English version after the Portuguese one

LULLABY

Dalva Agne Lynch
 
Todas as manhãs, quando corria ao redor da Represa, eu passava por aquela casa quadrada de três andares, no meio de um enorme e mal cheiroso jardim abandonado. E todos os dias, sem falta, lá estava ela, apesar do mau cheiro, sentada num banco sob o salgueiro, embalando um carrinho de bebê com delicadas mãos saindo de longas mangas brancas, os cabelos compridos escondendo-lhe o rosto como cortinas.
     Num domingo à tardinha, sem nada para fazer, resolvi matar a curiosidade e caminhei até à casa da Represa. O jardim estava deserto e apertei a campainha, mas ninguém atendeu, então fui embora.
     Na segunda-feira pela manhã, contudo, lá estava ela outra vez, embalando o carrinho no meio daquele cheiro desagradável. E os dias se passaram, sem qualquer mudança. No meu último dia na cidade, encontrei o portão entreaberto. Cheio de curiosidade, entrei.
    "Senhora! Com licença! Senhora?"
     Mas ela nem mesmo levantou a cabeça. Intrigado, fui me aproximando devagar, enquanto ela continuava a embalar o carrinho.
     "Senhora, está me ouvindo?"
     Ela levantou a cabeça, olhou-me com grandes olhos infantis e me sorriu.
     "Não é lindo o meu bebê?"
     Curvei-me sobre o carrinho - e recuei, horrorizado. Entre os lençóis de seda cuidadosamente bordados, a cabeça descançando sobre o travesseiro macio, estava o cadáver decomposto de uma criança.
     Fugi daquele jardim e não voltei mais à Represa, mas a lembrança daquela casa me assombrou durante muitos e muitos anos.
     Já idoso, resolvi voltar à cidade e rever a casa da Represa. O portão enferrujado estava pendurado nas dobradiças, o jardim em total abandono. A grama e as ervas daninhas estavam tão altas que não dava para ver o banco sob o salgueiro, então entrei e fui afastando a  vegetação com os braços, até chegar perto da casa.
     E lá estava ela, sentada no banco sob o salgueiro, longos cabelos grisalhos caindo como cortinas, mãos emaciadas pela idade embalando um carrinho enferrujado... e, dentro do carrinho, em meio aos trapos de antigos lençóis bordados, estava o esqueleto de um bebê...


ENGLISH VERSION

 


LULLABY
 
Dalva Agne Lynch
 
 
Every morning, as I ran around the Dam, I used to pass by a three floors square house in the middle of a huge and unkempt evil smelling garden. And every morning, without fail, there she was despite the stench, sitting on a bench under the willow tree, rocking a baby carriage with delicate hands coming out of long white sleeves, her face hidden by the curtains of her long hair.
 
On a Sunday afternoon, having nothing better to do, I decided to satisfy my curiosity and went to take a look at that house by the Dam. The garden was deserted so I rang the doorbell. No one answered so I just went back home.
 
On Monday morning, however, there she was again in that stinking garden, rocking her baby carriage. And the same happened everyday, week after week.. On my last day in town, as I passed by the house, I found the gates ajar. Full of curiosity, I pushed them open and entered.
 
"Ma´am? Excuse me,  ma´am…”
 
But she didn´t even look up. Intrigued, I slowly approached her as she continued to rock the carriage.
 
"Ma'am, can you hear me?"
 
She lifted her head, looked at me with big childish eyes and gave me a smile.
 
"Isn´t my baby beautiful?"
 
I leaned over the carriage - and recoiled in horror. In the carriage, amid silken embroidered sheets, its head resting on a soft pillow, laid the decomposing corpse of a child.
 
I ran away from that garden and never went back to the Dam, but the memory of that house haunted me for many years.
 
When I was already an old man, I decided to return to my city and revisit the house by the Dam. Its rusty gates now hung on broken hinges and the garden was in complete neglect. The grass and weeds had grown so high you could hardly see the bench under the willow tree. so I opened a path among the high weeds and walked towards the house.
 
And there she was, still sitting on the bench under the willow tree, her face hidden by the curtains of her long hair now turned gray, her old emaciated hands rocking a rusted baby carriage ... And in the carriage, amid the old rags of what had once been silken embroidered linens, laid the skeleton of a baby ...
   

 

Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 06/05/2013
Reeditado em 21/05/2022
Código do texto: T4276248
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