A TRANSCENDÊNCIA de Diadorim
Diadorim adormecera com a proposta de um dia acordar. No adormecer, adquiriu asas e assim que atingiu o firmamento, geometricamente, parecia um cisne branco cinza. Sua envergadura conferia-lhe um voo soberano sobre o lago Titicaca e vistoriar aquelas belezas sobrenaturais, era como se o céu descesse sobre ele, que elegantemente e dotado de movimentos ritmados e compassados de asas, mostrava sua exuberante e lustrada plumagem. Sob a incidência dos raios do sol brilhava como cristal.
Pousou na copa de uma frondosa árvore, abriu o seu cartão postal, que é a imensa e prepotente envergadura, fechou os olhos e deleitou-se com as lufadas de ar que o arejava de baixo para cima. Como a temperatura do sol estava em brasas, vez para outras, fincava as patas sobre o galho, jogava o corpo para trás e fuuuh: dava um rasante sobre as águas límpidas do lago.
Num desses voos, observou uma silhueta refletida no espelho d`água, notando que era ele e apesar da inigualável beleza, nada modificou a sua maneira de ver os demais pássaros e aves; pelo contrário, partindo da lei premissa herdada da Natureza, a qual naturalmente todos gozam do matrimônio da igualdade, questionava sobre quais e como são os modos de avaliação do que é belo e o feio.
Ao retornar à árvore, um urubu pousou no galho ao lado. Olhou para si, para o vizinho e quando este iniciou o voo sobre o lago, Diadorim fez questão de dar um rasante. Entre eles havia uma gritante diferença; porém isto não agigantou seu intimo. Embora sua beleza fosse de dar inveja, mantinha-se pacato e reticente, sem fazer-se notar. Igualava-se aos demais através da discrição.
“O belo e o feio não existem; mas sim a relação respeitosa e solidária de uma espécie para com a outra. Somos todos iguais perante uma proposta maior e embora ninguém saiba qual é, ela paira entre o céu e a Terra e num momento qualquer faz-se revelar. Esta é a assinatura e Revelação dos velhos sábios que vagam pelos ares”.
Quando o sol baixou e a temperatura ficou amena, embarcando nas lufadas de vento, Diadorim voou para o alto e avante. Subia em movimentos espiralados, percorrendo grandes diâmetros de extensão, denotando que não se importava com o tempo. E voando aqui e acolá, era um ponto, apenas um miúdo ponto no ocaso, que para vê-lo o observador teria que arregalar o máximo as vistas e oxalá que conseguiria ver sua pequenez de tamanho! A noção de espaço e dimensão do que é grande e pequeno, podem talvez ser ilusão da imagem vista e registrada pelo cérebro, fato que Diadorim tinha plena e total consciência da verdade.
Nessa sua transcendência, queria conhecer as virtudes e o poderio do deus sol; rezar o terço estelar; fazer parte das constelações de estrelas; auxiliado pelas estrelas cadentes, escrever sua estória no breu noturno; refazer-se do cansaço da viagem, ressonando sobre o côncavo da lua nova e para findar a celebração: dialogar com a noite velha para saber de seus mistérios, curiosidades e medos; afinal, a noite é testemunha dos acontecimentos que passam despercebidos aos olhos insones, sobretudo, a noite espreita e revela os distraídos.
O cisne branco cinza espreitava as belezas das águas que brotavam nos cumes e deslizavam pelo relevo em belos regatos, despencavam em borbulhantes cachoeiras e formavam transparentes piscinas naturais. Em cada sobrevoo, levitava com a vegetação exuberante, composta de inúmeras espécies da flora serrana, com destaque para as bromélias, orquídeas e sempre-vivas. Indicionalmente, o universo deveria ser assaltado por esse adormecer esplendido e nada comum que invadiu, tomou as faculdades do cisne cinza.
Diadorim passou dias e dias neste hibridismo esfuziante. Como tinha mais o que realizar, saiu de lá tocado pelas lufadas e onde parasse, ali faria residência; todavia a lei do merecimento o levou para outro lugar paradisíaco. E feito carrossel que gira impulsionando algo para cima e para baixo, num sobe e desce constante, permaneceu por longos verões nesta inenarrável fantasia.
Contudo acordara do sono que nunca, jamais dormira; sobretudo, ideais transcendentes e fantásticos não se realizam: vale somente para inebriar de encantos aqueles que pensam que o universo é formado apenas por aquilo que é palpável e materializado às íris dos olhos. “Um dia o Homem se achegará às minhas fantasias transcendentais e quando isso acontecer, Diadorim passará a existir em meio aos mortais; sobretudo por que a Vida será plena para os Homens que jamais morrerão. Enquanto esperas impacientemente pelo dia decisivo, mantenha-se preso às amarras de prisioneiro do sistema que por opção e escolha da maioria, fizestes impor aos vossos calcanhares e punhos. Sua civilização nunca soube e jamais saberá o que é viver em comunhão e harmonia com o Cosmos; por isto, terá que ser aniquilada para quem sabe, numa outra oportunidade entender e exercitar o que é perene e duradouro”.
E mais rápido que um risco reluzente cortando o céu por um lampejar ensurdecedor, as estrelas cadentes que cobriam o infinito naquela noite rabiscaram a escuridão com a seguinte inscrição: “Transcendência, dai-me uma hoje, para que no futuro eu não precise ruminar o desespero de não ter valorizado o que esteve sob a minha tutela e domínio. A perda é a primeira sensação que procura refúgio no sentimento de remorso”.