Elixir Perfume da Liberdade

Os dias pareciam todos iguais, até os dias mais diferentes eram iguais aos demais. Ao abrir os meus olhos, eles pareciam cansados. O dia acabara de começar e eu estava cansado. Descansado fisicamente, porém cansado mentalmente. Olhando de cima eu enxergava a vida da maneira que ela era. A vida como ela era todos os dias, daqueles iguais.

Pelas ruas vejo cavaleiros em suas armaduras cinzas e pretas, com seus sapatos barulhentos e seus cavalos das mais diversas raças e cores. Aquele tentando ter o cavalo mais bonito e este, a armadura mais cara.

Todos eles empregados do rei, faziam por seu esforço, o seu mérito. E quanto mais prestígio dentro do reinado, mais poder ele teria. E todos queriam mais desse poder, quem não quer poder?

Isso me fez entender o porquê do cansaço nos meus olhos. Cansado de ver o que não me convencia como vida. Vida pra mim tinha outro significado.

Na marginalidade do reinado, no meio de um nevoeiro que se desfazia e refazia no ar impedindo a minha visão, surge algo inesperado. Na baía da costa, vejo uma estrutura de madeira, grande. Mais perto pude constatar que era um navio. Mas um navio?

A imagem daquela estrutura de madeira me passava um sentimento de liberdade. Sentia cheiro de liberdade. Por instinto já caminhava em direção ao que estava vendo. Cada vez mais perto, começo a escutar vozes, gritos e risos.

Quando vi que eram piratas, tentei recuar mas eles haviam me visto. Temeroso, não pude fugir ao vir dois na minha direção. Eles falavam uma língua que era igual à minha, mas eu não entendia. Falavam coisas sem sentido, riam de sons e caretas, e como riam. Estavam com um cheiro estranho e pareciam assustadores.

Então os dois me carregaram para o navio. O que poderia acontecer? Parecia um lugar estranho, diferente daquilo que eu estava acostumado. Desancoraram o navio e saímos em direção à lugar nenhum. O balançar do navio e o cheiro daquele mar me embriagavam pela liberdade de estar fora de todo padrão. Aquela neblina no ar fazia-me tossir enquanto sentia meu pulmão sendo invadido por aquela fumaça. Minha cabeça balançava como se o navio estivesse alçando voo. Naquele instante, milhares de idéias começaram a rodar na minha cabeça, como uma avalanche de pensamentos. Sem conseguir entender o que acontecia, apenas escutava a linguagem que eu desconhecia dos tais piratas se tornar cada vez mais familiar.

Olhando-os, não pareciam tão assustadores. Pareciam divertidos, descontraídos, falando coisas sem sentido, mas que tinham sentido. Quanto mais eu acompanhava a maneira de pensar deles, mais interessante ficava. Comecei a ver tudo de uma maneira diferente, como um clarão após um apagão. Foi como se as fronteiras da liberdade experimentada por aquela viagem que eu estava a fazer expandissem os limites da minha imaginação. De longe, reparava na imensidão do oceano chegar ao horizonte e quase se perder no azul que começava o céu. Era como se fossem uma coisa só. As gaivotas que voavam pareciam livres, libertas, assim como eu me sentia, e faziam sons em conjunto com as imperfeições do mar indo ao encontro do casco do navio, ressonando nos meus ouvidos. Havia experimentado a liberdade como nunca antes.

Dentre aqueles mesmos dias iguais, esse era diferente. Estava vivendo a liberdade, expandindo meus horizontes; desbravando os mistérios; solucionando descontentamentos; desenvolvendo idéias; entendendo sobre a vida, as pessoas, situações, condições, critérios, princípios, opiniões, certo, errado, bem e mal e tirando conclusões. Aprendendo a apreciar as coisas boas e simples da vida.

Aquilo havia me mudado. Ao término da viagem retornei ao meu canto ainda sem entender. Olhando minha antiga vida de frente, conclui que o último "eu" que havia estado ali não era o mesmo "eu" que aqui se encontrava. Ao descobrir a liberdade, descobri diversas virtudes da vida que aquele ambiente da forma como funciona não me proporcionava.

Ao acordar para um novo e igual dia, ele parece diferente. O ar que eu respiro daqui está mais puro. Os sons cotidianos não são mais tão insuportáveis como os de outrora. Observo o mundo como ele é, mas sob um novo olhar. Aqueles cavaleiros indo de um lado para o outro em seus cavalos vivem por um rei e não por sua própria existência. Saber apreciar o que a vida tem a oferecer de melhor é o sintoma de quem experimentou a liberdade alguma vez. A verdade me parece mais clara e, ao olhar de cima, tudo que eu vejo é a misteriosa complexidade da nossa simples vida, quase como o horizonte que separa o azul do céu com o azul do oceano, enquanto no ar, exala o elixir perfume da liberdade, o mais doce dos perfumes.