Cadê todo mundo? Que nada, morre quem morre, foi o que ouvi do sábio Burro! Ele também partiu desta para uma melhor, mas olha eu aqui na pior para contar a história! – gargalhando, comemorando e dando vivas, foi o Pavão mundo afora.
Estava ele em outro continente; ou melhor, caminhando a esmo, sem localização geográfica exata sobre um mar de cinzas fumegantes, idealizando um novo mundo onde podia-se viver em ambientes harmoniosos; sem fome, privações, guerras, prostituição, tráfico e sodomia; com lugares mágicos, justiça, igualdade, belos e dotados de liberdade, quando olha ao longe e vê a imagem de um leque aberto.
- Não acredito, só pode ser miragem.
Aproximaram-se. E realmente era uma Pavoa com o leque aberto, que assim como ele, havia sobrevivido ao holocausto do fim do mundo. Chega perto e abre a cauda, que não resistindo a tentação de tanta beleza, encanto e fascinação, faz o mesmo. Fazendo juras de amor e trocando calorosas carícias, ele sopra no ouvido dela: “Minha querida, você acredita que o amor supera o fim do mundo”?
- Difícil saber, mas que esse lengalenga de esfrega-esfrega vai acabar dando merda novamente, isso é certeza absoluta. No momento, é a fome com a sobra; não há escolhas. Nesse deserto inóspito, estou com o leque aberto procurando por aquilo que é a obscura leveza dos vivos e a claridade indicadora das portas para o desafeto, trilha condutora para o inferno da morte. Pula pra cima, já meu macho!