Era Uma Vez... Episódio II – A Aparição
Sem nenhum, ou melhor, quase nenhum alarde, Sumidoura aparecera. Como fiquei sabendo? No reino de gente pequena, possuidoras de olhos perspicazes e faro aguçado, sempre há um “xereta” que passa as horas do dia, os dias da semana, meses e meses especulando e bisbilhotando os acontecimentos nos Condados e cercanias, os quais vigiam. Se habitasse reinos de povos grandes, seriam os sentinelas, os guardas e a polícia, cuja finalidade é manter a ordem e o bem estar do povoado; contrário dos reinos de gente minguada, pois lá a paz reina absoluta e soberana e pessoas do leva e trás, existem somente para alegrar, fazer sorrir e contar casos dos diminutos e singelos acontecimentos do lugar, fatos que ocorrem lá uma vez na vida e outra na morte; aliás, morte é o que praticamente não há: nasceram para viverem em paz e harmonia entre eles e em comunhão com a Natureza e dela desfrutar, sem no entanto exaurir os seus recursos, e assim poder assim retirar o que necessitam para sobrevivência, o que sabiamente são os alimentos e o oxigênio.
Seres como os denominados “xeretas” (outra aberração comparativa entre os povos, porque nesses reinos ninguém é conhecido por nome próprio; no máximo, usam as palavras respeito, amor, carinho, amigo, honesto, sincero, luz, paz, solidariedade, bom senso, civilizado, felicidade, camarada, altivez, compadre, cativo e mais uma profusão delas, para no ato da comunicação e conferências, evento que raramente acontece, para diferenciar um do outro), obviamente, não dormem; motivo pelo qual somem ainda novos. O dilema de aparecer e sumir faz parte do ritual desses povos e em razão disto, os noviços seguem os legados dos mais velhos, que conforme hierarquia, mesmos sumindo do reino, são considerados anciões. Faz-se lembrar, que tudo isso ocorreu em tempos muito antigos e em face das alterações que ocorrem de quando em quando no todo planetário. Quem são esses olhos mágicos e colhedor de flores matutinas? Até o presente instante, o que se sabe é o que foi descrito. Povos em essência vasculhadores, de atos enigmáticos e perspicazes de olhos.
Sumidoura, para não cavar a discórdia entre os seres que pertencem a mesma espécie e raça, porém, diferentes em estatura, compleição física e evolução sensorial e perceptiva, rondava os arrebaldes do Condado metamorfoseada, dessa forma poderia mensurar o quanto houvera de profundas alterações naquele espaço, o qual no passado, a todos pertencia. No quesito evolução, os Cinturas Largas estavam anos luz à frente dos Criaturas que Urram, que por sua vez, estavam muito a frente do tempo medido pelos ditos Homens Grandes, que são os povos que tomaram a força o Condado; disseminando ali a discórdia, os separatismos e a divisão de espaço e território. Quando começou a história desses povos e os dias a serem contados, historiador nenhum conseguiu essa proeza; diferente dos procedimentos no mundo além Condado, que para aqueles povos é abominável, desprezível e refutável para não dizer, péssima espécie em costumes e hábitos.
Desde que o Condado é condado, nunca acontecera o sumiço, dessa que representava o arco íris das águas cintilantes, não somente com suas sete cores, mas o hibridismo e a fusão de cores fora das normalidades fantásticas imagináveis. O recanto onde Sumidoura nascia no baixio onde o mais belo e caudaloso jorro de água cristalina subia à superfície às golfadas e de lá, escorria em filetes brilhantes despenhadeiro afora. Após percorrer por muitos quilômetros, espraiando-se pelos inúmeros poços e meandros nas partes ainda mais baixas; geograficamente, o Condado estava no topo elevadiço e perfazia a Cordilheras y Valles de Duraznos y Melocotones, até desembocar no mundo de águas chamado “Mar sin fin”. A cordilheira e os muitos vales profundos prendiam e ao mesmo deixavam escapar as profusas magias e segredos ao longo de suas lombas montanhosas.
Em certa passagem, o maciço montanhoso da Cordilhera y Valles, corta o Valle de la Garganta Intransponíble, onde quem detém o domínio de território, gozando inclusive de toda pompa e irrestrita liberdade de rei do lago profundo, com sua coroa reluzente no escuro é o mirrado, birrento e oportunista do peixe nomeado pelos amigos e apreciadores como Levino. A fábula relatada em forma de conto, revela o lado obscuro e inescrupuloso daquele peixe, sem se importar com a questão geográfica, a qual o Vale está encravado. O mais desinteressado, despretensioso e alienado ser do planeta pode indagar sobre qual a relação entre os contos, uma vez que estão distantes no tempo; porém, ambos pertencem à uma época e estão ligados um ao outro pela simples razão de que em partes, o entrelaçamento de ambos podem desvendar o sumiço de Sumidoura e Aparecido, pois, Levino vivia suas aventuras e trapaças no lago de águas extremamente barrentas, enquanto que Sumidoura, numa fonte jorrante de águas cristalinas e que através das fantasias, representante do arco íris reluzente. Cercada por muitos mistérios, magia, bucolismo e belezas naturais, ela subia à superfície.
Entretanto, uma vez que sempre mantinha contato com Druidas e senhores de poderes mágicos, Aparecido já previa que numa época qualquer tudo podia ser alterado e obviamente, tinha plena convicção, que para pior. Como alerta, certa vez, voltando de um transe transcendental, resmungou certas coisas à meia voz: “Dá-lhe pequeno, grande Levino; neste lago sujo, só vós tens o dom, o mérito e a audácia de desafiar os anzóis e sair incólume da batalha que constantemente é travada às escuras nestas profundezas!” Para sua insatisfação, seu solilóquio tornara-se verdadeiro nas bocas de quem apoia e aprova o jogo de trapaças, esquemas e tramoias de Levino e o mais indecente, debaixo de águas, além de barrentas, profundas. As sujeiras, das águas, denotadas como barrentas, seriam talvez, o motivo de desaparecimento de ambos? Se este, somado a invasão e tomada do Condado pelos Homens Grandes, seriam os motivos, porque então da volta de Sumidoura?
Estando ele em uma conferencia sobre o futuro dos Condados e mundos distantes, Aparecido saiu de si, entrando em transe quase que absoluto, quando de repente seres iluminados se apoderaram dele e falando em seu nome, o repreenderam sobre o tal presságio fantasioso, o qual usava o nome de Levino para caracterizar qualquer ser que tivesse pensamentos e ações semelhantes ao proferido: “Aparecido, todos nós sabemos que a tendência é o SER: senhor do Escuro e da Ruina apoderarem-se do mundo. Porém, senhor que some e desaparece em instantes, tinha que pensar isso sem, no entanto, dizer, prenunciar o tempo exato que tais mudanças ocorrerão? Por favor, para tranquilizar o Condado e o planeta, quando o transe for para abordar os prenúncios de tempos vindouros, pelo menos dê a previsão aproximada dos fatos. Temos esse poder e para isto que prestamos. E mais: diga que o motivo de existirmos é para defende-lo; dentro do conceito de paz, guerrear para retomada do por tempos infindos pertenceu os nossos povos. Exponha os critérios, os ritos e cumplicidade que nos une em prol de defesa do Condado”. Aparecido acordou desconcertado. Por onde andará aquele sujeito possuidor de magias mirabolantes e atos honestos e justos. O Condado já teria o esquecido? Provavelmente, os povos que sobraram da batalha travada entre nativos e invasores, foram escravizados e obrigados a trabalhos forçados nas forjas de lapidação de metais e mineradoras; aqueles pequenos seres eram especialistas nesses tipos de atividades; aliás, a quem afirme que os princípios da alquimia foi iniciada por eles, porém por não terem vocação para o acumulo de dinheiro e bens materiais, não deram importância às descobertas da transformação de metais em ouro. Para aqueles povos, o materialismo e o acumulo de bens são fontes de enriquecimento e por vezes, ilícito. Por mais transformação que tenha ocorrido, os seres daquele lugar possuíam o dom e o caráter da gratidão; no entanto, estavam tomados, infestados pelas forças e as ganancias desmedidas de Homens Grandes; no entanto, tiveram que passar por situações constrangedoras, perdas de identidade e mudança nos costumes e hábitos, o que fez com que as gerações futuras fossem consideradas também Homens Grandes. Incrivelmente, as estruturas físicas, altura e outras características alteraram, a ponto de com o tempo torna-los Homens Grandes.
Sumidoura, às espreitas especulava os aterrorizantes acontecimentos e bruscas alterações, quando do nada foi vista por espiões, guardiões e sentinelas. Um deles desgarrou-se dos demais e lépido feito rastilho de pólvora, foi confidenciar o rei sobre o estranho intruso que viram. Imediatamente e sem demora, o rei ordenou que fechassem todas as saídas das cercanias e do Condado. Todo o efetivo foi mobilizado e em instantes, tudo estava cercado; inclusive reforçaram o baixio onde Sumidoura nascera. Quando da invasão pelos Homens Grandes, todo o reino tomou conhecimento que o casal possuía poderes mágicos, podendo portanto, metamorfosear em animais, plantas e bichos quaisquer, quando atacados ou naturalmente, somente para exercer o poder da transformação. Àquelas alturas, metamorfosear em qualquer coisa era correr perigo, porque ali, aleatoriamente todos matavam, dizimavam e aniquilavam espécies da flora e fauna sem a menor noção paixão e remorso, quando não era para comer, era matar por matar; faziam isso como treinamento para defenderem-se em caso de ataques. Mas quem iria atacar um povo que vivia isolado em pináculos intransponíveis? Por outro lado, se eles chegaram lá passando por cima de tudo e de todos, poderia haver povos aventurosos que pensassem como eles e se isso acorresse e não atualizassem os conhecimentos e manuseio dos instrumentos e objetos, fatalmente, perderiam o que, covardemente, ganharam.
A senhora dotada das sete cores do arco íris, após várias tentativas, devido os ataques animalescos dos oponentes, resolveu metamorfosear em iguana. O que não durou muito tempo, pois os invasores assim que descobriram que podiam afiar certos instrumentos, começaram a fazer uma devassa em matas e florestas. Ela descobriu que essa espécie, embora horripilantemente feia, com barbatanas caídas, olhos mortos e cauda cascuda, tinha sérios problemas de locomoção, portanto, locomovia extremamente devagar na presença do perigo; fato que Sumidoura descobriu somente quando cortaram a árvore em que ela se encontrava. Para se salvar ilesa do infortúnio dos objetos cortantes e dos despencares e galho e folhas, foi um deus nos acuda, mesmo assim, atônita e amedrontada, desmontou no chão, saindo com as costas desfoladas e o sangue cobrindo-lhe o corpo.
Ao notar os pingos de sangue na trilha, os desmatadores saíram procurando à quem eles pertenciam. Encontraram-na muito léguas de onde estavam abrindo clareira, tentando se limpar à beira de um riachinho que mal continha umas gotas de água. Uns dez homens rodearam-na. Seria necessário tanta gente para capturar um bicho molenga e rastejante, como é o caso das iguanas? Sim era preciso, pois ao presenciar o perigo, um eco berrou pelos ares, pedindo à ela que se transformasse rapidamente em lebre ou cervo. Esses, saltando alto e velozmente, tem o poder de atravessar altas moitas de capim. Sem pensar duas vezes, afinal como ela dizia, quem muito pensa perde tempo e está suscetível ao perigo, deu uns pulos meio desengonçados e quando apurou os sentidos, era um cervo sem sexo definido, mocho de olhar arisco e rápido e veloz feito o relâmpago; o que não significa que o perigo estava apartado, na realidade pelo contrário: o rei havia enviado sua tropa de guardas e sentinelas, com a finalidade de fechar todas as estradas. Em condições normais, dificilmente o intento do rei seria realizado, o que só foi possível porque através de seleção e inseminação artificial conseguiram uma réplica do cavalo alado. Como possuem a capacidade de voar, esses animais, além de transportar volumosas cargas com extrema rapidez, são ágeis na terra. Como ordem de rei é para ser cumprida imediatamente, todas as entradas e fronteiras do Condado foram fechadas. Trazendo nas mãos objetos e instrumentos de todas as potencialidades cortantes, guardas e sentinelas devassavam matos, florestas e matas. Pedindo clemência, galhos, troncos e folhas, desmancham-se no solo. Nem o centenário pé de jacarandá passou e ileso e em segundos, dobrou o corpanzil por terra. Vivendo às suas expensas, estavam muitas espécies de epífitas; com isto, lamentavelmente caiu também por terra a boa relação, desprovida de qualquer parasitismo entre o jacarandá e as espécies que nele se encontravam. Ambas, fabricavam o seu próprio alimento: o jacarandá através dos nutrientes do solo e a seiva que subia-lhe advinda da percolação da água subterrânea e as epífitas, através dos reservatórios de água que ela mesmas faziam.
Com a derrubada da majestosa e frondosa árvore, uma imensa e larga clareira se abriu, facilitando o campo de visão e abertura de clareiras pelos desmatadores. Inexplicavelmente, viera abaixo um bichinho miúdo, quase invisível que ninguém dera atenção. Era uma minúscula joaninha e foi vista pelas suas cores e numa simbiose perfeita, misturavam todas as cores, porém findavam-se nas sete cores do arco íris; fato que alertou um dos guardas, esse com dotes de biólogo prático, isso porque, em toda a vida sempre militara no campo e com todas as espécies da fauna e flora. O senhor, que pode ser chamado de “Escravo da Natureza”, tamanho sua afinidade e conhecimento de seus recursos, pegou o pequeno inseto na mão, arregalou os olhos, examinou meticulosamente, virou de barriga para cima e depois de franzir os cenhor, disse:
- Apesar de ser lindíssima, essa espécie para mim é um hibridismo e exala um cheiro horrível; bem nocivo às narinas. Com o tempo todas as espécies tendem a mudança em suas características biológicas e, portanto alteram o comportamento, hábitos e passam a ser mais resistentes aos meios de combate; deve ser a explicação para esse animal que está em minha mão. Arrgh, que bicho asqueroso!
Repentinamente, o sentinela nomeado pelo rei, como sendo o sentinela-mor com insígnias e tudo mais, fechou os olhos devido uma golfada de um líquido viscoso, mesclado com um cheiro acre, que entorpecia qualquer gigante. Não suportando o mal estar e o cheiro inebriante, desmaiou; aproveitando a ocasião, o inseto bateu asas e voou, obviamente, em face de seu tamanho, lentamente. Muito lentamente voou, mas o seu batido de asas foi suficiente para ela safar-se da provável morte; pois, quando soubessem que era uma metamorfose e fatalmente ficariam sabendo, não pensariam duas vezes, esmagando-a na mão.
Estando livre daquela mão marcada pelas rachaduras, fendas e sinais de extermínio, a joaninha metamorfoseou e passando a ser novamente um cervo, teria correr velozmente para safar-se de vez e enquanto a multidão de guardas, sentinelas e toda sorte de malevolência estava voltada para a busca e pisoteamento do mato ralo à procura de Sumidoura, ela voltara a fonte onde toda as desavenças e tomada do Condado começou. Chegando lá, caiu em prantos, pois o local onde nascera, subindo à superfície em jorros exuberantes, estava limpo, desmatado e em pleno desolamento. Ao redor apresentava sinais de destoca e queima, dando a entender a qualquer cego que aquele lugar passara por sérias transformações e perdas ambientais irreparáveis. De cócoras, com os cotovelos no joelho e as mãos espalmadas no rosto segurando a decepção, ficou minutos e minutos contemplando a destruição, por fim, tristemente, exclamou: “passamos a vida toda nessas paragens, convivendo em harmonia com todas as espécies da fauna e flora, para num piscar de olhos, esse povo que se espalha pelo mundo levando a maldade e destruição, invadir e tomar na marra o que pertencia a todos e não propriedade de um ser só. Infeliz daquele que se alia à essa súcia perniciosa, são gananciosos e acumuladores de bens. As minhas águas secaram, o brilho das cores cintilantes do arco íris esvaíram-se, a beleza incondicional do Condado deixou de existir, nossos povos desapareceram. Por onde andas Aparecido, será que sobrou somente eu para contar a história? Quem foi o desgraçado infeliz que descobriu os seus poderes mágicos e encantamentos? Não vai ficar assim não, tenho que fazer alguma coisa em nome do que nos pertenceu e voltará a pertencer.
E metamorfoseada de joaninha, com pintas coloridas e salpicadas sobre a carapaça e asas, sobrevoou todos os mais insignificantes lugares do Condado; acreditava piamente que Aparecido teria que estar em algum lugar, exceto numa das emboscadas que os Homens Grandes sempre faziam, cuja finalidade era alijar e separar as castas de Homens Pequenos, aniquilando-os e assim, apoderar-se de tudo que, igualitariamente os pertenciam, mas que com a tomada do Condado por esses seres racionais, estava prestes a ser concretizado.
Leia a primeira parte do episódio do conto, cujo título: "...Era uma vez!..."