O Espelho Me Disse (Segunda Parte)

Nota: Encontre a primeira parte deste conto no meu perfil.

"Após ajudar a salvar a vida de minha pequena filha, passei a confiar totalmente no homem que aparecia no espelho. Não era possível que ele quisesse meu mal. Foi preciso que ele se mudasse para o espelho da sala, já que em meu momento de amargura, havia destruído o espelho em que ele aparecera primeiramente. Me disse que eu o poderia chamar como quisesse, então, dei-lhe o nome de Jota. Ele era meu guia. Dizia-me o que devia fazer para que as coisas dessem certo na minha vida. Ele me ajudou a sair do buraco, graças a ele eu sabia exatamente onde havia clientes precisando de meus serviços e consegui ganhar muito dinheiro, mudei-me para um apartamento muito melhor e maior. Conseguia ajudar mais as minhas filhas e podia lhes comprar presentes caros. Minha ex-esposa Lúcia, estava fascinada com o meu progresso.

Quando disse a Jota que me sentia sozinho, ele me disse onde encontrar a mulher de meus sonhos, e realmente a encontrei. Seu nome era Sandra: A mulher mais bela, gentil e carinhosa que conheci em toda a vida. Começamos a namorar e minha vida não poderia estar mais perfeita. Agradecia todos os dias a Jota por tudo e ele simplesmente respondia:

-Você é merecedor de tudo que te acontece, Jeová.

Não posso mentir e dizer que não achava estranho ter tanta sorte por ter o homem do espelho me guiando. Mas os benefícios que ele me trazia, cegavam-me completamente. Não me importava mais de onde ele viera e nem para onde estava me levando. Queria apenas aproveitar tudo aquilo, enquanto ainda me encontrava em vida.

Jota e eu costumávamos ter longas conversas, ele parecia adorar minhas histórias de infância, e apesar de dizer que já sabia tudo sobre a minha vida –passado e futuro- não se importava em me ouvir reconta-las. Certa tarde, ao chegar do trabalho e após tomar um banho relaxante, fui conversar com Jota e contar-lhe sobre o meu dia. Havia sido um dia muito engraçado, a cliente daquele dia tinha me feito rir infinitamente com suas trapalhadas e divertia-me ao relembrar de tudo com meu amigo no espelho, tão distraído estava, que não notei quando Sandra entrou em meu apartamento e ficou na porta do meu quarto me observar, só a vi quando ela já estava indo embora, assustada por me ver conversar “sozinho” diante do espelho. Pude ver em sua expressão aflita uma mistura de medo e pena. Quando notou que eu a seguia, apressou o passo e por pouco não corria. Desceu as escadas quase voando e eu tratei de deixa-la ir. Mas precisava me explicar com ela.

No dia seguinte, fui cedo até a casa de Sandra e esperei-a sair para falar com ela.

- Sandra, precisamos conversar. Você poderia ir até minha casa?

-Não, Jeová. Acho que não temos o que conversar.

-Não seja boba Sandra. Vamos.

Praticamente arrastei Sandra até minha casa. Não poderia discutir aquele assunto com a possibilidade de alguém nos vir. Já no meu apartamento, Sandra sentou no sofá, seu desconforto era aparente.

-O que você está pensando de mim, Sandra?- indaguei

-O que você queria que eu estivesse?

-Você acha que eu sou louco, não é?

-O que você pensaria, Jeová, se me visse conversando sozinha daquela maneira?

- Eu não estava conversando sozinho...

-Então com quem estava?- interrompeu-me- Com o espelho?

- Peguei suas mãos gélidas de nervosismo e disse:

-Qual o problema, Sandra? Nunca conversou consigo mesma? É normal. Todo mundo faz isso.

Já em prantos, ela disse:

- Não foi a primeira vez, Jeová. Já o vi conversando sozinho diante do espelho várias vezes. No começo ignorei, achei que era uma mania, mas cada vez as coisas foram ficando piores. Eu não sei o que pensar... Se você o visse como eu o vi, ontem, conversando como se o espelho o respondesse. Você precisa de ajuda, Jeová.

-Eu não sou louco. Eu apenas gosto de conversar com o espelho. Tá bom pra você?- disse me exaltando despercebidamente.

- Não, não tá bom. Eu não quero mais ficar aqui com você.

- Você vai me deixar, Sandra? É isso?

- Você não está em condições de conversar. Depois nos falamos.

-É só um maldito espelho!- gritei.

Sandra ignorou-me e levantou-se. Empurrei-a de volta no sofá e disse:

-Espere um pouco. - fui até o quarto, tirei o espelho da parede e levei-o até a sala. Ao se deparar com o espelho, Sandra ficou ainda mais nervosa.

-É por isso que estamos brigando? Perguntei. –Pois então, essa briga acaba agora. Abri a janela, e quase não me certificando de que não havia ninguém do lado de fora, atirei o espelho na rua, cujo se despedaçou no pavimento. Quando virei-me de volta ao sofá, notei que Sandra já havia saído. Dessa vez, não fui atrás dela. Sentei-me no sofá, pus as mãos na cabeça e ouvi um grito vir da rua. Não era um grito qualquer. Era o grito de Sandra. Ao olhar pela janela, vi a mesma jogada na rua a frente de um carro, ela havia sido atropelada por um idiota que passava em velocidade perigosa.

Sentei-me mais que depressa no sofá antes que tivesse um desmaio. Estava chocado. O susto não foi maior do que quando olhei para minha TV desligada e lá vi, refletido, o homem do espelho.

-Jota! Eu sei que foi você! Porque fez isso? Preciso ir salvá-la. – disse levantando-me, tentando me recompor para socorrer minha amada.

- Não adianta, Jeová. Ela está morta.

- Isso mesmo. Cuidei para que ela não tivesse como escapar.

- Porque fez isso? Eu a amava.

- Ora essa! Você não iria querer que ela saísse por aí falando a todos que você é louco, iria? Porque era o que ela ia fazer.

- Você não precisava mata-la. Eu ia conversar com ela. – eu já estava chorando.

- Não chores Jeová, eu posso conseguir melhores para você.

- Eu não quero mais você! Eu te libero. Procure outro amo!

- Acha que é só assim? Depois que consegue tudo que queres, pode me descartar? Foi por isso que me atirou na rua, não é? Pois saiba que eu não vou...

Antes que ele completasse a frase, atirei o controle da TV na mesma com força, destruindo-a.

- Não adianta tentar se livrar de mim. Uma vez que você me aceita como mestre, ficarei contigo para sempre, disse aparecendo em um porta-retratos na mesinha ao lado do sofá.

Fui para o quarto aborrecido, fechei os olhos como se assim pudesse esquecer aquela situação, deveria ter ido até Sandra que estava jogada na rua e, segundo Jota, morta. Fui forçado a sair de meu isolamento alguns minutos depois quando a policia bateu a minha porta pedindo meu depoimento, era óbvio que Sandra estava comigo antes do acidente, mas como eu não poderia levar a culpa, pelos meios legais, falei toda a verdade, havíamos discutido e por isso ela saiu apressada e acabou se deixando atropelar. O sujeito do carro havia se evadido do local, mas se apresentou mais tarde. Mas segundo a mãe de Sandra, se havia um grande culpado pela perda, esse culpado era eu. Eu a tinha levado a minha casa e eu era a causa de ela ter saído na rua em situação vulnerável. Eu era o culpado. E eu sabia disso."