O Caçador de F(a)OTOS.
Fim de tarde. O calendário, que pode ser chamado de melhor amigo do batalhador urbano, prenunciava mais uma véspera de feriado prolongado. Nas grandes metrópoles começava o corre-corre insano para fugir da maratona dos congestionamentos infindáveis, formado pelo excesso de carros nas ruas e avenidas. Nesses ocasiões, a lentidão no trânsito torna insuportável e monótono a vida do citadino. Lá, nas grandes metrópoles, rotineiramente, as mentes bêbadas fervilham ladeadas pelo caos. No entanto, sendo obrigado a conviver com o problema, o melhor antídoto para superar o trauma é agir com cautela e paciência. Por sorte, naquela tarde a temperatura estava bem aceitável e uma brisa leve soprava, refrigerando os neurônios dos mais insensatos.
Contrapondo o parágrafo inicial, no outro lado da colina, a monotonia é procurar e não ter o que fazer. Ás vezes, dias são meses e meses são anos. Daí, qualquer atividade é bem vinda e auxilia no preenchimento - para não dizer matar – de passar o tempo. E foi exatamente com esse intuito que o meio fotógrafo enfiou dentro da mochila a câmera fotográfica, apurou os olhos e saiu à caça de paisagens que pudessem satisfazer o seu ego de meio matuto. Embora esteja perto do meio século, diante de tanta vivência por que já passou, o moço considera-se meio em muitas atividades que já exerceu. Nunca pretendeu e não pretende ser completo em nada. Para ele, fazer profissionalmente e experimentar um pouco de tudo é melhor que fazer, rotineiramente, do pouco e único, o tudo.
- quem meio imita, passa por inconvenientes inteiros, mas dificilmente se limita. – esse é o dístico assinado e rubricado pelo meio fotógrafo.
Embora o carro seja a coqueluche popular dos tempos modernos, o anacrônico do fotógrafo prefere adotar a “magrela” como meio de transporte, o que por sinal, para ele não é nenhuma inovação, pois mesmo na cidade grande, já rondava a cidade em cima de uma. Desafiando carros, motos, pontes, viadutos, semáforos e as crateras do asfalto, fazia o triângulo da trilogia: trabalho, faculdade e casa em cima de uma bicicleta.
Dizia o pedaleiro: “a teoria mais eficaz que os ambientalistas deveriam estudar, é o próprio ar filtrado pelos seus pulmões. O oxigênio está no interior de cada vivente, basta um pouco discernimento e sabedoria para reconhecer a energia vital gerada por ele. Pouco importa o excesso de teoria superficial para o mínimo de solução natural”. Naquela época, o rio tietê já era o que é hoje e a mata atlântica já havia se sucumbido ao ronco das moto-serras e quem falasse em preservação e meio ambiente, tinha a cabeça decapitada em questão de minutos. No entanto, passadas algumas décadas após a decadência de ambos, há quem afirme que voltarão a ser o que eram: o rio tietê límpido e navegável e a mata atlântica cobrindo de verde praticamente o pais inteiro.
Pedalou, pedalou e fez a primeira parada. Embaixo, entre o plano e o fundo de vale, avistava-se uma pomposa construção totalmente avarandada. Nos fundos da casa, subiam-se faixas delimitadas com arame farpado, cobertas com gramíneas verdejantes, onde animais pastavam. A vista fantasiosa e exuberante convidava para o tira e põe das lentes. Olhou; pensou; realizou. Cenário visto, é fotografia clicada. Arriou a mochila no chão, retirou a preciosidade, montou a lente, focou e iniciou o ensaio. Bateu a primeira, examinou. Ainda na mesma posição e ângulo de focagem, alterou os parâmetros para tomada e disparou a segunda, novamente fez a verificação da foto.
Assim sucessivamente a terceira...a quarta...a quinta. Quando entendeu que havia selecionado as fotos que melhor adaptava-se a tomada, recolheu os equipamentos e enfiou novamente na mochila. Seguiria viagem em busca de novos ensaios.
Passou por um vilarejo. Subiu uma ladeira íngreme. Após uma suave descida e início de nova ladeira, à sua esquerda, uma boiada bem vistosa pastava próximo à cerca de arame farpado. Saltou da magrela e pôs-se em pé, observando a pequena boiada. Como era um gado de raça mesclada, alguns animais ressabiados fitavam o olhar no meio fotógrafo e outros ameaçavam disparar pelo descampado afora. O moço empunhou e ajustou a câmera e falando algumas palavras direcionadas à manada, esperou o momento ideal para que o gado acalmasse e foi aproximando-se da cerca.
Esparrame as cartas e leia a sua sorte
Mal sabia o ex-rei do gado que sua filha e o futuro genro, por um bom tempo, foram literalmente do fundo da cozinha da casa do meio fotógrafo. Na realidade, o meio fotógrafo, o ex-rei do gado e família, o seu genro e família já se conheciam desde muito antes, pois pequenas coincidências instintivas, selam grandes laços de conhecimento e amizades. Mais um motivo para o meio fotógrafo ser meio em tudo, no entanto, o que leva-o a viver a vida, não pelos meios, mas sim em sua completa totalidade.
Transcrito pelo mediano escritor, deu-se assim o conhecimento entre o ex-rei do gado e o meio fotógrafo, que também é meio pedaleiro, que já foi meio engenheiro, meio tecnólogo em construção civil, meio professor, meio dono de república, meio leitor, meio lavador de banheiros, meio vendedor de flor em semáforos, meio balconista, meio comerciante, meio lavador de pratos, meio servente de pedreiro, meio ambientalista, meio filósofo, meio cosmopolita, meio conservador, meio turista, meio idealista, meio revolucionário, meio psicólogo, meio inteligente, que goza e esta na plenitude da meia idade.
Ele, entre os inícios e os meios, cedo, sempre cedo, atinge os fins. Pois, como o dia que nasce bem antes da aurora e do nascer do sol, procura começar cedo, o que cedo deve ser começado, pois assim terá mais tempo para esquecer de algumas e iniciar outras novas experiências e tarefas. Porém, o caçador de fotos, nessa sua nova etapa de vida, primordialmente descobriu que, quem caça e dispara a máquina fotográfica contra as singelas paisagens ofertadas pela natureza, acaba encontrando amizade.