TRINTA ANOS

Este conto é a segunda parte do conto A Dama da Noite

Depois de tantos anos longe da minha querida e desvairada paulicéia, tudo ainda era ou parecia ser como sempre fora.

Nos bares que eu frequentava há trinta anos, as mesas e cadeiras, se não eram as mesmas eram iguais.

Percebi melancolicamente que as coisas não envelhecem tanto assim.como as pessoas.

O espelho enorme atrás do balcão, tirando as garrafas, de diferente, só refletia mesmo, as sorridentes rugas dos velhos boêmios e os meus cabelos embranquecidos, além das minhas próprias rugas. Fiquei observando a minha cara naquele espelho, como se perguntasse: lembra de mim?

Ri da minha própria fantasia.

Deveria lembrar?

O dono ou gerente do bar não aparentava mais de quarenta anos. Certamente não me conhecia.

Trinta anos... É muito tempo, mesmo para o velho garçom, que por duas vezes me olhou intrigado, como se lembrasse de mim ou estranhasse a minha presença solitária que em nada combinava com aquele ambiente de boêmios e mulheres da noite, gentes ligadas à arte, ou que simplesmente espantavam a solidão, puxando conversa com um e com outro, ou cantando junto com os músicos, formando um cômico burburinho de acordes dissonantes e vozes desafinadas . Neste particular, nada havia mudado.

Alguém sempre pedia para cantar Ronda de Paulo Vanzolini, enquanto eu saboreava o meu conhaque de sempre, com o mesmo prazer dos velhos tempos.

De um bom conhaque e de uma boa música eu nunca abri mão.

Cheguei em São Paulo naquela manhã de sexta feira.

Depois de me instalar em um hotel, que não deveria ser nem muito caro nem muito vagabundo, fui logo tratando de cumprir os compromissos, que motivaram a minha viagem, porém, o que eu mais queria, era voltar àquele bar.

Trinta anos passados...

Trinta anos de saudade e sem entender o que havia acontecido. Verônica sumiu de minha vida sem nenhuma explicação, Ou teria sido eu?

Quem era ela?

Eu não sabia... Ela também não sabia quem eu era.

Duas almas boêmias e errantes que se amavam e se entregavam como num ritual pagão, sem ontem e sem amanhã, nas loucuras do hoje e na luxúria do agora,

Era a explosão dos sentidos que incendiava e consumia.

Não havia planos para o futuro nem história pra lembrar.

Ainda não consigo atinar, como seria se não tivesse terminado daquele jeito.

Que fim poderia ter um amor sem futuro e que se alimentava de momentos de paixão?...se eu pudesse vê-la, nem que fosse apenas mais uma, e talvez, a última vez...

O terceiro conhaque, começou a fazer efeito, eu já estava delirando.

No final do balcão, como era seu costume quando me esperava, lá estava.

Altiva e elegante, mas, de uma elegância sóbria, levemente maquiada , parecia séria, ou triste...

Olhou-me discretamente, assim como se por acaso e saiu.

Pensei vislumbrar um ligeiro sorriso.

Fiquei em dúvida, se deveria acabar com aquele delírio ou pedir mais uma bebida.

Ela sempre me aparecia, em sonhos ou quando eu bebia além da medida.

Resolvi parar.

O velho garçom trouxe a conta e aproveitou para fazer uma confidência:

- Há trinta anos que ela vem toda a sexta- feira.

Pede um Campari e sai...