O Espelho Me Disse (Primeira Parte)

"Faz sete anos que enlouqueci. Ou não enlouqueci? Não! Eu não enlouqueci. Os outros é que me julgavam louco. Mas eu tinha razão. O meu espelho falou comigo. Lembro-me como se tivesse sido segunda-feira passada. Estava eu no banheiro preparando-me para minha toalete matinal, quando ao olhar o espelho vi, sobreposto no meu reflexo, a imagem de um homem. Não era eu aquele homem, além de minha imagem eu via claramente a imagem de outro homem, branco, loiro, de barba aparada e olhos extremamente claros a me encarar. Acreditei ser uma alucinação por eu ainda me encontrar sonolento, porém – mesmo após esfregar os olhos duas ou três vezes– aquele sujeito ainda estava lá. Admirando-me como se já me conhecesse. O que diabos é isto? Perguntei a mim mesmo assombrado. O homem sorriu. E me disse:

- Olá! Sou o homem do espelho. Vim a mandado do mundo dos espíritos protetores para te tornar um homem rico e próspero em tudo aquilo que se propuseres a fazer.

- Sai de ré, Satanás!!! Não quero coisa com o demo não. – exclamei.

-Ora, deixe de ser tolo, homem. Não sou nada disso que você falou. Sou um espírito abençoado, ouvimos suas preces e devido ao seu merecimento, aqui estou para realizar seus desejos de prosperidade.

-Ah, é? E o que você vai querer em troca? Minha alma, não é? Eu sei bem como funcionam essas coisas.

-Porque eu haveria de querer a sua alma? Sabe quantas pessoas aceitariam minha proposta sem ao menos piscar? Se fosse realmente alma que eu estivesse em busca, eu não viria até o Senhor, um homem tão bondoso e altruísta. Vamos Jeová, aceite minha proposta. Vamos juntos fazer da sua vida repleta de felicidade, esse é o seu bônus após anos de esforços não reconhecidos.

-Mas o que você vai querer de mim?- perguntei.

-Quero apenas, a sua felicidade, Jeová, Somente isso.

-Não! Muito obrigado. Pode procurar outra pessoa merecedora de seus serviços. Minha vida está boa assim, obrigado.

O homem do espelho deu um sorriso de canto de lábio, e vendo que não me convencera daquela vez disse:

-Pois saiba que está perdendo o seu tempo. Mas não te preocupes, quando precisares de mim, me chamarás e eu aqui ainda estarei para lhe servir-. Desapareceu antes de terminar a frase e continuei minhas atividades tratando de esquecer aquilo.

Quatro meses mais tarde minha vida só havia piorado. Estava praticamente na miséria. Todo dinheiro que ganhava com os meus serviços de manutenção de aparelhos eletrônicos, mal davam para pagar a pensão das minhas duas filhas e a minha ex-esposa ameaçava-me constantemente de denunciar-me ou algo dessa natureza. Meu aluguel estava atrasado pela segunda vez e eu mal estava me alimentando. Lembrei-me do homem do espelho. Sabia que boa coisa não podia ser, mas seria minha única solução? Não! Vendi a minha velha televisão e meu rádio, as únicas coisas que me distraiam e consegui manter-me por mais um mês. Passado esse mês, as coisas mais uma vez se apertavam, já não tinha mais o que vender, nem a quem pedir dinheiro emprestado, estava devendo os olhos da cara. Ouço a porta bater, e surpreendo-me ao ver minha ex-esposa, Lúcia. Ela geralmente só me procurava quando a coisa estava preta, e estava. Minha filha mais nova, Luciana estava doente, havia contraído uma pneumonia muito forte e por ser ainda muito nova, se encontrava a beira da morte. Os remédios para sua cura se encontravam em falta no sistema público e apesar de custarem muito, era a única coisa que poderia salvar a vida de minha filha. Mandei Lúcia para casa e garanti-lhe que logo mais levaria os remédios, custasse o que custassem.

Fui até a casa de meu melhor amigo pedir-lhe dinheiro emprestado, mas este não o tinha disponível. Nem o segundo que consultei, nem o terceiro, nem ao menos o meu relógio valiosíssimo consegui vender ou penhorar. Voltei para casa três horas mais tarde, exausto física e mentalmente. Lembrei-me mais uma vez do homem no espelho. Contrariando-me, invoquei-o. Mas, não obtive sinal algum como resposta. Implorei para que ele aparecesse. Gritei para que ele aparecesse. Após alguns minutos encarando aquele maldito espelho vazio, pensei em minha filha. Imaginei Luciana a morrer por falta do medicamento. Comecei a soluçar feito uma criança e num último golpe de desespero, esmurrei o espelho, explodindo-o em centenas de pedaços enquanto gritava para que aquele infeliz aparecesse. Não me surpreendi ao ver no caco de vidro sujo com meu sangue, o reflexo do homem a quem tanto implorei que aparecesse.

-Porque demorou tanto a me responder?

-Ora, da última vez que estive aqui o Senhor disse que não precisava de mim. Quando ouvi seu chamado, não acreditei que fosse algo tão urgente.

-Não faça piadas, disse juntando o pedaço de espelho do chão. Minha filha está morrendo. Você pode mesmo me ajudar? Não ligo para suas condições. Diga-me apenas o que preciso fazer para salvá-la.

-Bem, não gosto de ser apressado. Mas como se trata de uma emergência, disse o homem do espelho. Siga estas recomendações: Na rua principal, casa 116, mora um médico. Ele tem o remédio que você precisa, ele é um homem de bom coração e tenho certeza que poderá lhe ajudar. Procure pelo Doutor Cláudio.

Deixei o pedaço de espelho na pia, enrolei uma faixa de pano qualquer em minha mão cortada e corri para o endereço indicado. Tudo se encontrava fechado na casa. Gritei feito um louco pelo Doutor Cláudio, despertando a atenção da vizinhança, mas não demorou a que me surgisse na janela um rapaz jovem, de boa aparência.

-Doutor Cláudio?

-Sim, e o Senhor?

-Não importa quem sou, choraminguei, preciso muito de sua ajuda. O homem veio até o portão e me atendeu. Entreguei-lhe a receita médica de minha filha e falei: - Minha filha de quatro anos está à beira da morte. Se não tomar estes remédios, não sobreviverá. Não tenho dinheiro para comprar, não tenho créditos e não há maneira de consegui-lo. Soube que o senhor pode me ajudar.

O doutor olhou-me com demasiada surpresa e falou:

-Quem o me indicou? Certamente posso lhe ajudar. Não tenho dinheiro aqui comigo. Mas por incrível que pareça, tenho um frasco deste remédio lacrado guardado em meu armário. Meu filho padecia da mesma doença que a sua algum tempo atrás. Comprei dois frascos deste medicamento e felizmente só precisei de um. Espere aqui enquanto vou buscar.

Não consegui conter as lágrimas e, quando o jovem homem voltou trazendo o frasco, dei-lhe um forte abraço e jurei que o pagaria algum dia. Ele também não conteve a emoção, mas insistiu que não aceitaria qualquer pagamento. Não fiquei muito tempo ali, apressei-me a levar a cura para minha filha. Jamais pude retribuir o que aquele homem fez pela vida dela. Depois de tomar o medicamento, ela estava salva."

Após ajudar a salvar a vida de minha pequena filha, passei a confiar totalmente no homem que aparecia no espelho. Não era possível que ele quisesse meu mal... Continua...

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